domingo, 19 de novembro de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 32º DOMINGO COMUM - DONZELAS PRUDENTES - 12.11.2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 32º DOMINGO COMUM – DONZELAS PRUDENTES – 12.11.2017

Caros Confrades,

Neste 32º domingo comum, a liturgia ainda repercute a celebração dos fiéis defuntos, trazendo como tema a vigilância constante que devemos ter, porque não sabemos o dia nem a hora em que o Senhor virá. Daí a necessidade da prudência e da prontidão. Esse assunto sempre foi muito utilizado para exercer um certo temor e tremor entre os fiéis, uma vez que aqueles apanhados desprevenidos ficarão “de fora” do banquete, ou seja, estarão excluídos da salvação. O tema está, portanto, diretamente relacionado com a crença na vida eterna e com a recomendação de cada um viver o seu dia de hoje como se fora o último. Essas ameaças, juntamente com as referências terríveis ao “fogo do inferno” já foram assuntos prediletos dos pregadores populares, sendo ainda hoje muito caros aos evangélicos, em especial aos atuantes nas “igrejas eletrônicas”, que existem em grande profusão. A incerteza e a insegurança geradas sempre trazem grande medo e podem até se tornar um terror psicológico a atormentar os fiéis, porque mexem com algo carregado de imutabilidade, de irreversibilidade. Isso sempre assusta.

A primeira leitura faz um elogio da sabedoria, mostrando a sua ligação com a prudência e apresentando-a como uma alternativa para alimentar a esperança diante das incertezas (Sab 6, 12-16). Meditar sobre a sabedoria é a perfeição da prudência. Ela é facilmente encontrada por aqueles que a procuram e até se antecipa para aqueles que desejam conhecê-la. Quem a busca não se cansará e seguir os seus ensinamentos torna a pessoa despreocupada. A sabedoria será, portanto, a chave da solução do problema colocado pela instabilidade e pela insegurança em relação ao futuro. O sábio é sempre prudente e, ao inverso, o néscio é sempre imprudente. Essa lição acerca da natureza da sabedoria sintoniza com a parábola narrada no evangelho de Mateus (25, 1-13), acerca da antítese colocada através das figuras das donzelas prudentes e das imprudentes, em que as primeiras estavam preparadas na hora incerta e as segundas não estavam. No caso, a sabedoria de umas lhas deu incomparável vantagem em relação às outras. A sabedoria será, portanto, o ideal a ser buscado por aqueles que desejam estar sempre preparados para os momentos de incerteza.

Na segunda leitura, retirada da carta de Paulo aos Tessalonicenses (1Ts 4,16-18), o Apóstolo procura animar os cristãos daquela comunidade diante da crença dos gregos acerca do destino dos mortos. Conforme os biblistas, a primeira carta aos fiéis de Tessalônica teria sido uma das primeiras escritas por Paulo. A cultura grega antiga era marcadamente materialista, não referendando a crença na vida eterna, afirmando que tudo se acaba com a morte. Por isso, alguns cristãos dali tinham certa dificuldade de acreditar na ressurreição, afirmada pela fé cristã, levando Paulo a reforçar a sua catequese sobre o tema, ao dizer: “Se Jesus morreu e ressuscitou - e esta é nossa fé - de modo semelhante Deus trará de volta, com Cristo, os que através dele entraram no sono da morte.” Em seguida, Paulo ensina como será a ressurreição do último dia, precedida “pela voz do arcanjo e pelo toque da trombeta”, uma cena que foi muitas vezes ilustrada pelos artistas da Renascença. No início do cristianismo, o entendimento literal da palavra de Cristo levava os cristãos a interpretarem como se isso fosse ocorrer naqueles dias. Alguns até ficaram sem trabalhar e sem fazer mais nada, só esperando o retorno de Cristo, fato que foi até contestado por Paulo em carta posterior. Mas o fato é que esse entendimento era mesmo predominante nos primeiros tempos. E o “retorno” de Cristo seria um grande espetáculo, sendo as pessoas arrebatadas pelos ares ao encontro do Senhor. Ao meu ver e pelo linguajar da carta, Paulo criou uma certa visão da vinda de Cristo que influenciou muito a doutrina teológica e ainda hoje faz a cabeça de muitos cristãos fundamentalistas e carismáticos. Penso que esse cenário impactante precisa ser reformulado, dentro de uma realidade mais conformada com o contexto da simbologia que Jesus adota nos seus discursos.

