COMENTÁRIO LITÚRGICO – 11º DOMINGO
COMUM – PEDAGOGIA DE JESUS – 17.06.2018
Caros Leitores,
Neste 11º domingo comum, a liturgia
nos propõe para reflexão a metodologia adotada por Jesus Cristo
para ensinamento a respeito do reino de Deus, explicando-o através
de parábolas, nas quais se serve de figuras e situações bem
conhecidas por seus ouvintes. As teorias pedagógicas mais modernas
explicam que, para haver uma melhor aprendizagem por parte dos
alunos, o professor deve buscar inserir novos conceitos aproveitando
os conhecimentos prévios dos estudantes. Grande novidade! Há mais
de dois mil anos, Jesus Cristo já inaugurara essa pegagogia, quando
utilizava parábolas para explicar sua doutrina, e os pedagogos de
hoje pensam que estão descobrindo o mapa da mina. Para nós,
cristãos, essa metodologia foi, desde o início, a preferida tanto
por Cristo quanto pelos seus apóstolos.
Na primeira leitura litúrgica, temos
um trecho do livro de Ezequiel. Ele profetizou na época do cativeiro
da Babilônia, tendo falecido nessa cidade. Ele teve curiosas
“visões” sobre as ações de Javeh em forma de castigo para o
seu povo infiel, falando sempre em linguagem muito dura, para
despertar no povo o reconhecimento da própria culpa e o
arrependimento. Na leitura de hoje, ele faz uma imagem simbólica
muito interessante sobre o “novo reino” que haveria de vir,
depois que aquele período do cativeiro terminasse, o novo reino que
Javeh estava preparando para o seu povo. Diz isso usando também uma
espécie de parábola: “Assim
diz o Senhor Deus: 'Eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro, do
mais alto de seus ramos arrancarei um broto e o plantarei sobre um
monte alto e elevado. Vou plantá-lo sobre o alto monte de Israel.
” Podemos ver nessa imagem descritiva do “broto arrancado do mais
alto dos seus ramos” e plantado sobre o monte de Israel como a
prefiguração de Cristo, numa simbologia análoga à que Jesus
usaria depois, com a imagem da videira. Logo adiante, diz o Profeta:
“Ele
produzirá folhagem, dará frutos e se tornará um cedro majestoso.
Debaixo dele pousarão todos os pássaros, à sombra de sua ramagem
as aves farão ninhos. ” Tempos
depois, Jesus repetirá essa mesma parábola, ao dizer que “eu sou
a videira e vós sois os ramos” (Jo 15, 5), quem permanece em mim e
eu nele, esse dará muito fruto. Os profetas, de um modo geral,
utilizaram de recursos simbólicos, aproveitando os conhecimentos e
vivências do povo para lhes repassarem a mensagem de Javeh.
No evangelho de Marcos, lido neste
domingo (Mc 4, 26-34), Jesus lança mão de duas parábolas
semelhantes, ambas relacionadas com árvores e sementes, materiais
que eram comuns e amplamente conhecidos daquelas pessoas a quem ele
se dirigia. A imagem da semente tem uma forte simbologia relacionada
com o fenômeno da multiplicação que está a ela associada e que
encerra no seu conteúdo o próprio milagre da vida. A semente é
pequena, inerte, simples, mas quando plantada, cresce, se torna
dinâmica, fecunda e se multiplica em incontáveis partes, que
configurarão um novo ser. É interessante como ele explica que a
semente possui uma capacidade autopoiética extraordinária, ou seja,
ela se reproduz com suas próprias forças, não é necessário que o
plantador faça nada especial, além do simples plantio, bastando
inseri-la no solo fértil. “A
terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas,
depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga.
” (Mc 4, 28) A energia presente na semente é tão intensa que
basta ser lançada no local adequado para desencadear o seu processo
produtivo. Além disso, tem ainda o aspecto da multiplicação da
forma. A semente tem uma pequenina dimensão, mas se transforma em
uma árvore grandiosa e com enormes potencialidades de sustentação
da vida de outros seres, que dela dependem. É o autêntico milagre
reprodutor da vida, que continua a ocorrer incessantemente e está
acessível a todos que se dispuserem a cumprir esse ritual de semear.
