sábado, 25 de agosto de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 19º DOMINGO COMUM - O MILAGRE DO PÃO

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 19º DOMINGO COMUM – O MILAGRE DO PÃO – 12.08.2018

Caros Leitores,

Pelo terceiro domingo seguido, a liturgia coloca em perspectiva o tema do pão, seja como alimento do corpo, seja como alimento do espírito: o pão de cada dia, o pão vivo, o pão que dá vida, o pão da palavra, o pão da eucaristia, aquele que é penhor da vida eterna. Desta vez, Jesus vai responder aos comentários maldosos dos judeus, que se admiraram ao ouvirem-no falar que ele é o pão descido do céu. Eles conheciam o pai, a mãe, os familiares de Jesus e sabiam a sua origem, como podia ter ele vindo do céu? Difícil de entender, sob a ótica linear e fundamentalista traçada pelos judeus daquele tempo e, com todo respeito, também os judeus de hoje, para os quais Jesus não passa de judeu famoso, nada mais do que isso.

Na primeira leitura litúrgica, retirada do primeiro Livro dos Reis (1Rs 19, 4), temos o episódio em que o profeta Elias foi alimentado com um pão especial, trazido pelo anjo de Deus, quando estava exausto e com fome no deserto. A ingestão daquele pão milagroso lhe deu sustança para caminhar durante quarenta dias e quarenta noites. Embora fosse de um tipo especial e prefigurasse, com muita antecedência, a eucaristia, este pão do deserto saciava a fome corporal apenas, mas não tinha o condão de preservar para a vida eterna quem o comesse. E, como é bastante comum ocorrer nos textos do Antigo Testamento, faz-se aqui mais uma referência à mística do número 40, que deve ser entendida no sentido alegórico, não no sentido literal da contagem matemática, mas dentro de sua simbologia, que indica que algo extraordinário e grandioso está por acontecer. O pão trazido a Elias pelo anjo deu-lhe alento para caminhar durante quarenta dias e quarenta noites, sem sentir fome, até chegar ao monte Horeb (Sinai), para onde ele se dirigia, obedecendo a ordem de Javeh. Esse é o sinal do poder daquele pão miraculoso.

É importante salientar que o nome Elias significa “Javeh é meu Deus” e este profeta teve um papel importantíssimo na defesa do monoteísmo hebraico, na época em que o povo hebreu passava por um período de vacilação na sua fé religiosa. A missão do Profeta era trabalhar junto às comunidades da região do Sinai, para que abandonassem os deuses pagãos e retornassem ao seu único Deus, Javeh. Ocorre que Elias não conseguia sensibilizar aquele povo para ouvir suas palavras e retornar ao seguimento da aliança e estava assim por demais desgastado com a dureza dos seus corações. Passando de aldeia em aldeia, anunciando a ordem de Javeh, ele não recebia a esperada adesão por parte dos seus coirmãos de fé. Elias então entrou numa verdadeira crise existencial. Parecia que Javeh tinha dado a ele uma missão impossível. Além da incredulidade do povo, sobressaía o cansaço físico e a dificuldade de se alimentar, porque ele não era bem recebido por onde andava.

Naquele dia, em meio a essa crise, atravessando uma região desértica, padecendo em consequência da fome e da descrença dos hebreus, Elias surtou. Deitou-se no chão, na sombra do junípero e disse a Javeh: agora basta, Senhor, podeis tirar a minha vida, eu não tenho forças para cumprir a missão que me destes. E adormeceu. Foi despertado por um anjo, que lhe trouxe para refeição um pão assado sob as cinzas, que ele comeu e dormiu novamente. Daí a pouco, o anjo o acordou de novo e deu-lhe outra porção do pão, que ele comeu outra vez e pronto. Com este alimento, Elias não teve mais fome nem cansaço e pôde terminar sua tarefa, percorrendo toda a região do deserto, até chegar ao Sinai.

A região atravessada por Elias é aquela grande península do Sinai, pertencente hoje ao Estado de Israel, que ao longo da história tem sido objeto de intermináveis contendas e a paz ainda não se fixou por ali, desde os tempos bíblicos. Vejamos que Elias, que viveu no século IX antes de Cristo, já não conseguia atravessar aquela região em paz, do mesmo modo que os seus atuais habitantes.

