COMENTÁRIO LITÚRGICO – 13º DOMINGO
DO TEMPO COMUM – O CHAMADO E O SEGUIMENTO – 25.06.2016
Caros Leitores:
Na liturgia deste 13º domingo do tempo
comum, as leituras se direcionam para o tema do chamado de Deus e da
resposta que cada um de nós deve dar para segui-lo. A principal
atitude que Deus espera de nós, em resposta ao seu chamado, é a
adesão incondicional. Quem se dispõe a aceitar o convite também
deve dispor-se a mudar suas rotinas, não pode permanecer apegado à
situação anterior, pois a adesão implica uma autêntica
“metanóia”, ou seja, uma mudança de mentalidade. Esse é o
verdadeiro sentido da palavra conversão. A resposta ao chamamento
divino produz em nós aquela mudança da qual Paulo fala na carta aos
Gálatas: proceder de acordo com o espírito e não satisfazer os
desejos da carne. Não bastassem os mal-entendidos que essa expressão
tem provocado na cabeça de quem faz a interpretação pela
literalidade, Paulo ainda complica mais o entendimento quando conclui
que quem se conduz pelo espírito não está sob o jugo da lei.
Vejamos como é uma forma mais sensata de compreender essa bela lição
da teologia paulina.
Antes, concentremo-nos na primeira
leitura, colhida do Livro dos Reis (Rs 19, 16-21), onde o hagiógrafo
narra o chamado do profeta Eliseu: o Senhor disse a Elias “vai e
unge Eliseu como profeta no teu lugar”. Não avisou a Eliseu, não
perguntou se ele queria, quando Elias chegou, ele estava arando a
terra com doze juntas de bois.
Devia ser uma área
enorme, porque eram necessárias doze juntas de bois para a tarefa.
Elias passou por ele e jogou sobre ele o seu manto. Eliseu saiu
correndo atrás de Elias e pediu para ir despedir-se de seu pai e de
sua mãe, ao que Elias concordou. Esse detalhe é importante para
compreendermos a atitude diferente de Jesus, numa situação similar
posterior. Afinal, honrar pai e mãe é um mandamento da Lei de
Moisés e Jesus veio cumprir a Lei. No caso de Eliseu, ele não
apenas foi despedir-se de seus pais, como ainda fez um grande
banquete de despedida, servindo-se da junta de bois que ele pilotava
e fazendo fogo com a madeira do arado. Dali, ele saiu com Elias e
colocou-se ao seu serviço. Vemos que Eliseu aderiu ao chamado de
Deus de uma forma incondicional, ou seja, largou o que fazia, deixou
tudo para trás e foi adiante, cumprir a sua missão. Foi um grande
profeta de Javé e operou inúmeras maravilhas em nome deste.
Na segunda leitura, continuando a carta
de Paulo aos Gálatas (Gl 5, 13-18), o Apóstolo explica aos cristãos
da Galácia o significado da liberdade para o cristão. Ser livre não
significa usar esse dom a serviço da carne, mas devotar-se ao
serviço do espírito. “Procedei segundo o espírito, assim não
satisfareis os desejos da carne”. Meus amigos, essa frase foi
inúmeras vezes jogada na nossa cara nas palestras formativas,
querendo dizer que devíamos ficar o tempo todo rezando e lendo a
Bíblia e os livros religiosos, praticando mortificações para não
dar oportunidade às tentações do demônio em relação aos desejos
da carne, que eram entendidos precipuamente como a luxúria, a gula,
o riso, as brincadeiras. Todos devem se recordar de uns educadores
italianos que eram terminantemente contra os jogos com bola e outras
formas de diversão. Naquela época em que não havia televisão nem
diversões eletrônicas, as horas de folga eram dedicadas à prática
de esportes e aos jogos de tabuleiro e de mesa. Entendia-se que, para
não satisfazer os desejos da carne, de acordo com o dito de Paulo,
era preciso proibir o consumo das frutas do pomar e quaisquer outros
alimentos fora dos horários de refeição e praticar muita atividade
física, para tirar da cabeça os “maus pensamentos”. Assim,
viveríamos segundo o espírito. Suponho que muitos dos nossos
colegas continuam com esse mesmo entendimento, embora nãomais o
adote na prática. Mas vamos esclarecer melhor essa problemática,
porque essa interpretação literal e fundamentalista não
corresponde ao que Paulo ensinou.
