domingo, 19 de novembro de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 33º DOMINGO COMUM - CAPITALISMO DE JESUS - 19.11.2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO COMUM – CAPITALISMO DE JESUS - 19.11.2017

Caros Confrades,

A liturgia do 33º domingo comum, o penúltimo do ano eclesiástico, nos traz uma imagem do que se poderia chamar de capitalismo de Jesus: o patrão da história indica como modelo de atitude a produção de algum lucro e ironiza a falta de interesse de um operário que nem ao menos colocou a sua porção no banco, a fim de “receber juros”. São os ensinamentos de Cristo na conhecida parábola dos talentos, os quais devem sempre produzir novos frutos e multiplicar-se. Chega a causar uma certa estranheza essa comparação entre talentos-dinheiro e talentos-dons, por isso devemos entender a metáfora do “lucro” com a devida ponderação.

Na primeira leitura, temos um também conhecido texto do Livro dos Provérbios, em que o sábio bíblico elogia a figura da mulher forte (Prov 31, 10-31). Não deixa de ser uma referência bastante interessante naquele contexto, porque sabe-se que a tarefa da mulher na sociedade hebraica era colocada em segundo plano, a sua função social era secundária, predominndo a cultura masculina, hoje chamada de machismo. Em geral, todos as culturas antigas seguem o modelo da família patriarcal, aquela em que o homem tem o poder e o domínio sobre todas as pessoas e os bens familiares. Entre os hebreus, isso não era diferente. Daí porque a figura da “mulher forte” lançada no livro dos Provérbios é uma referência que foge ao padrão cultural comum do tempo. Este livro teria sido escrito por Salomão, pelo menos em sua maior parte, e depois foi complementado por outros sábios hebreus, sendo considerado um livro profético e usado para leitura pública nas sinagogas judaicas, embora o seu conteúdo seja nitidamente ético e filosófico. O autor tem por objetivo ensinar o leitor a alcançar a sabedoria através da autodisciplina e de uma vida prudente.

As características da “mulher forte”, de acordo com a sabedoria salomônica, são a diligência ou a operosidade (“com habilidade trabalham as suas mãos”), a caridade ou a prestatividade (“abre suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre”) e a piedade ou o temor de Deus (“a mulher que teme ao Senhor, essa sim, merece louvor”). E conclui o sábio: “Ela vale muito mais do que as joias. Seu marido confia nela plenamente, e não terá falta de recursos” (Pv 31, 10-11). Tenho plena certeza de que todos nós tivemos a ventura de ter pelo menos duas mulheres fortes nas nossas vidas: as nossas mães e as nossas esposas. Trabalhando sempre em silêncio, mas com todo o afinco, elas tiveram um papel importante e decisivo naquilo que cada um de nós conseguiu realizar. Foi por isso que Javeh, logo no início da humanidade, proclamou que não convém que o homem fique só. E observemos que o sábio fala na “mulher forte”, não na mulher subordinada, subjugada, inferiorizada. Se na época de Salomão ele já indicava essa qualidade feminina para a mulher que fará a companhia correta e justa para o homem (ela lhe dá só alegria e nenhum desgosto, todos os dias de sua vida), nos dias modernos, essa característica é ainda mais necessária e com maior razão deve ser reconhecida e valorizada. Fica aqui a minha homenagem a todas as nossas caras-metades, que são mesmo metades de nós.

Na segunda leitura, de Paulo aos Tessalonicenses (1Ts 5, 1-6), o Apóstolo explica a vinda de Cristo no momento em que ninguém espera, por isso, todos devem estar vigilantes, para não serem surpreendidos. Nota-se que, naquela ocasião, havia uma expectativa de que Cristo iria retornar “a qualquer momento”, o próprio Paulo no início também pensava assim. Paulo tinha esperança de poder ver a Cristo na sua vinda, já que não tivera oportunidade de vê-Lo em sua existência humana. Ou seja, parecia àqueles crentes que o retorno de Jesus era uma questão de horas, de dias, talvez, tanto que alguns daquela comunidade até deixaram de trabalhar e viviam olhando para o céu, esperando ver o momento em que “aquelas coisas” apareceriam. E lembremos que, naquele tempo, ainda não era conhecido da comunidade o Apocalipse de João, onde os “sinais” do final dos tempos estão pintados com cores bem mais nítidas. Passados todos esses anos (dois milênios), nós ainda vemos pessoas alarmistas tentando interpretar os fenômenos climáticos e os desastres provocados pela ação humana como sendo os sinais do Apocalipse. Essas pessoas, de visão curta e fundamentalista, imaginam que o universo seja somente o planeta terra e se esquecem que somos menores do que um grão de areia no infinito do cosmos. Caso (digo apenas por um raciocínio absurdo) a terra entre em colapso, podem até sucumbir a vida humana e as outras formas de vida que conhecemos, mas o mundo não será nem minimamente afetado. Na verdade, a lição que devemos tirar da leitura da carta de Paulo é a da vigilância, da prudência, da prontidão. A vinda de Cristo será a qualquer momento, disso ninguém duvida, mas a prestação de contas será de cada um de nós e não do mundo como um todo.



