COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO
COMUM – 08.02.2015 – A DOENÇA E A SAÚDE
Caros Confrades,
A liturgia deste 5º domingo comum
dedica atenção aos enfermos, tanto às doenças do corpo quanto às
doenças do espírito. Nos dias de hoje, é sempre mais forte a
convicção de que a antiga máxima latina “mens sana in corpore
sano” permanece em pleno vigor, na medida em que mais se descobre o
quanto as preocupações e torturas mentais terminam por
transformarem-se em enfermidades no corpo, causando aquelas doenças
graves, de causas genéricas e de cura desconhecida, ou seja, se a
mente não está sã, o corpo também não estará são. Hoje, muito
mais do que no passado, os profissionais da área da saúde vêm
atestando que a fonte e a causa de grande parte dos males que
acometem o corpo decorrem de perturbações de ordem mental e
espiritual. É nesse ponto que a fé e a religião podem ter uma
função importante no processo de cura.
Quado se fala em sofrimento, a figura
emblemática que nos chega à lembrança é a de Jó, pois toda a
tradição hebraico-cristã tem nesse personagem o protótipo do
justo sofredor. Vários estudiosos da Bíblia colocam em dúvida a
existência concreta desse personagem, que mais se assemelha a um
protagonista de um romance de natureza didático-religiosa, em cuja
figura o seu autor (ou seus autores, porque isso também é
controverso) pretende desmistificar uma certa noção que havia
naquela época acerca da doença e do sofrimento como castigo. O
livro de Jó é classificado dentre os livros sapienciais e esses são
os livros que colecionam os ditos e ensinamentos dos antigos sábios
hebreus. A finalidade do livro de Jó é demonstrar que o sofrimento
não é consequência do pecado, ou seja, não se deve crer na idéia
de que só os pecadores sofrem, os justos não devem sofrer. Então,
a figura de Jó, o justo que sofre, perde tudo que possui e depois
readquire tudo novamente, é o símbolo da pedagogia do sofrimento,
isto é, da visão do sofrimento como um período de reflexão para
nos levar a um estado de vida mais purificado e mais santificado.
Diz assim a primeira leitura: (Jo 7,2)
“tive por ganho meses de decepção, e couberam-me noites de
sofrimento. Se me deito, penso: Quando poderei levantar-me? E, ao
amanhecer, espero novamente a tarde e me encho de sofrimentos até ao
anoitecer.” Este trecho caracteriza muito bem a situação em que
se encontra uma pessoa acometida de grave enfermidade: a pessoa vê
os dias se passando um após o outro e a sua situação não melhora.
Parece que Deus se esqueceu dele. E a pessoa então se desmancha em
queixumes e desesperanças, a vida torna-se um pesado fardo, algumas
pessoas chegam a pedir a chegada da morte por não aguentarem tanto
sofrimento. O livro de Jó ensinava os hebreus e continua a nos
ensinar hoje a não cair no desespero diante das mazelas da vida, mas
fortalecer a nossa fé através da oração confiante, porque Deus
vela pelos que sofrem. A liturgia deste domingo procura exatamente
chamar a atenção para esse fato de que o sofrimento é algo que faz
parte da nossa existência humana e ainda conclamar os cristãos a
terem solidariedade para com os enfermos, visitando-os e orando com
eles. E também sem esquecer de valorizar aqueles profissionais que
trabalham na área da saúde e que estão em permanente contato com
pessoas enfermas, para que não enxerguem o ser humano doente como se
fosse uma máquina com defeito, mas estejam sempre conscientes e
dispostos a praticarem uma medicina humanizada. Com tantos recursos
tecnológicos utilizados atualmente no campo da medicina, muitas
vezes os cientistas da área são levados a confundir os seres
humanos com as máquinas que lhes auxiliam no seu trabalho,
esquecendo que o corpo é templo de Deus e morada do Espírito Santo.
Esse é o sentido que deve ter o cristão acerca da enfermidade e do
sofrimento.
Na segunda leitura, da primeira carta
de Paulo aos cristãos de Corinto (1 Cor 9,16), ele comenta sobre as
agruras suportadas por causa de sua missão de pregar o Evangelho:
sem descanso, sem salário, sem reconhecimento, com perseguições, e
mesmo assim, fazendo isso como uma necessidade interna que ele
sentia. Por causa do Evangelho, ele se tornou um escravo de todos. O
sofrimento a que Paulo se refere já não é tanto aquele decorrente
de uma enfermidade corporal, mas decorre da sua própria missão e
das preocupações associadas a ela. Diz ele (9, 18): “Em
que consiste então o meu salário? Em pregar o evangelho,
oferecendo-o de graça, sem usar os direitos que o evangelho me dá.
