domingo, 30 de julho de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 17º DOMINGO COMUM - PARÁBOLAS DO REINO - 30.07.2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO COMUM – PARÁBOLAS DO REINO – 30.07.2017

Caros Leitores:

A liturgia deste domingo nos põe para reflexão três parábolas utilizadas por Cristo para exemplificar, em linguagem popular, o objetivo primordial da sua missão, que era anunciar o reino de Deus e convidar todos a nele se integrar. São metáforas bastante curtas, mas de importantes significados, bem ao nível da compreensão das pessoas de poucas letras, por fazerem comparações com fatos do dia a dia daquele povo. O tesouro escondido, a pérola de grande valor e a rede lançada ao mar eram, sem dúvida, imagens bastante familiares aos galileus e assim ficava mais fácil transmitir para os ouvintes uma noção sublime e complexa, que somente vários anos mais tarde foi-se esclarecendo, através das doutrinas dos Padres da Igreja primitiva e formando os princípios teológicos hoje conhecidos.

Na primeira leitura, do primeiro livro dos Reis (1Rs 3, 5-12), lemos um episódio de grande simbolismo relativo ao reino de Israel, protagonizado por Salomão, o mais famoso dos antigos reis. De acordo com a tradição israelita, Salomão foi escolhido rei por ordem de Javeh, pois ele não era o primogênito, mas o profeta Natan obteve a concordância do rei Davi, já bastante idoso na ocasião, e assim ele foi coroado, não sem os protestos de Adonias, o primogênito. Salomão era muito jovem, quando começou a governar, e sentia-se muito inseguro. Porém, ele tinha sido uma escolha divina e foi assim que Salomão teve uma visão em sonho de Javeh, perguntando-lhe o que ele queria. A oração de Salomão pode ser vista como a oração da humildade e da confiança. Ele poderia ter “aproveitado” para pedir riquezas, poder, longo reinado ou outros bens socio-materiais, mas o que ele pediu e Javeh lhe concedeu foi a antológica sabedoria, que sempre o distinguiu e, com essa característica, ele reinou durante 40 anos. (Observemos aqui a presença da simbologia do número 40, não significando que o seu período de governo tenha sido matematicamente de 40 anos.) No contexto da liturgia deste domingo, a referência a Salomão é para mostrar que o seu reinado, de muita riqueza e prosperidade para o povo de Israel, era uma prefiguração do reino de Deus, que Cristo viria anunciar futuramente. Se o reino de Salomão, que era puramente terrestre, trouxe tantos bens e glórias para os israelitas, muito mais bênçãos e riquezas trará o novo Reino.

Na segunda leitura, sequência da carta de Paulo aos Romanos (8, 28-30), o Apóstolo se refere ao “reino” com outro conceito: o projeto de Deus: “Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação, de acordo com o projeto de Deus.” (Rm 8, 28) Este “projeto” não deve ser outro senão o plano de salvação, a redenção da humanidade trazida por Cristo, do qual a Igreja é o agente continuador. É nesse sentido que a Igreja configura o “reino” de Deus em preparação, o “reino” no meio de nós que já está presente, mas ainda não está na sua forma definitiva, a teoria do “já e ainda não” a que me referi em outras oportunidades. Através da atitude de pertença à comunidade eclesial, nós, membros da Igreja, fomos predestinados, somos chamados e justificados para, depois, sermos glorificados. O “projeto” de Deus, o plano de salvação são sinônimos do “reino”, daí porque insisto em que devemos entender o reinado de Cristo como um serviço aos irmãos, como Ele por diversas vezes ensinou aos seus discípulos. Lamentavelmente, ao longo do tempo, esse conceito de reino foi-se transformando no sentido literal e humano, levando ao extremo de se atribuir ao Papa a tiara papal composta pela tríplice coroa, que simbolizava a figura de Cristo como Sacerdote, Profeta e Rei. Essa fusão de conceitos do “reino de Deus” com os reinos territoriais europeus, a partir da Idade Média, trouxe sequelas indesejáveis, ainda hoje observadas, que são motivo de recusa de muitos intelectuais para aceitarem a doutrina cristã. E, lamentavelmente, há ainda católicos saudosistas, que insistem nessa visão triunfalista da Igreja, incompatível com o autêntico projeto de Deus, a que se refere o apóstolo Paulo.

No evangelho de Mateus (Mt 13, 44-52), Jesus nos dá três exemplos bem simples e compreensíveis do que seja o “reino de Deus”, que Ele veio revelar para nós. São conhecidos como “parábolas do reino”. Antes de prosseguir, é importante fazer uma observação: Jesus não pronunciou essas parábolas assim em sequência, conforme estão escritas no texto de Mateus. Trata-se de uma compilação de discursos proferidos por Jesus ao longo dos seus anos de pregação, que os escritores dos evangelhos, por razões didáticas, preferiram assim organizar em seus textos. Obviamente, Jesus utilizava imagens que, na sua percepção, fossem mais condizentes com o dia-a-dia de cada grupo de ouvintes.