Na leitura do evangelho de Lucas (Lc 9,
51-62), vemos três situações em que Cristo radicaliza acerca do
que ele espera daqueles que chama. Ao que diz: “eu te seguirei por
onde tu fores”, ele responde que não tem nem onde repousar a
cabeça”, ou seja, para me seguir tem que ser assim, como se diz na
linguagem popular “não ter onde cair morto”. A outro, que ele
chama e diz: “deixa-me primeiro ir enterrar meu pai”, Jesus
responde rispidamente: deixa que os mortos enterrem seus mortos. Ora,
onde fica o mandamento de “honrar pai e mãe”? Jesus estaria
discordando disso? E ao outro que diz: “eu vou seguir-te, mas
deixa-me despedir-me dos meus familiares”, ele dispara: quem põe a
mão no arado e olha para trás não é digno de me seguir. Quantas
vezes nos disseram essa frase nas conferências semanais do período
de formação!!… Como sempre digo, meus amigos, precisamos
compreender as respostas de Jesus fora da simples literalidade,
porque se observarmos por esse estreito ponto de vista, ele estaria
sendo cruel, incoerente e injusto. Vimos, no início, que o profeta
Elias aceitou o pedido de Eliseu para ir despedir-se dos seus
familiares, porque Cristo teve atitudes tão radicais e violentas?
Por acaso, estaria ele querendo dizer que Elias agira de forma
errada, ao deixar Eliseu celebrar as suas despedidas? Obviamente não
foi isso que Jesus quis dizer, embora tenha sido o que ele disse.
Ademais, certamente o evangelista Lucas colacionou esses três
episódios durante aquela viagem de Jesus para Jerusalém, na qual os
samaritanos se recusaram a hospedá-lo, dando a impressão que Jesus
havia ficado irado com os samaritanos e estava descarregando sua
raiva naqueles seus candidatos a seguidores. Tenho para mim que o
evangelista fez um arranjo literário para encaixar ali aqueles
diálogos, porque são curtos e precisavam ser acomodados num
contexto de outra narrativa, então ele os colocou nesse momento. Mas
não significa que tenham ocorrido assim como está escrito, ou seja,
um logo depois do outro, mas em ocasiões diversas e em situações
diferentes.
Mas, então, qual seria a explicação
para essa total radicalidade das respostas de Jesus àqueles jovens
que
pretendiam segui-lo?
No meu modo de pensar, Jesus quis dizer com isso que a adesão ao seu
evangelho deve ser incondicional, sem meios termos, sem ressalvas.
Dizer: eu aceito, mas… assim ele não quer. Deve ser: eu aceito, e
vamos. Não é possível tentar conciliar o evangelho de Cristo com
outras doutrinas, com outros modos de vida, com outras opções
existenciais. É mais ou menos no mesmo sentido da lição de Paulo
aos Gálatas, referido na segunda leitura. Não é possível juntar o
“espírito” e a “carne”, não é possível aderir ao
evangelho e continuar vinculado à Lei de Moisés, não há
compatibilidade entre o batismo e a circuncisão. A adesão ao
evangelho de Cristo deve ser total e plena, sem subterfúgios e sem
acomodações. A conversão para a vida de acordo com o evangelho
supre todas as demais alternativas, tudo o mais fica para trás. É
isso que ele quer de nós, é isso que a comunidade espera dos
verdadeiros discípulos de Cristo.
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