COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO
COMUM – O PÃO DA FARTURA – 26.07.2015
Caros Leitores,
As leituras litúrgicas deste 17º
domingo comum preconizam o milagre eucarístico, que seria depois
realizado por Jesus, perpetuando-se na história e chegando até nós.
Nas primeiras manifestações, a figura de destaque é o pão de
trigo, cuja fartura saciou a fome de milhares de fiéis, tanto no
Antigo quanto no Novo Testamentos. Por fim, ao despedir-se, Jesus
instituiu-se a si próprio em pão da fartura, não somente para
saciar a fome da natureza, mas sobretudo para locupletar o espírito
com o pão vivo e imortal.
Na primeira leitura, retirada do Livro
dos Reis (2Rs 4,42), narra-se um fato miraculoso operado pelo profeta
Eliseu vários séculos antes de Cristo, como que antecipando o
futuro milagre da multiplicação dos pães, que seria realizado pelo
Messias. Num tempo de grande seca e, portanto, de fome para o povo,
Eliseu ganhou de presente 20 pães, mas não os recebeu, porque seria
egoísmo de sua parte saciar a própria fome, enquanto o povo padecia
com ela. Então, ele mandou que os pães fossem distribuídos para o
povo. O seu assistente ficou preocupado: como vou distribuir tão
poucos pães para tantas pessoas famintas? Ele, prudentemente, deve
ter logo imaginado o tumulto que isso iria ocasionar e as brigas
entre as pessoas disputando os pedaços, podendo até ocorrer
agressões e ferimentos e ele mesmo poderia ser vítima do episódio.
Mas o Profeta o tranquilizou: O Senhor disse – comerão e ainda
sobrará. E assim foi a primeira vez do pão da fartura.
A imagem do pão está sempre presente
em diversas passagens bíblicas, seja do antigo seja do novo
testamento, porque o pão sempre foi e continua sendo o alimento
básico do ser humano. Em todas as culturas, o pão se apresentou
como um alimento de primeira ordem. Feito de trigo, de milho, de
mandioca, de batata, daquela massa que for mais abundante na região,
o pão é um símbolo da própria vida que ele alimenta. Por causa da
sua importância cultural, o pão é ultrapassa a pura matéria
física para significar os diversos dons que acompanham a vida
humana, além da simples satisfação da fome corporal. O saciamento
da fome induz ao bem estar, à alegria, à boa convivência, faz
elevar o espírito para as realidades sobrenaturais, então o pão é
muito mais do que um alimento material, é um verdadeiro mantenedor
do ser humano. Foi por esse motivo que Cristo, quando quis deixar um
sinal perpétuo da sua presença no meio da humanidade, adotou o
símbolo do pão, transformando a Si mesmo em pão da vida.
No relato do evangelista João (6,
1-15), Cristo revive a cena histórica do profeta Eliseu, diante da
multidão que o acompanhara de longe, na sua travessia do Lago de
Tiberíades, encontrando-o na margem oposta. Ele próprio fez uma
provocação aos apóstolos, indagando-lhes pedagogicamente, mesmo já
sabendo da solução que iria adotar: onde iremos arranjar pão pra
esse povo todo comer? Foi quando André trouxe a informação: tem
ali um rapaz com cinco pães e dois peixes, mas de que adianta isso
para tanta gente? Jesus só não repetiu o refrão de Eliseu
(“comerão e ainda sobrará”), mas fez que o povo sentasse e
mandou distribuir os pães e os peixes, depois de abençoá-los. E o
milagre da fartura se repetiu, todos comeram até ficarem saciados e
ainda sobraram doze cestos com os pedaços deixados. Juntem tudo,
para que nada se perca. Aquelas sobras, provavelmente, poderiam
saciar novamente outros famintos, pois como vimos no evangelho do
domingo passado, as pessoas estavam sempre onde Jesus e os apóstolos
estavam, de modo que eles não tinham uma folga nem para comer.
Pois bem, nesse relato do evangelista
João, podemos destacar alguns detalhes interessantes. Primeiro, a
preocupação de Jesus com a fome daquelas pessoas. As pessoas não
foram se queixar para Ele, ao contrário, estavam ali para ouvi-Lo.