Na primeira metáfora, Ele diz: “O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo.” A pessoa que o encontra, vende tudo o que possui para comprar aquele campo e ser possuidor daquele tesouro. Naquela época, cada pessoa procuravam guardar suas fortunas e, em caso de ameaça de invasões de povos inimigos, enterravam seus pertences de valor, para não serem saqueados. Isso era também comum nos sertões do nordeste anos atrás, antes de existirem os bancos, eram as famosas botijas. Hoje, não existem mais, porém, em outras eras, faziam todo sentido. Na segunda metáfora, diz: “O Reino dos Céus é também como um comprador que procura pérolas preciosas.” Ao encontrar uma pérola de grande valor, o comprador vende tudo para investir naquela encontrada. Ou seja, uma única pérola (o reino) vale mais do que o conjunto patrimonial de alguém. As imagens do tesouro e da pérola, comparadas ao “reino” indicam que todos os bens materiais de alguém têm valor insignificante, daí porque Jesus, em diversas ocasiões, sugeriu aos seus ouvintes que se desfizessem de tudo, para assim ganhar um prêmio na vida eterna. Dito de outro modo, quem descobre o “reino” de Deus logo percebe que tudo o mais é irrelevante, aderindo completamente àquele. Diante da grandeza do “reino”, todos os bens materiais ficam sem valor. Mas como toda comparação é imperfeita, o encontrador do tesouro e o comprador da pérola manifestam também uma ideia egoísta, assim como se o “reino” pudesse ser possuído totalmente por uma pessoa só, o que levou os teólogos do passado a ensinarem que cada um devia buscar a própria salvação individualmente. O conceito da salvação como algo realizado no seio da comunidade cristã só veio a se desenvolver após o Concílio Vaticano II.

Terceira metáfora: “O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo.” Levada a rede para a terra, os pescadores recolhem os peixes bons para os cestos e jogam fora os peixes corrompidos. A imagem da rede cheia de peixes tem uma conotação diferente das anteriores, por referir-se a uma situação de seletividade, dando a entender que nem todos estão aptos a pertencerem ao “reino”. Estes seriam talvez aqueles que pretendem obter o tesouro ou a pérola sem, contudo, se desfazerem dos seus bens terrenos, por isso ficam corrompidos e divididos e precisam ser excluídos do grupo dos eleitos. A parábola da rede de pesca guarda muita semelhança com aquela comentada no domingo anterior, no confronto entre o trigo e o joio: o primeiro será aproveitado, enquanto o segundo será lançado ao fogo. Essas imagens representativas de algo descartável a ser queimado eram “indiretas” que Jesus lançava contra os fariseus, que se misturavam com os autênticos seguidores dele, mas apenas com o objetivo de observá-lo, buscando um motivo para o acusarem. Durante muito tempo, essa imagem foi aplicada na teologia às pessoas que não fazem parte da Igreja Católica, como sendo aquelas destinadas ao castigo eterno. Felizmente, essa percepção exclusivista do “reino de Deus” foi superada pela teologia contemporânea, o Papa Francisco tem insistido nisso em diversas ocasiões, sobretudo quando trata do tema do ecumenismo: todas as pessoas que vivem a sua religião de acordo com a sã consciência, com convicção e seriedade, são aptas à salvação. Ainda há, contudo, muitas dissensões dentre os membros da hierarquia sobre o tema, porque a noção solipsista da salvação continua muito forte na mente dos católicos tradicionalistas.

A parte mais interessante vem agora, quando Jesus pergunta se todos entenderam. Eles respondem que sim, então Jesus completa: “todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas.” O evangelista não explica essa conclusão, que aparentemente está dissociada das parábolas apresentadas, porque os ouvintes de Jesus não eram mestres da Lei. Mas sabe-se que havia fariseus infiltrados. Então, Jesus, sabendo disso, lançava mão do discurso indireto: ainda há tempo para que os mestres da Lei se convertam para o novo “reino”, sendo capazes de conciliar os ensinamentos da Torah mosaica com a Boa Nova cristã. Através de outras passagens dos evangelhos, sabe-se que nem todos os fariseus se opuseram a Jesus, mas alguns se converteram e se tornaram seus discípulos, embora secretamente. Estes foram os que souberam retirar do seu tesouro familiar as coisas novas e velhas.

Que o divino Mestre nos conceda a sabedoria salomônica para não ficarmos apegados ao passado e sempre sabermos transformar velhas doutrinas em novas ideias, acompanhando a evolução da sociedade.

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