segunda-feira, 27 de julho de 2015

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 17º DOMINGO COMUM - O PÃO DA FARTURA - 26.07.2015

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO COMUM – O PÃO DA FARTURA – 26.07.2015

Caros Leitores,

As leituras litúrgicas deste 17º domingo comum preconizam o milagre eucarístico, que seria depois realizado por Jesus, perpetuando-se na história e chegando até nós. Nas primeiras manifestações, a figura de destaque é o pão de trigo, cuja fartura saciou a fome de milhares de fiéis, tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos. Por fim, ao despedir-se, Jesus instituiu-se a si próprio em pão da fartura, não somente para saciar a fome da natureza, mas sobretudo para locupletar o espírito com o pão vivo e imortal.

Na primeira leitura, retirada do Livro dos Reis (2Rs 4,42), narra-se um fato miraculoso operado pelo profeta Eliseu vários séculos antes de Cristo, como que antecipando o futuro milagre da multiplicação dos pães, que seria realizado pelo Messias. Num tempo de grande seca e, portanto, de fome para o povo, Eliseu ganhou de presente 20 pães, mas não os recebeu, porque seria egoísmo de sua parte saciar a própria fome, enquanto o povo padecia com ela. Então, ele mandou que os pães fossem distribuídos para o povo. O seu assistente ficou preocupado: como vou distribuir tão poucos pães para tantas pessoas famintas? Ele, prudentemente, deve ter logo imaginado o tumulto que isso iria ocasionar e as brigas entre as pessoas disputando os pedaços, podendo até ocorrer agressões e ferimentos e ele mesmo poderia ser vítima do episódio. Mas o Profeta o tranquilizou: O Senhor disse – comerão e ainda sobrará. E assim foi a primeira vez do pão da fartura.

A imagem do pão está sempre presente em diversas passagens bíblicas, seja do antigo seja do novo testamento, porque o pão sempre foi e continua sendo o alimento básico do ser humano. Em todas as culturas, o pão se apresentou como um alimento de primeira ordem. Feito de trigo, de milho, de mandioca, de batata, daquela massa que for mais abundante na região, o pão é um símbolo da própria vida que ele alimenta. Por causa da sua importância cultural, o pão é ultrapassa a pura matéria física para significar os diversos dons que acompanham a vida humana, além da simples satisfação da fome corporal. O saciamento da fome induz ao bem estar, à alegria, à boa convivência, faz elevar o espírito para as realidades sobrenaturais, então o pão é muito mais do que um alimento material, é um verdadeiro mantenedor do ser humano. Foi por esse motivo que Cristo, quando quis deixar um sinal perpétuo da sua presença no meio da humanidade, adotou o símbolo do pão, transformando a Si mesmo em pão da vida.

No relato do evangelista João (6, 1-15), Cristo revive a cena histórica do profeta Eliseu, diante da multidão que o acompanhara de longe, na sua travessia do Lago de Tiberíades, encontrando-o na margem oposta. Ele próprio fez uma provocação aos apóstolos, indagando-lhes pedagogicamente, mesmo já sabendo da solução que iria adotar: onde iremos arranjar pão pra esse povo todo comer? Foi quando André trouxe a informação: tem ali um rapaz com cinco pães e dois peixes, mas de que adianta isso para tanta gente? Jesus só não repetiu o refrão de Eliseu (“comerão e ainda sobrará”), mas fez que o povo sentasse e mandou distribuir os pães e os peixes, depois de abençoá-los. E o milagre da fartura se repetiu, todos comeram até ficarem saciados e ainda sobraram doze cestos com os pedaços deixados. Juntem tudo, para que nada se perca. Aquelas sobras, provavelmente, poderiam saciar novamente outros famintos, pois como vimos no evangelho do domingo passado, as pessoas estavam sempre onde Jesus e os apóstolos estavam, de modo que eles não tinham uma folga nem para comer.

