COMENTÁRIO LITÚRGICO – 12º DOMINGO
DO TEMPO COMUM (NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA) – ÚLTIMO PROFETA –
24.06.2018
Caros Leitores,
Neste 12º domingo do tempo comum, a
liturgia dominical abre espaço para a celebração do nascimento de
João Batista, o precursor do Messias. A importância de João
Batista, na história da salvação é ímpar, já que ele se
posiciona no meio termo entre o Antigo e o Novo Testamentos. Ele foi,
ao mesmo tempo, o último dos profetas (dentre estes, o único que
leva o agnome de São) e o primeiro dos discípulos de Jesus,
conforme confessou na ocasião de fazer o seu batismo, no Jordão..
Isso está também confirmado com as palavras do próprio Cristo:
dentre os nascidos de mulher, foi o maior de todos. (Mt 11, 11)
Coube a João Batista a tarefa de
preparar o caminho para a chegada do Messias. O seu nascimento está
relacionado a fenômenos extraordinários. Conforme o evangelho de
Lucas (1, 5), Zacarias era sacerdote do templo. Ele e sua mulher
Isabel não tinham filhos e já tinham idade avançada. Num certo
dia, quando estava na sua escala da vez para entrar na parte
reservada do tabernáculo, a fim de incensar a Arca da Aliança,
enquanto estava lá dentro recebeu a visita do anjo do Senhor, o qual
informou que a mulher dele iria ter um filho. Ele duvidou e por causa
disso ficou mudo durante toda a gestação, vindo a soltar-se sua
língua somente depois do nascimento do filho (Lc 1, 64). Quando esse
fato miraculoso ocorreu, toda a Judeia tomou conhecimento e o povo
ficou adivinhando qual seria a missão daquela criança, que nascia
cercada de tão grande sinal. Outro fato singular ligado a João
Batista foi o de que ele estremeceu no ventre de Isabel, quando Maria
foi visitar a prima, a ponto de a mãe sentir a vibração estranha.
Segundo uma antiga tradição, João Batista teria sido instruído na
comunidade dos essênios, no mesmo local onde se diz também que
Jesus esteve, no seu período de formação. Lá ele teria estudado
as escrituras. Ainda hoje, há ruínas dessa “escola”, nas
proximidades do Mar Morto. Mas mesmo que não tenha sido assim, o pai
dele era sacerdote, portanto, poderia tê-lo instruído. O fato é
que, quando ele começou a pregar, ele citava Isaías: a voz do que
clama no deserto – aplainai os caminhos do Senhor, endireitai suas
veredas, o reino de Deus chegou. Isso denota que ele tinha
conhecimento das Escrituras.
Todos os profetas, principalmente
Isaías, lançaram previsões acerca do futuro Messias, mas foi João
Batista o único que pôde apontar com o dedo para Ele e dizer: aí
está o Cordeiro de Deus. E dizia ao povo: vocês vêm atrás de mim,
mas no meio de vós está um que é maior do que eu e do qual eu não
sou digno nem de desamarrar a correia das sandálias... é preciso
que Ele cresça e eu diminua. João está-se declarando discípulo de
Jesus. E foi ele que mandou seus seguidores (um dos quais era André,
irmão de Pedro) perguntar a Jesus se era Ele o Messias esperado ou
se deviam esperar por outro. (Lc 7, 19) João estava, desse modo,
encaminhando os seus próprios seguidores para que passassem a seguir
Jesus.
Mas o fato mais notável protagonizado
por João Batista foi o batismo de Jesus. Quando Ele se apresentou
para ser batizado, João disse: eu que devia ir a ti, e tu vens a
mim... e Jesus respondeu: deixa que as coisas aconteçam assim. (Mt
3, 14) Foi então que, após Jesus ser batizado, houve a primeira
manifestação da Trindade, quando o Pai se fez ouvir e o Espírito
Santo apareceu em forma de pombo. Acreditam os teólogos que essa
aparição da Trindade não foi percebida por todos os presentes, mas
apenas por João, foi um sinal de que a missão dele estava
concluída. Este foi o início da vida pública de Jesus e por isso
João Batista se situa no limiar que separa o Antigo Testamento do
Novo Testamento.
