COMENTÁRIO
LITÚRGICO – 32º DOMINGO COMUM – DONZELAS PRUDENTES –
12.11.2017
Caros Confrades,
Neste 32º domingo comum, a liturgia
ainda repercute a celebração dos fiéis defuntos, trazendo como
tema a vigilância constante que devemos ter, porque não sabemos o
dia nem a hora em que o Senhor virá. Daí a necessidade da prudência
e da prontidão. Esse assunto sempre foi muito utilizado para exercer
um certo temor e tremor entre os fiéis, uma vez que aqueles
apanhados desprevenidos ficarão “de fora” do banquete, ou seja,
estarão excluídos da salvação. O tema está, portanto,
diretamente relacionado com a crença na vida eterna e com a
recomendação de cada um viver o seu dia de hoje como se fora o
último. Essas ameaças, juntamente com as referências terríveis ao
“fogo do inferno” já foram assuntos prediletos dos pregadores
populares, sendo ainda hoje muito caros aos evangélicos, em especial
aos atuantes nas “igrejas eletrônicas”, que existem em grande
profusão. A incerteza e a insegurança geradas sempre trazem grande
medo e podem até se tornar um terror psicológico a atormentar os
fiéis, porque mexem com algo carregado de imutabilidade, de
irreversibilidade. Isso sempre assusta.
A primeira leitura faz um elogio da
sabedoria, mostrando a sua ligação com a prudência e
apresentando-a como uma alternativa para alimentar a esperança
diante das incertezas (Sab 6, 12-16). Meditar sobre a sabedoria é a
perfeição da prudência. Ela é facilmente encontrada por aqueles
que a procuram e até se antecipa para aqueles que desejam
conhecê-la. Quem a busca não se cansará e seguir os seus
ensinamentos torna a pessoa despreocupada. A sabedoria será,
portanto, a chave da solução do problema colocado pela
instabilidade e pela insegurança em relação ao futuro. O sábio é
sempre prudente e, ao inverso, o néscio é sempre imprudente. Essa
lição acerca da natureza da sabedoria sintoniza com a parábola
narrada no evangelho de Mateus (25, 1-13), acerca da antítese
colocada através das figuras das donzelas prudentes e das
imprudentes, em que as primeiras estavam preparadas na hora incerta e
as segundas não estavam. No caso, a sabedoria de umas lhas deu
incomparável vantagem em relação às outras. A sabedoria será,
portanto, o ideal a ser buscado por aqueles que desejam estar sempre
preparados para os momentos de incerteza.
Na segunda leitura, retirada da carta
de Paulo aos Tessalonicenses (1Ts 4,16-18), o Apóstolo procura
animar os cristãos daquela comunidade diante da crença dos gregos
acerca do destino dos mortos. Conforme os biblistas, a primeira carta
aos fiéis de Tessalônica teria sido uma das primeiras escritas por
Paulo. A cultura grega antiga era marcadamente materialista, não
referendando a crença na vida eterna, afirmando que tudo se acaba
com a morte. Por isso, alguns cristãos dali tinham certa dificuldade
de acreditar na ressurreição, afirmada pela fé cristã, levando
Paulo a reforçar a sua catequese sobre o tema, ao dizer: “Se
Jesus morreu e ressuscitou - e esta é nossa fé - de modo semelhante
Deus trará de volta, com Cristo, os que através dele entraram no
sono da morte.” Em seguida, Paulo ensina como será a
ressurreição do último dia, precedida “pela voz do arcanjo e
pelo toque da trombeta”, uma cena que foi muitas vezes ilustrada
pelos artistas da Renascença. No início do cristianismo, o
entendimento literal da palavra de Cristo levava os cristãos a
interpretarem como se isso fosse ocorrer naqueles dias. Alguns até
ficaram sem trabalhar e sem fazer mais nada, só esperando o retorno
de Cristo, fato que foi até contestado por Paulo em carta posterior.
Mas o fato é que esse entendimento era mesmo predominante nos
primeiros tempos. E o “retorno” de Cristo seria um grande
espetáculo, sendo as pessoas arrebatadas pelos ares ao encontro do
Senhor. Ao meu ver e pelo linguajar da carta, Paulo criou uma certa
visão da vinda de Cristo que influenciou muito a doutrina teológica
e ainda hoje faz a cabeça de muitos cristãos fundamentalistas e
carismáticos. Penso que esse cenário impactante precisa ser
reformulado, dentro de uma realidade mais conformada com o contexto
da simbologia que Jesus adota nos seus discursos.