Pois bem, nesse relato do evangelista João, podemos destacar alguns detalhes interessantes. Primeiro, a preocupação de Jesus com a fome daquelas pessoas. As pessoas não foram se queixar para Ele, ao contrário, estavam ali para ouvi-Lo. Mas Jesus sabia que, sem a alimentação devida, a mente não funciona, a concentração não ocorre, o aprendizado é nulo. Então, antes de alimentar o espírito, é necessário alimentar o corpo. Isso significa que a Igreja não pode se descuidar dos aspectos materiais da vida social, da melhoria das condições de vida e de trabalho dos fiéis, ou seja, não compete às autoridades religiosas apenas celebrar missas e oficiar os sacramentos, mas junto com isso, deve ter a preocupação com a vida material. Junto com o pão da palavra, os pastores devem também preocupar-se com a assistência material das pessoas mais carentes da comunidade, enquanto os fiéis melhormente aquinhoados devem colaborar para a efetivação desse serviço. Viver a religião não deve se resumir a frequentar o templo nos dias celebrativos, fazer as novenas e rezar o terço. Isso é importante, sem dúvida. Mas ficam faltando as “obras” de caridade, que devem ser inseparáveis da fé.

Outro detalhe que importa destacar é que o milagre de Jesus foi possibilitado pela presença de um rapaz trazendo cinco pães e dois peixes. Ele poderia ter feito o milagre independentemente disso, podia ter transformado até pedras em pão ou ter feito cair pão das nuvens, mas Ele não quis assim. Isso significa que Deus prefere agir por nosso intermédio, com a nossa colaboração, mesmo para fazer as coisas mais extraordinárias. Santo Tomás de Aquino ensinava, utilizando a terminologia filosófica de Aristóteles, que Deus age por causas segundas. Essas “causas segundas” são as ações indiretas. Ele pode atuar de forma direta e imediata, mas muitas vezes, Deus se serve de nós, de um coirmão ou coirmã nosso(a) para operar prodígios e, nesse caso, Deus nos honra grandemente agindo por nosso intermédio. Quando Ele nos dá fartura de bens materiais, Ele também espera que nós contribuamos com maior generosidade para o serviço dos irmãos. É bem verdade que, nas sociedades modernas, tais obras assistenciais devem ser acionadas pelas autoridades públicas, porém, mesmo que isso aconteça (o que nem sempre ocorre), não ficamos dispensados de colaborar com a nossa parte. Portanto, nós precisamos estar sempre disponíveis para Deus agir por nosso intermédio, através da nossa fé operante, através do nosso exemplo e do nosso testemunho. Muitas vezes, nós nem atentamos para isso, mas as nossas atitudes estão sendo percebidas por outras pessoas e o nosso bom exemplo pode estar sendo decisivo para que um irmão, momentaneamente fraco na fé, ganhe força e supere um obstáculo na sua vida. Se deixarmos Deus agir por meio de nós, nós também poderemos ser esses agentes transformadores, sem que isso necessariamente cause em nós canseira ou preocupação. Na nossa vida cristã cotidiana, as nossas atitudes normais de cada dia podem se transformar em importantes instrumentos divinos para a realização de obras valiosas na sociedade.

Quando Jesus, na última ceia, serviu-se da espécie do pão para tornar-se presente permanentemente no nosso meio, ele quis associar a Si próprio a este alimento, que desde os primórdios da raça humana tem-se manifestado como algo indispensável. Assim como o pão da massa material é um artigo universalmente inerente às sociedades humanas, Jesus quis que o seu corpo-pão tivesse a mesma presença e mesma participação na nossa vida. Eu, particularmente, sinto um certo desconforto quando vejo a celebração eucarística sendo realizada com aquela composição do trigo, que chamamos de hóstia, porque me dá a impressão que assim nos afastamos da verdadeira intenção de Cristo, quando fez-se pão, visto que a aparência física da hóstia, embora sendo produzida com a mesma massa do pão, não tem nenhuma semelhança visual com este. E eu fico pensando que Cristo quis que o Seu corpo fosse associado ao visual do pão comum, aquele alimento básico e essencial. Nós não tomamos café com hóstia, leite com hóstia, e eu acho que Cristo queria que fizéssemos uma associação visual entre o pão e Ele, que se elevasse à dimensão da fé. O pão que alimenta o corpo também, e ao mesmo tempo, alimenta o espírito. A mim, não parece que a vontade de Jesus esteja sendo cumprida integralmente.

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