” Fico pensando em quais seriam esses “direitos” que o
evangelho dá a ele e dos quais ele não usufrui. Suponho que seria a
tranquilidade de estabelecer-se num certo local e dedicar-se aos
fiéis daquela comunidade, assim como muitos líderes religiosos
daquela época e de hoje fazem. Ao contrário, Paulo era aquele
apóstolo itinerante, que não tinha um pouso nem uma morada. Cuidava
de todas as igrejas, no entanto, não estava vinculado a nenhuma
delas. Essa foi a sua opção para atender com fidelidade à missão
de pregar o evangelho. Por isso, ele conclui no vers. 19: “Assim,
livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos.”
A preocupação com a pregação do evangelho era o sofrimento dele
de cada dia.
No evangelho de Marcos (Mc 1, 29),
vemos mais uma vez a intenção desse evangelista de mostrar o poder
de Jesus, especialmente através da cura dos doentes e da expulsão
dos demônios. Procurando entender essas expressões numa linguagem
atual, poderíamos ler aí como se estivesse escrito a cura das
doenças do corpo e do espírito. Conforme já foi mencionado antes,
o entendimento daquela época acerca das doenças psicológicas era
de que se tratava de possessão pelo demônio. O evangelista Marcos
procura destacar o poder que Jesus tem sobre os males do corpo e do
espírito devolvendo a saúde aos paralíticos e leprosos, mas também
expulsando e proibindo os demônios de falarem ao povo quem é Ele.
Jesus está fazendo milagres em Cafarnaum, no início de sua missão.
Começou curando a sogra de Pedro, que estava com febre e apenas com
o toque da sua mão, a curou. A notícia se espalhou e logo a frente
da casa de Pedro estava tomada por uma multidão de pessoas doentes e
possessas, pedindo para serem curados, e Jesus curou a todos.
Estes relatos do evangelista Marcos nos
mostram a missão de Jesus como aquele que veio para retirar os
sofrimentos das pessoas, corroborando aquele ensinamento já tratado
no livro de Jó, acerca do sofrimento não como um castigo de Deus.
Jesus veio mostrar o Pai como alguém que está ao lado dos que
sofrem, para minimizar-lhes os sofrimentos, não para castigá-los
ainda mais. Depois de curar os enfermos em Cafarnaum, Jesus quis ir
com os discípulos para as cidades e aldeia vizinhas, a fim de ali
também pregar sua palavra, pois para isso foi que ele veio. Essa
imagem literária da ida às cidades e aldeias vizinhas significa o
universalismo da doutrina cristã. Jesus demonstrou que Ele não
deveria ficar só em um determinado lugar e as pessoas virem a ele,
mas que Ele mesmo deveria ir aonde as pessoas estivessem passando por
necessidades. Foi esse exemplo de Jesus que o apóstolo Paulo seguiu,
percorrendo o mundo de cidade em cidade e pregando o evangelho.
Há uma referência nesse evangelho de
Marcos, que eu gostaria de destacar: a cura que Jesus faz da sogra de
Simão, estando hospedado na casa deste (Mc 1, 30-31): “A
sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a
Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e
ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu.”
Simão era casado e morava em Cafarnaum. O evangelho não refere que
ele tivesse filhos, o que não significa que não os tivesse. O
evangelista faz referência à sogra de Simão assim de passagem,
porque o interesse dele é mostrar o poder de Jesus para curar os
enfermos, talvez por isso não entre em detalhes sobre os demais
familiares. Assim como Simão, certamente outros discípulos também
eram casados. Sabemos que Jesus não tinha uma moradia dele, mas
hospedava-se nas casas dos amigos. Um local bastante conhecido para
isso era a casa de Betânia, onde moravam Marta, Maria e Lázaro, mas
é bem possível que ele também se hospedasse em casa de algum outro
discípulo. Ressalto isso para defender que não há
incompatibilidade entre o discipulado e o matrimônio, que o celibato
não foi uma imposição que Jesus fez aos seus discípulos.
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