Na leitura do evangelho de João (6, 41-51), Jesus falara ao povo de sua cidade natal que Ele é o pão descido dos céus. Pra que ele disse isso! ... Os conhecidos ficaram logo a cochichar entre si: nós o conhecemos, não é Ele o filho de José e Maria? Por que ele diz que desceu do céu? Foi por isso que Jesus, depois, se lamentou: É isso mesmo, ninguém consegue ser profeta na sua própria terra. (Lucas, 4, 24). Era difícil explicar aos conterrâneos que ele é o pão vivo descido do céu e quem comer deste pão não morrerá eternamente. Teve de justificar que somente aqueles a quem o Pai atraiu poderá reconhecê-lo como pão do céu. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai.” (Jo 6, 44) Ou seja, numa perspectiva puramente humanística, não havia condição de alguém reconhecer em Jesus o Filho de Deus, era necessário que os seus conterrâneos primeiramente aceitassem o Pai, através dos ensinamentos de Jesus, para que então pudessem entender a que tipo de pão Ele estava se referindo.

E Jesus aproveitou para dizer que os antepassados deles haviam comido outro pão descido do céu, o maná solicitado por Moisés, quando estavam no deserto, todavia não era aquele tipo de pão o que Jesus trazia, porque o pão do deserto não livrava da morte eterna. Já o pão vivo, que era ele próprio, traz a recompensa da vida eterna a quem com ele se alimenta. Lembrando-nos dos domingos anteriores, em que comentei aqui outras passagens evangélicas com essa mesma temática do pão, fiz referência a que o pão vivo, que é Cristo, não alimenta apenas o corpo material, mas também a alma espiritual, daí porque Ele produz como resultado a vida eterna. Aquela multidão que buscou Jesus após o milagre da multiplicação dos pães buscava tão somente, outra vez, o pão material e Jesus fê-los ver que o pão que alimenta o corpo não pode estar separado do pão que alimenta o espírito.

Desse modo, o pão vivo, que é Cristo, não é apenas a sua carne por ele entregue para a vida do mundo. É necessário que o pão = carne seja consumido juntamente com o pão = palavra, com a mensagem de sua doutrina. A catequese que se desenvolveu no Brasil ao longo do tempo não foi capaz de demonstrar ao nosso povo a necessidade de unir essas duas dimensões do pão do céu (corpo de Cristo): a palavra e a eucaristia. Sempre foi mais enfatizada a obrigação de comungar, porque com a comunhão, nós nos unimos ao próprio Cristo, Ele ingressa no nosso ser. Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, aqui temos apenas a metade do seu ensinamento. Para que este pão eucarístico produza o efeito que Cristo prometeu (“quem come deste pão viverá eternamente”) é necessário unir a comunhão eucarística com o cumprimento dos mandamentos de Cristo (“amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”), ou seja, com a ingestão do pão da palavra e do pão eucarístico, pelos quais tanto o corpo quanto o espírito se alimentam e fortalecem.

A participação no sacramento da eucaristia, quando não é acompanhada da prática dos ensinamentos de Cristo, equivale àquela advertência de Paulo de que não se deve comer e beber indignamente o Corpo e o Sangue de Cristo (1Cor 11,27). Tradicionalmente, sempre se ensinou que isso ocorre com quem vai comungar sem ter-se confessado antes. Ao meu ver, come e bebe indignamente o Corpo e o Sangue de Cristo quem dissocia o pão da eucaristia do pão da palavra, porque o pão vivo, que é Cristo, só está completo com essas duas funções. Foi isso que Ele ensinou, nas diversas passagens que lemos nos últimos domingos, em que a temática do pão vem sendo repetida e reforçada. Jesus somente deu o pão da sua carne aos Apóstolos na última ceia, depois de passar três anos instruindo-os com o pão da palavra. Ele afirmou, por várias vezes, que quem comesse da sua carne teria a vida eterna, todavia, ele só demonstrou como seria isso após todo o período de catequese dos Apóstolos, quando eles já haviam absorvido suficiente quantidade dos seus ensinamentos.

Só uma breve palavra sobre do conceito de “carne”, que aparece diversas vezes nesse discurso acerca do pão. A palavra grega em referência é 'sarx', que se traduz por carne, porém, o seu significado vai além da carne = músculo, como costumamos entender em português. De fato, sarx significa qualidade de ser humano, ser vivo e pensante, é como se Jesus tivesse dito “quem come a minha humanidade”, isso é bem mais amplo e profundo do que a carne meramente muscular. Lembremo-nos, a propósito, de outra passagem do evangelho, onde diz que “o Verbo se fez carne”, o que significa: o Verbo tornou-se gente, transformou-se em ser humano. Tenhamos em mente esses conceitos, ao participar da eucaristia.

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