COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO
COMUM – NÃO É O FIM – 13.11.2016
Caros Keitores,
A liturgia deste 33º domingo comum, o
penúltimo do ano eclesiástico, nos convida a refletir sobre aquelas
coisas que ocorrerão no final dos tempos, o que nós aprendemos no
catecismo com o nome de “novíssimos”, a segunda vinda de Cristo.
Numa leitura apressada, parece que Jesus quer nos aterrorizar,
falando de catástrofes, guerras, epidemias, que antecederão o final
dos tempos. Contudo, é necessário perceber com outra mentalidade a
descrição desses acontecimentos, que já foram motivo de deixar
muita gente com insônia.
Na verdade, as leituras litúrgicas nos
convidam a ter vigilância e prudência, como características reais
da vida do cristão, crente na promessa de Cristo de que retornará
no final dos tempos e, como não se sabe quando nem como será tal
apoteose, deve-se estar sempre preparado. A conhecida descrição
evangélica dos últimos tempos já foi objeto de interpretações
variadas ao longo da história, em diversas ocasiões, as pessoas
perceberam, nos fatos do seu tempo, a identificação com as
predições de Cristo. Se observarmos os fatos contemporâneos, até
parece que a leitura bíblica está se referindo ao tempo atual.
Sempre que alguma notícia sobre fatos inesperados ou
incompreensíveis é divulgada, os “profetas” e “videntes”
tentam identificar neles as catástrofes previstas por Cristo. Porém,
o próprio Cristo disse que somente o Pai sabe quando será isso e
nem ao Filho Ele o revelou. Portanto, qual desses profetas e videntes
é mais sabido do que o Filho? Com efeito, quando Jesus falou aquelas
coisas terríveis, referia-se à dominação romana na Palestina, à
destruição de Jerusalém, às perseguições dos primeiros
cristãos, ou seja, quando o evangelista Lucas escreveu seu
evangelho, tais fatos já tinham realmente acontecido. Jesus, porém,
havia afirmado: isso não é o fim, ou seja, essas perseguições não
irão destruir a sua doutrina nem dizimar seus seguidores.
É interessante observar que, desde o
Antigo Testamento, já havia presságios dos Profetas acerca de maus
agouros. Na primeira leitura, do profeta Malaquias (Ml 3, 19-20),
ele se refere ao “dia,
abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão
como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los, diz o Senhor
dos exércitos, tal que não lhes deixará raiz nem ramo.”
(Ml 3, 19). Desde que os Patriarcas antigos narraram que houve
outrora uma grande inundação (dilúvio) e o mundo todo sucumbiu
debaixo da água, as pessoas criaram a ideia de que, da próxima vez,
o mundo seria destruído pelo fogo. Isso é uma crença muito antiga,
mas ainda recorrente na nossa cultura religiosa popular. No ano de
1910, quando estava se aproximando da terra o cometa Halley, pelos
poucos conhecimentos daquela época sobre esse fenômeno cósmico, as
pessoas viam aquela imensa “bola de fogo” se tornando cada vez
maior e ficaram esperando apenas o momento final da destruição da
terra. De repente, aquela luz se desfez, porque a terra atravessou a
cauda gasosa do cometa. Em 2012, algumas pessoas afirmaram que o
mundo acabaria no dia 21 de dezembro e citavam complexos cálculos
matemáticos para justificar isso, nada aconteceu. Prevalece, assim,
a palavra de Jesus: não é o fim.
Na segunda leitura, de Paulo aos
Tessalonicenses (2Ts 3, 7-12), o Apóstolo bate cabeça com aquela
comunidade, onde se havia espalhado a informação de que Jesus
“estava para chegar”, na sua segunda vinda,
e assim as pessoas já nem queriam mais
trabalhar e viviam à toa, apenas aguardando o momento. Paulo
manda-lhes um recado desaforado: eu (Paulo), que até poderia me
prevalecer da função de pregador para obter o sustento pela
comunidade, me dedico ao trabalho dia e noite, a fim de obter o meu
sustento, então, quem não quer trabalhar, também não deve
comer. Diz ele: “Bem
sabeis como deveis seguir o nosso exemplo, pois não temos vivido
entre vós na ociosidade. De ninguém recebemos de graça o pão que
comemos. Pelo contrário, trabalhamos com esforço e cansaço.”
(2Ts 3, 7-8). Uma interpretação falsa da promessa de Cristo estava
atrapalhando a vida daquela comunidade, o que Paulo tentava
esclarecer na sua correspondência. Conforme vimos no domingo
passado, essa comunidade deu muito trabalho a Paulo. Circulou por lá
uma carta anônima, que era atribuída a Paulo e muito o preocupou
porque continha ensinamentos equivocados. Foi de lá que Paulo teve
de sair fugido, porque os judeus, a quem ele desagradara, o
procuravam para matá-lo. Enfim, uma comunidade trabalhosa, onde as
pessoas tinham dificuldade em compreender a doutrina cristã, mesmo
tendo recebido toda instrução de Paulo. Situações parecidas
ocorrem ainda hoje, quando vemos pessoas que leem a Bíblia mas, em
vez de buscar retirar da leitura o seu sentido mais coerente e
produtivo, apegam-se a detalhes insignificantes, que deturpam a
mensagem.
Precisamos, portanto, compreender esse
trecho do evangelho em concordância com os versículos que vêm a
seguir, pelos quais Jesus diz que, antes que isso aconteça, a nossa
fé passará por provações. “Antes,
porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos;
sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados
diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a
ocasião em que testemunhareis a vossa fé.”
(Lc 21, 12-13) Meus amigos, no sentido histórico, Jesus se referia
aí às perseguições pelas quais passariam os Apóstolos e os
primeiros cristãos, como de fato a história documentou. Mas no
sentido trans-histórico, o texto se refere a nós, hoje. A nossa fé
está a enfrentar contínuas provações, perseguições, ameaças
dentro e fora do ambiente religioso. Faz poucos dias, no exame
nacional do ensino médio (ENEM), o tema da redação proposto para
os alunos foi a intolerância religiosa, demonstrando uma clara
preocupação do Ministério da Educação com essa conduta que afeta
a todos nós, que temos fé e que, muitas vezes, não sabemos
respeitar a fé alheia. Nesta semana, o Papa Francisco visitou uma
igreja protestante, em Roma, de surpresa e foi recebido com a maior
festa. Foi a primeira vez que um Papa visitou um templo protestante e
isso só lhe trouxe muitos elogios e ainda mais prestígio
internacional. O exemplo do Papa Francisco deve servir de modelo não
apenas para os cristãos, mas para todos os crentes das mais diversas
fés, e o seu testemunho só está a confirmar aquilo que Jesus falou
no evangelho: isso não é o fim.
Portanto, meus amigos, a narrativa de
Cristo nos convida a sermos vigilantes e prudentes, exortando-nos a
não nos deixarmos impressionar com as ameaças externas, pois o
inimigo pode estar no meio de nós: o nosso orgulho, a nossa falta de
misericórdia, a nossa soberba, a intolerância, o desamor. Essas são
as reais ameaças que nos perseguem continuamente e é em relação
elas que devemos estar sempre vigilantes.
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