Mas Jesus sabia que, sem a alimentação devida, a mente não
funciona, a concentração não ocorre, o aprendizado é nulo. Então,
antes de alimentar o espírito, é necessário alimentar o corpo.
Isso significa que a Igreja não pode se descuidar dos aspectos
materiais da vida social, da melhoria das condições de vida e de
trabalho dos fiéis, ou seja, não compete às autoridades religiosas
apenas celebrar missas e oficiar os sacramentos, mas junto com isso,
deve ter a preocupação com a vida material. Junto com o pão da
palavra, os pastores devem também preocupar-se com a assistência
material das pessoas mais carentes da comunidade, enquanto os fiéis
melhormente aquinhoados devem colaborar para a efetivação desse
serviço. Viver a religião não deve se resumir a frequentar o
templo nos dias celebrativos, fazer as novenas e rezar o terço. Isso
é importante, sem dúvida. Mas ficam faltando as “obras” de
caridade, que devem ser inseparáveis da fé.
Outro detalhe que importa destacar é
que o milagre de Jesus foi possibilitado pela presença de um rapaz
trazendo cinco pães e dois peixes. Ele poderia ter feito o milagre
independentemente disso, podia ter transformado até pedras em pão
ou ter feito cair pão das nuvens, mas Ele não quis assim. Isso
significa que Deus prefere agir por nosso intermédio, com a nossa
colaboração, mesmo para fazer as coisas mais extraordinárias.
Santo Tomás de Aquino ensinava, utilizando a terminologia filosófica
de Aristóteles, que Deus age por causas segundas. Essas “causas
segundas” são as ações indiretas. Ele pode atuar de forma direta
e imediata, mas muitas vezes, Deus se serve de nós, de um coirmão
ou coirmã nosso(a) para operar prodígios e, nesse caso, Deus nos
honra grandemente agindo por nosso intermédio. Quando Ele nos dá
fartura de bens materiais, Ele também espera que nós contribuamos
com maior generosidade para o serviço dos irmãos. É bem verdade
que, nas sociedades modernas, tais obras assistenciais devem ser
acionadas pelas autoridades públicas, porém, mesmo que isso
aconteça (o que nem sempre ocorre), não ficamos dispensados de
colaborar com a nossa parte. Portanto, nós precisamos estar sempre
disponíveis para Deus agir por nosso intermédio, através da nossa
fé operante, através do nosso exemplo e do nosso testemunho. Muitas
vezes, nós nem atentamos para isso, mas as nossas atitudes estão
sendo percebidas por outras pessoas e o nosso bom exemplo pode estar
sendo decisivo para que um irmão, momentaneamente fraco na fé,
ganhe força e supere um obstáculo na sua vida. Se deixarmos Deus
agir por meio de nós, nós também poderemos ser esses agentes
transformadores, sem que isso necessariamente cause em nós canseira
ou preocupação. Na nossa vida cristã cotidiana, as nossas atitudes
normais de cada dia podem se transformar em importantes instrumentos
divinos para a realização de obras valiosas na sociedade.
Quando Jesus, na última ceia,
serviu-se da espécie do pão para tornar-se presente permanentemente
no nosso meio, ele quis associar a Si próprio a este alimento, que
desde os primórdios da raça humana tem-se manifestado como algo
indispensável. Assim como o pão da massa material é um artigo
universalmente inerente às sociedades humanas, Jesus quis que o seu
corpo-pão tivesse a mesma presença e mesma participação na nossa
vida. Eu, particularmente, sinto um certo desconforto quando vejo a
celebração eucarística sendo realizada com aquela composição do
trigo, que chamamos de hóstia, porque me dá a impressão que assim
nos afastamos da verdadeira intenção de Cristo, quando fez-se pão,
visto que a aparência física da hóstia, embora sendo produzida com
a mesma massa do pão, não tem nenhuma semelhança visual com este.
E eu fico pensando que Cristo quis que o Seu corpo fosse associado ao
visual do pão comum, aquele alimento básico e essencial. Nós não
tomamos café com hóstia, leite com hóstia, e eu acho que Cristo
queria que fizéssemos uma associação visual entre o pão e Ele,
que se elevasse à dimensão da fé. O pão que alimenta o corpo
também, e ao mesmo tempo, alimenta o espírito. A mim, não parece
que a vontade de Jesus esteja sendo cumprida integralmente.
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