Conforme os Atos dos Apóstolos (13,
24), João pregava ao povo o batismo da conversão. Ele não inventou
o batismo, este já existia e era praticado regularmente pelos
judeus, fazia parte dos seus rituais de ablução, pelos quais eles
buscavam a purificação. Mas o batismo tradicional e comum entre
eles era o auto batismo, ou seja, o penitente entrava na água do
Jordão e ele mesmo mergulhava, cobrindo todo o corpo com a água do
rio, para assim se purificar. Ainda hoje, algumas igrejas cristãs
não católicas fazem este batismo de imersão, para acolherem seus
fiéis. Porém, o batismo pregado por João era oficiado por ele, o
fiel recebia o batismo de suas mãos, em sinal da conversão. A
palavra conversão, todos sabemos, diz-se em grego 'metanoia', cuja
etimologia significa mudança de vida, mudança de mentalidade,
mudança no modo de pensar. Não era um simples ritual de limpeza,
como faziam os judeus, porque saíam dali e voltavam a fazer as
mesmas infidelidades de antes. Para ministrar o batismo, João exigia
a conversão, a mudança de modo de pensar, isto é, a pessoa devia
antes aplainar os caminhos do pensamento e endireitar as veredas da
mente. Essa atitude significava a necessidade de abrir o entendimento
para compreender as graves e contundentes verdades que estavam por se
manifestar na pessoa e na pregação de Cristo.
Sim, porque os judeus esperavam um
Messias guerreiro, tal como fora Davi, alguém que viria com a espada
afiada para derrotar e expulsar os inimigos. Está lá na primeira
leitura, em Isaías (49, 2), na verdade, no deutero-Isaías: fez da
minha palavra uma espada afiada, fez de mim uma flecha aguçada. Isso
era interpretado literalmente em relação ao Messias esperado. Ele
viria de espada em punho para libertar Israel. Daí se entende o
diálogo de Jesus com os discípulos de João, quando eles
perguntaram se Ele era o que havia de vir ou deviam esperar por
outro. (Lc 7, 19) Foi quando Jesus respondeu: ide dizer a João o
que tendes visto – cegos veem, coxos andam, surdos ouvem... e feliz
daquele que não se escandalizar por minha causa. Com isso,
Jesus estava já antecipando a dificuldade que os judeus,
principalmente os chefes dos sacerdotes e os fariseus, iriam ter em
reconhecê-lo e aceitá-lo. Eles iriam se “escandalizar”, o que
significa, iriam desacreditar dele, iriam lançar desconfiança em
Jesus, porque o Messias que eles esperavam era de outro tipo, lutador
e guerreiro, não um Messias fraco e sofredor. Daí também porque
João dizia que era necessária a conversão (mudança de
mentalidade), era necessário endireitar as veredas (do pensamento),
aplainar os caminhos (do entendimento), a fim de conhecer e aceitar o
Cordeiro de Deus.
Essa figura do cordeiro era bem
familiar para os judeus, por causa do símbolo da Páscoa, o cordeiro
que era imolado e que servia de alimento, lembrando a libertação da
escravidão do Egito. Quando João diz que Jesus é o Cordeiro de
Deus, estava ali também se referindo à sua paixão e já
antecipadamente à eucaristia, o cordeiro imolado que é dado em
alimento. Para compreender isso, ou seja, para entender a nova figura
do Messias-Cordeiro era imprescindível mudar o modo de pensar acerca
dele. João fazia referência expressa à figura do cordeiro também
presente na profecia de Isaías, o cordeiro que era levado ao
matadouro e não abria a boca (Is 55, 3), sinal de que João Batista
conhecia bem as escrituras.
Na primeira leitura da missa da
vigília, a liturgia nos oferece o trecho do profeta Jeremias, que
tanto se refere a João Batista quando a Jesus Cristo (Jr 1, 5):
antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres
do seio da tua mãe eu te consagrei e fiz de ti profeta das nações.
E mais adiante, no versículo 10, completa: eu te constituí hoje
sobre povos e reinos com poder para extirpar e destruir, devastar e
derrubar, construir e plantar. E na primeira leitura do domingo, a
mesma imagem se encontra em Isaías (49, 6): eu te farei luz das
nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra.
Meus amigos, nós aqui e agora somos
fruto dessa promessa. Deus falou pela boca de Isaías: Não basta
restaurar Jacó e reconduzir o resto de Israel, isso é pouco, tu
vais unir todas as nações e levar a todas elas a minha salvação.
Nós somos a prova concreta de que a palavra de Deus, pronunciada
pelo Profeta, foi cumprida. E nos dias de hoje, nós somos os
sucessores do Profeta, para continuarmos anunciando a salvação ao
mundo inteiro. E para quem acha que não tem condições de fazer
isso, vale lembrar a advertência de Jeremias (1, 8): o Senhor disse
- não tenhas medo, pois estou contigo para defender-te... eis que
ponho minhas palavras na tua boca. Este é o nosso desafio e a nossa
missão de cristãos na sociedade.
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