COMENTÁRIO LITÚRGICO – 18º DOMINGO
COMUM – O PÃO DA VIDA ETERNA – 05.08.2018
Caros Confrades,
A liturgia deste 18º domingo do tempo
comum dá prosseguimento à reflexão sobre o tema do pão,
convidando-nos a refletir sobre o pão do céu, o pão da vida
eterna. Do Antigo Testamento, na leitura de Exodo (16, 2), traz a
lembrança do maná, que caía do céu e o povo recolhia no deserto
todos os dias, precedendo simbolicamente o verdadeiro Pão da vida,
deixado a nós por Jesus. O pão nosso de cada dia é importante e
necessário, porém se aplica apenas ao corpo material, por isso, é
necessário que se busque também o alimento do espírito. E o pão
do espírito é fazer a vontade de Deus. Vivemos num mundo onde
predominam pessoas famintas do verdadeiro pão, daí a assustadora
onda de violência que nos ameaça constantemente. Só o pão do céu
traz consigo a benquerença, a tranquilidade e a paz.
Conforme lê-se em Ex 16, um
comportamento característico do povo de Deus em marcha pelo deserto
era a infidelidade a Javeh, demonstrada na simpatia para com os
ídolos dos pagãos. Por causa disso, Javeh os castigava deixando-os
com fome. Quando eles foram se queixar a Moisés, dizendo que era
melhor que tivessem ficado como escravos no Egito tendo o que comer,
do que passar fome no deserto. Tiraste-nos do Egito para nos matar de
fome no deserto, diziam. Ouvindo as queixas do povo, Javeh respondeu,
através de Moisés, que eles iriam comer carne ao anoitecer e pão
ao amanhecer. Diz o texto bíblico que, ao entardecer, um banco de
codornas chegou ao acampamento, de modo que eles puderam capturá-las
com facilidade e comer carne em abundância; e ao amanhecer, um denso
orvalho foi aos poucos se transformando em grãos sólidos, os quais
foram usados para fazer pão. Javeh cumprira sua promessa.
Sabemos que, alguns dias depois, o povo
foi novamente se queixar a Moisés, porque estavam enjoados de comer
aquilo todos os dias, ou seja, o povo estava sempre insatisfeito,
sempre a provocar a ira de Javeh, sempre buscando uma desculpa para
justificar as suas infidelidades e o seu descumprimento da lei. Se
observarmos bem, nos dias de hoje, essa mesma situação ainda se
repete, muitos cristãos têm esse mesmo comportamento inconstante e
interesseiro, só se lembrando dos seus compromissos religiosos
quando enfrentam alguma dificuldade. E a misericórdia divina
continua a agir sempre perdoando, como foi no passado. Muitas pessoas
confundem a vivência religiosa como uma espécie de “comércio”
com Deus: oferecem a Deus esmolas e jejuns objetivando receber em
troca aquilo a que almejam. Esse modelo religioso baseado na barganha
foi o que Jesus reprovou no comportamento daqueles que o seguiam
somente porque Ele lhes dava o que comer. (Jo 6, 26)
Na leitura do evangelho de hoje (João
6, 24), temos a sequência do milagre da multiplicação dos pães.
Após haverem sido saciados com o alimento miraculoso, os seguidores
de Jesus saíram em massa a procurar por ele até encontrá-lo do
outro lado do mar da Galileia. Ao ver aquela multidão se
aproximando, Jesus demonstrou insatisfação: “estais
me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e
ficastes satisfeitos”
(Jo, 6, 26). Parecia que o povo estava mais interessado na comida do
que nos ensinamentos dele. Então, ele fez referência ao fenômeno
miraculoso do maná no deserto, cuja descrição era de todos
conhecida: “não
foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos
dá o verdadeiro pão do céu.”
(Jo, 6, 32) Jesus faz aí um jogo de palavras, porque o maná também
vinha do céu, para depois concluir que Ele é o verdadeiro Pão
vindo do céu, antecipando o que iria fazer na última ceia.