Assim também acontece com a Palavra de
Deus, semente da vida no espírito, que ao ser semeada, começa o seu
processo de produção de energias espirituais no coração de quem a
acolhe, de modo que transforma não apenas a vida daquela pessoa
diretamente, mas tem repercussão também sobre as demais pessoas que
com esta convivem. O nosso comportamento de cristãos, a colocação
em prática dos mandamentos de Cristo nos atos da nossa vida
cotidiana, o nosso testemunho diante da pessoas do nosso convívio na
família, no trabalho, na sociedade, são os atos e atitudes pelos
quais nos tornamos lançadores da semente da Palavra. E Jesus ainda
nos anima querendo dizer que não precisa fazer grandes pregações,
nem grandes sacrifícios, nem enfrentar grandes desafios, mas mesmo
nas pequenas coisas isso acontece. É o que Ele pedagogicamente
ensina quando fala da semente de mostarda, ao dizer que é a menor
semente das hortaliças, no entanto, é aquela que produz a
leguminosa mais corpulenta, que serve até de pouso e arcabouço de
ninho para os pássaros. Pequenas sementes que produzem grandes
árvores, assim acontece também conosco, mesmo que a semente lançada
seja de tamanho apoucado.
Em diversas outras ocasiões, Jesus
utilizou a parábola da semente, para tornar compreensíveis os fatos
relacionados com a sua missão. Por exemplo, no evangelho de João
(Jo 12, 24), Jesus faz outra alusão à semente, em outro contexto,
referindo-se à sua ressurreição, quando diz: se o grão de trigo
não morrer, fica só; mas se morre, produz muito fruto. A imagem da
semente associa-se tanto à paixão e morte de Jesus, como também à
morte do homem pecador e à sua ressurreição através da graça,
tanto no sentido da nova vida trazida pelo batismo, quanto no sentido
da outra vida, que virá depois que deixarmos esta morada. E aqui o
tema do evangelho se interliga com o texto da segunda leitura,
retirada da carta de Paulo a Coríntios 2: “ enquanto
moramos no corpo, somos peregrinos longe do Senhor; pois caminhamos
na fé e não na visão clara ”
(2Cor 5,6) Ao deixar a morada do corpo, iremos morar junto do Senhor.
Portanto, neste primeiro momento, a imagem da semente se refere a
nós, cristãos, que temos a oportunidade de, pelo batismo, fazer
morrer em nós o ser pecador, para fazer viver o ser humano da graça.
E através dos demais sacramentos, vamos passando por um processo de
contínuo aperfeiçoamento do nosso ser para, depois, com a morte
corporal, termos a ressurreição prometida por Cristo, da qual Ele
já deu o exemplo.
A propósito dessa passagem da 2ª
Carta a Coríntios, quando Paulo diz: “enquanto moramos no corpo,
somos peregrinos longe do Senhor”... e depois diz “preferimos
deixar a moradia do nosso corpo para ir morar junto do Senhor”, eu
gostaria de destacar aqui uma demonstração da cultura grega que
Paulo possuía. Está muito evidente, nesses trechos, a visão
dualista dos filósofos gregos Platão e Aristóteles, esse confronto
entre o mundo material e o mundo espiritual, que encontramos em
Sócrates e em seus discípulos na Grécia antiga, e que Paulo
absorveu, e depois essas mesmas idéias foram retomadas pela
Patrística (século IV), sobretudo por Santo Agostinho, e mais
adiante, por Santo Tomás de Aquino. Aliás, era impossível que o
cristianismo se disseminasse no território grego sem ser
influenciado pela cultura deste povo, que era predominante e bem mais
elaborada do que as demais culturas contemporâneas.
Esse fato teve um aspecto positivo e
historicamente inevitável, mas também gerou consequências
indesejáveis de longo prazo, como as que nós observamos hoje na
religião tradicional, individualista e devocionista. As primeiras
comunidades, onde ainda havia grande influência da cultura judaica,
tinham mais a idéia da coletividade, da comunhão, da solidariedade,
que foram aos poucos sendo substituídas pelos conceitos gregos, os
quais se tornaram hegemônicos. Junto com a cultura grega e sua
inserção no cristianismo, portanto, desenvolveu-se esse modelo
individualista da religião, que não existia nas primeiras
comunidades cristãs, onde todos tinham tudo em comum (Atos 4, 32). O
“tudo” em comum não deve ser entendido apenas como os bens
materiais, mas sobretudo a partilha dos bens espirituais da amizade,
do amor mútuo, da solidariedade em todos os sentidos. Nos dias
atuais, a teologia tenta resgatar o verdadeiro sentido da palavra
comunidade (comum+unidade), que não pode ficar restrita à reunião
de uma multidão no templo durante a celebração, onde as pessoas
nem se conhecem entre si e muitas vezes nem se cumprimentam. Devemos
nosvigiar para que, involuntariamente, não venhamos a contribuir com
esse modelo religioso individualista, que ainda predomina na nossa
religião.
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