Na leitura de hoje do evangelho de Mateus (25, 14 30), Jesus assume uma postura nitidamente capitalista, quando proclama a parábola dos “talentos”: um homem rico deixou três empregados na administração dos seus bens, distribuindo quantias desiguais a cada um, “a cada qual de acordo com a sua capacidade”. Já começa aí a “esperteza” do patrão. Por que motivo Jesus daria um exemplo de um patrão que não trata os empregados de um modo isonômico? Por que isso, se ele havia dito que o Pai não faz acepção de pessoas? Para ajudar a clarear essa polêmica, lembremo-nos daquela outra passagem em que Judas censurou a pecadora, porque ela estava derramando perfume nos pés de Jesus, pois estava estragando um produto valoroso, que se fosse vendido daria para dar esmolas a muitos pobres. E Jesus disse: pobres sempre tereis entre vós (Jo 12, 8). Vê-se, desse modo, a falácia de certos pregadores socialistas acerca da divisão igualitária das riquezas. Temos aí já dois exemplos da pregação de Cristo, em que ele reconhece que as pessoas têm diferentes habilidades e, por que não dizer, capacidades de trabalho diferentes. Por isso, não é justo que um preguiçoso tenha retribuição igual ao que despendeu grande esforço para produzir seu trabalho. Não é justo, ao contrário, é viciante “dar dinheiro” a quem não trabalha, sob a pífia desculpa de que essas pessoas não tiveram as mesmas oportunidades na vida. Todos nós conhecemos temos em nossas vidas e ainda conhecemos exemplos práticos que contraditam essa ideologia interesseira. É uma falácia utilizada como argumento de interesse ideológico para manipulação e enganação de pessoas preguiçosas.
Então, o patrão fictício da parábola de Cristo distribuiu seus bens em proporções diferentes entre os três empregados, dando a cada um de acordo com as suas capacidades. Dois deles, os mais operosos, multiplicaram as parcelas recebidas, porém o terceiro, por medo, por preguiça, por desinteresse, o que seja, não produziu nada. Os dois primeiros foram louvados, enquanto o terceiro foi censurado e excluído. E Jesus ainda vai mais longe na sua metáfora: por que não colocaste pelo menos depositado em algum banco? Assim, poderia render juros... entendamos bem isso: Jesus não está defendendo a teoria capitalista dos juros sobre o capital como legítima, seu objetivo é outro. Ele quer dizer que ninguém deve ficar inerte, fechar-se no seu isolamento e não buscar nenhum tipo de atitude produtiva. O capitalismo de Jesus não é igual ao capitalismo de mercado, a busca do ganho constante, ilimitado, antiético, a qualquer custo, não se trata disso, mas no sentido da produtividade. Nós precisamos ser pessoas produtivas, tanto no sentido da produção de bens, porque isso é, sem dúvida, necessário, pois é assim que cada um de nós compartilha da obra divina da criação do mundo, mas também da produção de bons exemplos, de virtudes, de amor ao próximo, de fé e caridade nas nossas tarefas cotidianas. A partilha de bens materiais deve fazer-se na mesma proporção e na mesma oportunidade da partilha da palavra e da oração. E o ambiente mais adequado para se fazer isso é na comunidade paroquial, onde nós praticamos o que é ser igreja. Portanto, aquela ação caritativa tradicional de apenas dar a esmola “pelo amor de Deus” não é exatamente o tipo de partilha que Jesus quer que façamos. Se não for acompanhada do seu componente interior de religiosidade, uma tal partilha termina por ser mecânica e artificial. Daí a minha sugestão de que o ambiente legítimo para se exercitar a partilha será através das ações comunitárias, preferencialmente, nas paróquias, que me parece preferível do que na forma de ações isoladas, individuais. Assim, estaremos praticando o verdadeiro capitalismo cristão.

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