domingo, 26 de junho de 2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 13º DOMINGO DO TEMPO COMUM - O CHAMADO E O SEGUIMENTO - 25.06.2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 13º DOMINGO DO TEMPO COMUM – O CHAMADO E O SEGUIMENTO – 25.06.2016

Caros Leitores:

Na liturgia deste 13º domingo do tempo comum, as leituras se direcionam para o tema do chamado de Deus e da resposta que cada um de nós deve dar para segui-lo. A principal atitude que Deus espera de nós, em resposta ao seu chamado, é a adesão incondicional. Quem se dispõe a aceitar o convite também deve dispor-se a mudar suas rotinas, não pode permanecer apegado à situação anterior, pois a adesão implica uma autêntica “metanóia”, ou seja, uma mudança de mentalidade. Esse é o verdadeiro sentido da palavra conversão. A resposta ao chamamento divino produz em nós aquela mudança da qual Paulo fala na carta aos Gálatas: proceder de acordo com o espírito e não satisfazer os desejos da carne. Não bastassem os mal-entendidos que essa expressão tem provocado na cabeça de quem faz a interpretação pela literalidade, Paulo ainda complica mais o entendimento quando conclui que quem se conduz pelo espírito não está sob o jugo da lei. Vejamos como é uma forma mais sensata de compreender essa bela lição da teologia paulina.

Antes, concentremo-nos na primeira leitura, colhida do Livro dos Reis (Rs 19, 16-21), onde o hagiógrafo narra o chamado do profeta Eliseu: o Senhor disse a Elias “vai e unge Eliseu como profeta no teu lugar”. Não avisou a Eliseu, não perguntou se ele queria, quando Elias chegou, ele estava arando a terra com doze juntas de bois. Devia ser uma área enorme, porque eram necessárias doze juntas de bois para a tarefa. Elias passou por ele e jogou sobre ele o seu manto. Eliseu saiu correndo atrás de Elias e pediu para ir despedir-se de seu pai e de sua mãe, ao que Elias concordou. Esse detalhe é importante para compreendermos a atitude diferente de Jesus, numa situação similar posterior. Afinal, honrar pai e mãe é um mandamento da Lei de Moisés e Jesus veio cumprir a Lei. No caso de Eliseu, ele não apenas foi despedir-se de seus pais, como ainda fez um grande banquete de despedida, servindo-se da junta de bois que ele pilotava e fazendo fogo com a madeira do arado. Dali, ele saiu com Elias e colocou-se ao seu serviço. Vemos que Eliseu aderiu ao chamado de Deus de uma forma incondicional, ou seja, largou o que fazia, deixou tudo para trás e foi adiante, cumprir a sua missão. Foi um grande profeta de Javé e operou inúmeras maravilhas em nome deste.

Na segunda leitura, continuando a carta de Paulo aos Gálatas (Gl 5, 13-18), o Apóstolo explica aos cristãos da Galácia o significado da liberdade para o cristão. Ser livre não significa usar esse dom a serviço da carne, mas devotar-se ao serviço do espírito. “Procedei segundo o espírito, assim não satisfareis os desejos da carne”. Meus amigos, essa frase foi inúmeras vezes jogada na nossa cara nas palestras formativas, querendo dizer que devíamos ficar o tempo todo rezando e lendo a Bíblia e os livros religiosos, praticando mortificações para não dar oportunidade às tentações do demônio em relação aos desejos da carne, que eram entendidos precipuamente como a luxúria, a gula, o riso, as brincadeiras. Todos devem se recordar de uns educadores italianos que eram terminantemente contra os jogos com bola e outras formas de diversão. Naquela época em que não havia televisão nem diversões eletrônicas, as horas de folga eram dedicadas à prática de esportes e aos jogos de tabuleiro e de mesa. Entendia-se que, para não satisfazer os desejos da carne, de acordo com o dito de Paulo, era preciso proibir o consumo das frutas do pomar e quaisquer outros alimentos fora dos horários de refeição e praticar muita atividade física, para tirar da cabeça os “maus pensamentos”. Assim, viveríamos segundo o espírito. Suponho que muitos dos nossos colegas continuam com esse mesmo entendimento, embora nãomais o adote na prática. Mas vamos esclarecer melhor essa problemática, porque essa interpretação literal e fundamentalista não corresponde ao que Paulo ensinou.