Na leitura do evangelista Mateus (25, 1-13), Jesus narra a parábola das dez donzelas (damas de casamento) que esperavam o noivo e deviam permanecer com as suas lâmpadas (alimentadas com óleo) acesas, pois não sabiam a que hora chegaria o noivo e as lâmpadas não poderiam se apagar. Nos casamentos antigos, o noivo e a noiva faziam um percurso a pé pelas ruas da cidade até o local da cerimônia e cada um era acompanhado por um cortejo de damas, que deveriam iluminar-lhes o caminho. No horário noturno, a lâmpada era algo essencial, não apenas para compor o visual estético do cortejo, mas sobretudo para clarear o trajeto a ser percorrido. Jesus dá um exemplo de um cortejo noturno, em que a lâmpada acesa era indispensável. Mas os noivos podiam demorar-se na preparação, tal como ainda ocorre hoje, com o costume chamado “dia do noivo” ou “dia da noiva”, os quais passam um dia inteiro num recinto apropriado, cumprindo um ritual preparatório demorado e cansativo. Então, as damas deveriam ficar de prontidão para acompanhar o noivo quando a preparação terminasse e este saísse para o cortejo. Aqui entra em cena o qualitativo da sabedoria, que fará a diferença entre um grupo e outro das damas.

Ao referir-se especificamente às jovens que se mantiveram de prontidão, o texto do evangelho, na versão atual, usa o conceito de “previdente”, ou seja, elas foram previdentes, porque se prepararam para qualquer eventualidade. A tradução anteriormente adotada para esse conceito era “prudente” que, ao meu ver, é mais consentâneo tanto com o tema da primeira leitura (livro da Sabedoria), quanto com o texto original do evangelho. Com efeito, o texto grego utiliza a palavra “fronímoi”, que significa “sensato”, “inteligente” e São Jerônimo traduziu em latim por “prudentes”; e de outro lado, o grego utiliza a palavra “môrai”, que significa “néscio”, “louco” e São Jerônimo traduziu em latim por “fatuae”, que significa “estúpido”, “inconsequente”. Partindo dessa breve análise textual, parece-me que a tradução adotada de “previdente” e “imprevidente” não condiz bem com o sentido original do texto. Talvez seja uma preocupação com o politicamente correto, para evitar o uso de uma palavra que possa ensejar qualquer interpretação preconceituosa ou homofóbica, pois nos dias de hoje, é preciso ter muita precaução acerca das palavras ditas em público. Talvez um conceito que melhor expressasse o sentido original do texto fosse “cuidadosas” e “descuidadas”, para indicar aquelas que estavam preparadas e as despreparadas. Ou ainda “proativas” e “displicentes”, na mesma ordem conceitual. O grande problema quando se traduz de um idioma para outro é a falta de correspondência plena entre os significados das palavras, porém qualquer tradução, sem a análise da palavra de origem, pode levar a conclusões bem distorcidas, o que se verifica com certa frequência no linguajar de alguns pregadores.

Meus amigos, a questão se coloca, portanto, na relação entre viver com sabedoria e estar preparado ou não buscar a sabedoria e arriscar-se a se expor a situações vexatórias. O exemplo dado por Cristo me parece por demais desconcertante. Parecia que ele estava usando uma pedagogia do impacto, do mesmo como muitas vezes os pais fazem com os filhos pequenos, incutindo-lhes certo temor de algo, com o fito de modelar-lhes a conduta. Atualmente, essa prática é muito repudiada pelos teóricos do comportamento, mas nós, que fomos educados em outra época, quando não havia essas “teorias modernas”, sabemos que essas formas tradicionais, quando usadas com moderação e dentro de limites razoáveis, produziam efeitos muito positivos. Há que considerar ainda outro ponto pouco edificante no exemplo dado por Cristo, que foi a falta de solidariedade das donzenas cuidadosas com as displicentes, em não quererem repartir com estas a sua sobra de azeite. Se contextualizarmos com o ensinamento de Cristo em outras parábolas, poderemos classificar como egoísta essa conduta das donzelas que tinham levado azeite de sobra. Afinal, o ensinamento cristão é no sentido de repartir os bens e não de cada um querer preservar o seu apenas para si. Essa incoerência textual, associada a outras já citadas em outros comentários, fazem-me supor que o texto do evangelho de Mateus pode ter passado por “ajustes” literários ao longo do tempo. Nos demais evangelhos, essa parábola não aparece. Em Lucas (12, 35), o tema se encontra em outro contexto: mantende os vossos rins cingidos e as vossas lâmpadas acesas e sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor, quando retornar das bodas. Bem diferente da descrição de Mateus, portanto. Peço desculpas se alguém, por acaso, se melindrar com essas considerações, mas ressalto que são apenas minhas especulações como estudioso, que coloco como ponto de reflexão e discussão.

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