Na leitura do evangelista Mateus (25,
1-13), Jesus narra a parábola das dez donzelas (damas de casamento)
que esperavam o noivo e deviam permanecer com as suas lâmpadas
(alimentadas com óleo) acesas, pois não sabiam a que hora chegaria
o noivo e as lâmpadas não poderiam se apagar. Nos casamentos
antigos, o noivo e a noiva faziam um percurso a pé pelas ruas da
cidade até o local da cerimônia e cada um era acompanhado por um
cortejo de damas, que deveriam iluminar-lhes o caminho. No horário
noturno, a lâmpada era algo essencial, não apenas para compor o
visual estético do cortejo, mas sobretudo para clarear o trajeto a
ser percorrido. Jesus dá um exemplo de um cortejo noturno, em que a
lâmpada acesa era indispensável. Mas os noivos podiam demorar-se na
preparação, tal como ainda ocorre hoje, com o costume chamado “dia
do noivo” ou “dia da noiva”, os quais passam um dia inteiro num
recinto apropriado, cumprindo um ritual preparatório demorado e
cansativo. Então, as damas deveriam ficar de prontidão para
acompanhar o noivo quando a preparação terminasse e este saísse
para o cortejo. Aqui entra em cena o qualitativo da sabedoria, que
fará a diferença entre um grupo e outro das damas.
Ao referir-se especificamente às
jovens que se mantiveram de prontidão, o texto do evangelho, na
versão atual, usa o conceito de “previdente”, ou seja, elas
foram previdentes, porque se prepararam para qualquer eventualidade.
A tradução anteriormente adotada para esse conceito era “prudente”
que, ao meu ver, é mais consentâneo tanto com o tema da primeira
leitura (livro da Sabedoria), quanto com o texto original do
evangelho. Com efeito, o texto grego utiliza a palavra “fronímoi”,
que significa “sensato”, “inteligente” e São Jerônimo
traduziu em latim por “prudentes”; e de outro lado, o grego
utiliza a palavra “môrai”, que significa “néscio”, “louco”
e São Jerônimo traduziu em latim por “fatuae”, que significa
“estúpido”, “inconsequente”. Partindo dessa breve análise
textual, parece-me que a tradução adotada de “previdente” e
“imprevidente” não condiz bem com o sentido original do texto.
Talvez seja uma preocupação com o politicamente correto, para
evitar o uso de uma palavra que possa ensejar qualquer interpretação
preconceituosa ou homofóbica, pois nos dias de hoje, é preciso ter
muita precaução acerca das palavras ditas em público. Talvez um
conceito que melhor expressasse o sentido original do texto fosse
“cuidadosas” e “descuidadas”, para indicar aquelas que
estavam preparadas e as despreparadas. Ou ainda “proativas” e
“displicentes”, na mesma ordem conceitual. O grande problema
quando se traduz de um idioma para outro é a falta de
correspondência plena entre os significados das palavras, porém
qualquer tradução, sem a análise da palavra de origem, pode levar
a conclusões bem distorcidas, o que se verifica com certa frequência
no linguajar de alguns pregadores.
Meus amigos, a questão se coloca,
portanto, na relação entre viver com sabedoria e estar preparado ou
não buscar a sabedoria e arriscar-se a se expor a situações
vexatórias. O exemplo dado por Cristo me parece por demais
desconcertante. Parecia que ele estava usando uma pedagogia do
impacto, do mesmo como muitas vezes os pais fazem com os filhos
pequenos, incutindo-lhes certo temor de algo, com o fito de
modelar-lhes a conduta. Atualmente, essa prática é muito repudiada
pelos teóricos do comportamento, mas nós, que fomos educados em
outra época, quando não havia essas “teorias modernas”, sabemos
que essas formas tradicionais, quando usadas com moderação e dentro
de limites razoáveis, produziam efeitos muito positivos. Há que
considerar ainda outro ponto pouco edificante no exemplo dado por
Cristo, que foi a falta de solidariedade das donzenas cuidadosas com
as displicentes, em não quererem repartir com estas a sua sobra de
azeite. Se contextualizarmos com o ensinamento de Cristo em outras
parábolas, poderemos classificar como egoísta essa conduta das
donzelas que tinham levado azeite de sobra. Afinal, o ensinamento
cristão é no sentido de repartir os bens e não de cada um querer
preservar o seu apenas para si. Essa incoerência textual, associada
a outras já citadas em outros comentários, fazem-me supor que o
texto do evangelho de Mateus pode ter passado por “ajustes”
literários ao longo do tempo. Nos demais evangelhos, essa parábola
não aparece. Em Lucas (12, 35), o tema se encontra em outro
contexto: mantende os vossos rins cingidos e as vossas lâmpadas
acesas e sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor, quando
retornar das bodas. Bem diferente da descrição de Mateus, portanto.
Peço desculpas se alguém, por acaso, se melindrar com essas
considerações, mas ressalto que são apenas minhas especulações
como estudioso, que coloco como ponto de reflexão e discussão.
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