De acordo com a cultura grega, o conceito de “carne” (em grego, sarx) não está vinculada ao corpo, no sentido orgânico, mas ao corpo enquanto matéria, ou seja, às coisas materiais. Este conceito se contrapõe ao de “espírito” (em grego, pneuma), que representa o ar, a respiração, o sopro da vida, portanto, refere-se às coisas sublimes, ao desapego dos bens, das honras, das coisas mundanas. Como se observa, o conceito de “carne” está mais relacionado com a avareza, com o orgulho, com o acúmulo de riquezas, com o apego ao dinheiro e aos vícios que dele se acompanham. Andai conforme o espírito, disse Paulo, e não vos deixeis levar pelos atrativos materiais, pelo poder, pela riqueza, pelo status social, pelo acúmulo de bens terrenos. A advertência de Paulo aos Gálatas, portanto, não está voltada para a reza, o jejum, para abstinência de certos alimentos, mas para a pobreza de espírito. O cristão pode possuir bens, mas não deve apegar-se a eles a ponto de afastar-se dos irmãos, desenvolvendo o egoísmo e a avareza. Nesse sentido, é também o outro ensinamento de Paulo “se sois conduzidos pelo Espírito, então não estais sob o jugo da Lei”. Este segundo ensinamento se põe no contexto daquela célebre discussão com os judeus convertidos, os quais afirmavam que continuava obrigatório o cumprimento da Lei de Moisés. Contra isso, Paulo diz (Gl 5, 14): com efeito, toda a Lei está resumida neste único mandamento – ama o teu próximo como a ti mesmo”. Para amar verdadeiramente o próximo, o cristão precisa desapegar-se dos bens materiais e, se os possuir, utilizá-los para ajudar os irmãos necessitados. Ele até usa a expressão hiperbólica de efeito: tornai-vos escravos uns dos outros, isto é, estai sempre a serviço uns dos outros. Fazendo isso, pronto, já está cumprindo o mandamento, não precisa mais se preocupar com o que diz a Lei. Por isso é que, quem anda conforme o espírito, não está sob o jugo da Lei. Porque a Lei de Moisés, para os judeus, era muito mais um conjunto de práticas externas do que atitudes internas de conversão do espírito. E Paulo ensina que converter-se espiritualmente é o que de fato interessa para o cristão. Por isso, o cristão não está sob o jugo da Lei.

Na leitura do evangelho de Lucas (Lc 9, 51-62), vemos três situações em que Cristo radicaliza acerca do que ele espera daqueles que chama. Ao que diz: “eu te seguirei por onde tu fores”, ele responde que não tem nem onde repousar a cabeça”, ou seja, para me seguir tem que ser assim, como se diz na linguagem popular “não ter onde cair morto”. A outro, que ele chama e diz: “deixa-me primeiro ir enterrar meu pai”, Jesus responde rispidamente: deixa que os mortos enterrem seus mortos. Ora, onde fica o mandamento de “honrar pai e mãe”? Jesus estaria discordando disso? E ao outro que diz: “eu vou seguir-te, mas deixa-me despedir-me dos meus familiares”, ele dispara: quem põe a mão no arado e olha para trás não é digno de me seguir. Quantas vezes nos disseram essa frase nas conferências semanais do período de formação!!… Como sempre digo, meus amigos, precisamos compreender as respostas de Jesus fora da simples literalidade, porque se observarmos por esse estreito ponto de vista, ele estaria sendo cruel, incoerente e injusto. Vimos, no início, que o profeta Elias aceitou o pedido de Eliseu para ir despedir-se dos seus familiares, porque Cristo teve atitudes tão radicais e violentas? Por acaso, estaria ele querendo dizer que Elias agira de forma errada, ao deixar Eliseu celebrar as suas despedidas? Obviamente não foi isso que Jesus quis dizer, embora tenha sido o que ele disse. Ademais, certamente o evangelista Lucas colacionou esses três episódios durante aquela viagem de Jesus para Jerusalém, na qual os samaritanos se recusaram a hospedá-lo, dando a impressão que Jesus havia ficado irado com os samaritanos e estava descarregando sua raiva naqueles seus candidatos a seguidores. Tenho para mim que o evangelista fez um arranjo literário para encaixar ali aqueles diálogos, porque são curtos e precisavam ser acomodados num contexto de outra narrativa, então ele os colocou nesse momento. Mas não significa que tenham ocorrido assim como está escrito, ou seja, um logo depois do outro, mas em ocasiões diversas e em situações diferentes.

Mas, então, qual seria a explicação para essa total radicalidade das respostas de Jesus àqueles jovens que pretendiam segui-lo? No meu modo de pensar, Jesus quis dizer com isso que a adesão ao seu evangelho deve ser incondicional, sem meios termos, sem ressalvas. Dizer: eu aceito, mas… assim ele não quer. Deve ser: eu aceito, e vamos. Não é possível tentar conciliar o evangelho de Cristo com outras doutrinas, com outros modos de vida, com outras opções existenciais. É mais ou menos no mesmo sentido da lição de Paulo aos Gálatas, referido na segunda leitura. Não é possível juntar o “espírito” e a “carne”, não é possível aderir ao evangelho e continuar vinculado à Lei de Moisés, não há compatibilidade entre o batismo e a circuncisão. A adesão ao evangelho de Cristo deve ser total e plena, sem subterfúgios e sem acomodações. A conversão para a vida de acordo com o evangelho supre todas as demais alternativas, tudo o mais fica para trás. É isso que ele quer de nós, é isso que a comunidade espera dos verdadeiros discípulos de Cristo.

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