domingo, 7 de dezembro de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2º DOMINGO DO ADVENTO - NOVOS CÉUS E NOVA TERRA - 07.12.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DO ADVENTO – NOVOS CÉUS E NOVA TERRA – 07.12.2014

Caros Confrades,

Neste segundo domingo do advento, a liturgia destaca o tema da consolação, através da palavra de conforto do profeta Isaías ao povo no cativeiro, informando que o tempo do castigo terminou, é hora de preparar o retorno a Jerusalém. O tempo litúrgico do advento nos convida a essa preparação do espírito não para a volta do exílio, mas para a chegada daquele que vem. O Papa Francisco, no sermão de hoje aos peregrinos presentes na Praça do Vaticano, assim comentou esse assunto da consolação do profeta Isaías: “Todos somos chamados a consolar os nossos irmãos, testemunhando que somente Deus pode eliminar as causas dos dramas existenciais e espirituais.” Essas são as formas de cativeiro nos nossos dias.

Portanto, a primeira leitura retirada do profeta Isaías (Is 40, 1-11) nos convida a vivenciar o tempo do advento na alegria da espera da nossa libertação: “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de nosso Deus. Nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas.” Esse trecho é bastante conhecido, porque ele foi retomado por João Batista, quando pregava o batismo de penitência, nas margens do rio Jordão. O apelo do profeta e do precursor continua ressoando nos nossos dias, quando a liturgia nos põe outra vez no início da trajetória da história da nossa salvação, com a expectativa da vinda do Salvador. O profeta Isaías é aquele que melhor antecipou os acontecimentos relacionados com a chegada do Messias, o libertador: “eis que o Senhor Deus vem com poder, seu braço tudo domina: eis, com ele, sua conquista, eis à sua frente a vitória.” Embora o foco imediato da mensagem do Profeta fosse a libertação dos cativos da Babilônia, na perspectiva transistórica, a mensagem de consolação e de libertação se prolonga nos nossos dias, visto que a salvação prometida não é ato de um dia só, mas um processo continuo de aperfeiçoamento da humanidade, em busca de novos céus e de nova terra.

Aliás, este conceito de “novos céus e nova terra” está na segunda carta de Pedro, lida na liturgia de hoje (2Pd 3, 8-14). Como todos sabemos, Pedro não era nenhum intelectual, pois fora criado à margem do Lago de Genesaré, dedicando-se ao ofício da pesca, quando recebeu o chamado de Jesus. Estima-se que as cartas de Pedro foram escritas por Marcos, que era discípulo dele e o acompanhava. Diferentemente de Paulo, que escrevia aos gentios, isto é, aos povos que não conheciam a tradição judaica, Pedro escrevia para uma comunidade de Judeus, daí porque ele não precisava explicar muitas coisas, que os seus leitores já conheciam. No trecho dessa leitura, Pedro repete duas imagens que são recorrentes nos evangelhos sinóticos: o dia do Senhor virá como um ladrão e a precipitação dos céus para a terra, causando um grande incêndio que destruirá tudo. Devemos nos lembrar que as cartas de Pedro foram escritas antes dos evangelhos, portanto, não se pode dizer que ele retirou esse assunto da leitura dos evangelhos, mas sim, o oposto. Isso denota ainda que tais comentários deviam ser bastante corriqueiros nas comunidades cristãs primitivas.