Naturalmente, os ouvintes de Jesus não
atinaram para o alcance do que Ele estava a anunciar, nem os próprios
apóstolos entenderam naquele momento, vindo a compreender somente
quando Jesus celebrou a ceia com eles. Os judeus pediram: “Senhor,
dá-nos sempre deste pão”, mas o que eles imaginavam mesmo era um
pão material, daqueles que se come mastigando e enche o estômago,
Porém, Jesus falava-lhes metaforicamente do 'pão da palavra', que
Ele estava a distribuir através do seu ensinamento, e do Pão do
céu, que era Ele próprio. No entanto, para termos acesso ao
verdadeiro Pão do céu, é necessário antes aceitar o pão da
palavra e pô-la em prática na nossa vida. É neste sentido que
Paulo exorta a comunidade de Éfeso: (Ef 4, 22) Renunciando
à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se
corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o vosso
espírito e a vossa mentalidade.
O homem velho é aquele que se lembra apenas do pão material,
semelhante ao maná caído no deserto, que alimenta o corpo; o homem
renovado é o que busca o pão da palavra e, através deste, o Pão
do céu, que é Jesus Cristo, alimento para a alma. Buscar o Pão do
céu sem ter-se alimentado antes com o pão da palavra equivale a uma
aproximação indigna daquele. E alimentar-se com o pão da palavra
não requer simplesmente ler a Bíblia, porque uma simples leitura
não surte efeito. Para compreender e poder retirar da leitura
bíblica o seu conteúdo próprio é necessário estudá-la
teologicamente, seja um estudo individual, seja um estudo acadêmico
num curso próprio. Ler a Bíblia como quem lê um livro literário
qualquer, visando apenas conhecer as narrações e os personagens,
por certo não resultará em alimento do espírito, além de ensejar
entendimentos desvirtuados e absurdos.
Ao comentar isso, eu não estou
querendo dizer que não se deve ler a Bíblia, mas que uma leitura
sem a devida preparação terá um resultado inócuo ou duvidoso. O
pão da palavra deve preparar o espírito para ser alimentado com o
pão do céu. É por isso que a liturgia da missa é dividida em duas
partes: liturgia da palavra e liturgia eucarística. É lamentável
observar que alguns católicos escolhem o comparecimento à missa
pelo celebrante ou pela “animação” dos cânticos. Evitam as
celebrações cujo padre faz um sermão demorado e preferem aquelas
celebrações com profusão de instrumentos musicais, porque são
mais animadas. Com isso, o verdadeiro objetivo da missa, que é o
alimento do espírito com o pão da palavra e o pão do céu, fica
totalmente esquecido, fazendo-se a frequência por uma questão de
obrigação. E é mais lamentável ainda que os nossos Pastores não
se dediquem a instruir os fiéis acerca dessas verdades doutrinárias,
contentando-se com uma liturgia burocrática e repetitiva.
Refletindo na mesma linha de raciocínio
abordada no domingo passado, acerca da simbologia do pão,
lembremo-nos da insatisfação de Cristo com aqueles que o seguiam
muito mais por causa dos milagres que ele fazia, do que por causa dos
ensinamentos que ele transmitia; mais por causa da merenda que ele
dava, do que por adesão à sua mensagem. Por isso, o evangelista
João faz questão de colocar, logo após a narração da
multiplicação dos pães, o ensinamento de Cristo sobre o pão do
céu. Alimentar o corpo é importante e necessário, mas não é
bastante. É nesse ponto que muitas pessoas confundem o modelo
teológico da opção preferencial pelos pobres com o engajamento
político partidário. No passado, viveu-se o tempo em que havia uma
supervalorização da religião espiritualista, devocionista,
afirmando que tudo o que é corporal deve ser evitado e/ou eliminado,
para dar vida ao espírito. Então, passou-se ao outro extremo, isto
é, à supervalorização da religião política, inclusive com a
inscrição em partidos e defesa pública destes. Não vou citar
nomes, porque esses são bem conhecidos. No entanto, o que Jesus
Cristo ensinou, ao multiplicar os pães e distribuir aos seus
ouvintes, foi que o alimento material é indispensável, mas nós
devemos nos esforçar sempre pelo alimento que permanece até a vida
eterna. E quando aquelas pessoas pediram: dá-nos desse alimento, ele
declarou: “Eu
sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê
em mim nunca mais terá sede”.
E este pão da vida tem dois ingredientes básicos: palavra e
eucaristia. A comunhão eucarística só servirá como verdadeiro
alimento do espírito se for acompanhada da degustação também
espiritual da sua mensagem.
Que o divino Mestre nos ensine e nos
ajude a buscar o verdadeiro Pão trazido diretamente por Ele, a mando
do Pai, e nos faça sempre mais integrar esses ensinamentos na nossa
vida cotidiana.
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