Tirante aqui essa descrição das chamas, que tudo irão desintegrar, assunto já abordado em comentários anteriores, importa destacar que Pedro afirma isso no contexto da realização da promessa divina de que surgirão novos céus e nova terra, onde habitará a justiça. Deduz-se que essa imagem da destruição não deve ser compreendida no sentido físico, geográfico, mas no sentido da destruição do pecado e da injustiça, para cederem lugar à justiça que vem de Deus. É curioso observarmos o uso do plural em “novos céus” (no original grego, kainoús dé ouranoús), enquanto “terra” está no singular. Isso demonstra que Pedro acreditava na tradição judaica acerca da existência de sete céus (o primeiro, chamado Vilon, seria o local onde originalmente moravam Adão e Eva, de onde eles “caíram” para a terra, depois seguiam-se outros até chegar ao sétimo céu, que seria propriamente a morada de Deus). Dessa concepção, parte a idéia de que os céus “cairão” sobre a terra, porque essa era a noção geográfica daquela época. Visto que Pedro escrevia aos judeus, ele não precisava explicar com detalhes o que seriam esses céus, que seriam renovados. Referindo-se à terra (no original grego, gen kainen), aparece outra vez o adjetivo “kainos”, que significa algo inédito, extraordinário, nunca visto antes. Ou seja, a tradução de kainos por novo em português não indica toda a força que a palavra grega possui. Assim, os novos céus e a nova terra representam a idéia de um processo de depuração, de purificação, não sendo propriamente uma coisa que vem substituir outra, assim como nós passamos a usar um novo sapato e jogamos o outro no lixo. O novo tem aqui o sentido da renovação, de tomar algo que está velho e fazê-lo tornar-se novo outra vez. E acerca dos “sete” céus, esse conceito continua vigente no talmud judaico e significa uma espécie de local físico, embora muito elevado, porém não é compatível com o conceito de céu presente na doutrina teológica cristã.

Portanto, conforme escrevi acima, deixando de lado essa noção do sétimo céu como morada de Deus, a mensagem da carta de Pedro nos incentiva a vivermos na esperança da renovação prometida, cuja realização depende também do esforço de cada um de nós: “vivendo nessa esperança, esforçai-vos para que ele vos encontre numa vida pura e sem mancha e em paz.” Tal como Paulo fez em suas cartas, Pedro também adverte os cristãos mais apressados para que saibam esperar a vinda do Senhor, pois “para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia. O Senhor não tarda a cumprir sua promessa, como pensam alguns, achando que demora.” Percebe-se que tanto nas comunidades dos gentios quando nas comunidades judaicas, prevalecia uma expectativa de que Jesus retornaria “em breve”, ou seja, naqueles próximos dias, por isso tanto Paulo quanto Pedro ensinavam aos cristãos que não deviam ter pressa nem tentar adivinhar esse dia, mas que cada um permanecesse fiel e se mantivesse alerta e em prontidão. Passados mais de dois milênios e considerando a evolução dos conhecimentos científicos acerca do universo, devemos compreender esses “novos céus e nova terra” no sentido teológico espiritual, de modo que vivendo nessa “velha” terra o “reino de Deus”, estamos antecipando pela fé a vida na Jerusalém celeste, servindo como nosso guia nessa caminhada o evangelho de Cristo.

Na leitura do evangelho de Marcos (Mc 1, 1-8), vemos repetido o mesmo trecho do profeta Isaías, juntamente com a referência a João Batista, como aquele que foi enviado para preparar o caminho quando já estava próxima a chegada histórica de Cristo. Dizia João: já está no meio de vós aquele que virá depois de mim. Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo”. Aqui também devemos entender que esse trecho foi escrito muito depois da época de João, pois João ainda não conhecia a pessoa divina do Espírito Santo, a qual foi revelada somente depois, durante as pregações de Cristo. João teve uma antevisão do Espírito Santo em forma de pomba, por ocasião do batismo de Cristo por ele, mas isso não significa que ele tivesse tido uma antecipação da doutrina trinitária, que Jesus iria explicar aos apóstolos durante sua catequese com eles. A consciência do seu papel de precursor está bem expressa na metáfora de João sobre “desamarrar suas sandálias”. João tinha ciência de que a origem divina de Cristo e a missão que Ele ali iniciaria não tinha termo de comparação com o seu próprio trabalho. E sabe-se pela leitura de Mateus (3, 11) que João teria argumentado com Jesus: eu devo ser batizado por ti, mas tu vens a mim. E Jesus teria respondido: deixa assim por enquanto. Tudo devia acontecer de acordo com o plano do Pai e João era um importante personagem nesse plano.

Que nós saibamos, portanto, interpretar com sabedoria a temática bíblica posta diante de nós pela liturgia do advento, de modo a compreendermos sempre melhor o significado desse tempo religioso importante, mas que fica em geral obscurecido pelos apelos comerciais e emocionais relacionados com o natal da troca de presentes, desviando-nos do verdadeiro sentido do natal cristão.

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