COMENTÁRIO LITÚRGICO 20º DOMINGO
COMUM – FESTA DA ASSUNÇÃO DE MARIA – 19.08.2018
Caros Leitores,
Neste 20º domingo comum, a memória
litúrgica celebra, no Brasil, a festa da Assunção de Maria, uma
verdade de fé proclamada pelo Papa Pio XII, em 1950, a última
proclamação dogmática feita por um Papa. De lá para cá,
observa-se uma grande cautela dos Pontífices em relação a tais
proclamações de caráter universal e perpétuo, muito ao gosto da
cultura medieval, quando prevalecia aquela visão triunfalista da
Igreja. O Papa Pio XII, segundo ouvi de um sacerdote que estudava em
Roma naquela época, ficou muito relutante se devia ou não fazer
essa declaração dogmática da Assunção de Maria, porque não tem
base na Bíblia, mas apenas na tradição.
É uma tradição muito forte. Não
apenas na Igreja Católica Romana, mas também no catolicismo
ortodoxo das Igrejas Orientais, a assunção de Maria é celebrada,
embora no oriente não tenha sido definida como dogma de fé. Foi
nessas Igrejas que se iniciou, por volta dos séculos III e IV, a
celebração da “dormição” de Maria, baseada em escritos
antigos que circulavam naquelas comunidades, nos quais se afirmava
que Maria não havia morrido, mas apenas adormecera e então foi
levada ao céu pelos anjos. Narra a tradição da igreja siríaca que
o apóstolo Tomé viu o momento em que Maria ascendia com os anjos e
pediu a ela uma relíquia, para guardar como lembrança e, ao mesmo
tempo, comprovar aquele fato. E, então, Maria deixou cair o seu
cinto, que atualmente repousa em uma catedral dedicada a ele. A
Igreja Católica romana não guardou essa tradição, porém
interpreta a narração apocalíptica do capítulo 12, que descreve o
aparecimento de um grande sinal no céu, com uma mulher vestida do
sol, pisando sobre a lua e coroada com doze estrelas como sendo a
figura de Maria. Há também escritos muito antigos, como o “Liber
Requei Mariae” (livro do descanso de Maria), do século III, que
afirma que Maria não morreu, apenas descansou. E um outro escrito,
este do século V, intitulado “De transitu Mariae” (sobre o
trânsito de Maria), que reforça a mesma afirmação. Estes dois são
escritos anônimos, ou pelo menos sua autoria não tem comprovação.
Mas no século VI, o teólogo São João Damasceno defendeu essa
doutrina, numa demonstração da força desse pensamento teológico.
Foi com base nesses textos que o Papa Pio XII decidiu fazer a
proclamação. A teologia ensina que a morte é consequência do
pecado. Se Maria foi concebida sem pecado, então a morte não
sobreveio a ela.
A proclamação papal acerca do dogma
da assunção não fez afirmação taxativa sobre a morte ou não
morte de Maria, isto é, proclamou a assunção de Maria em corpo e
alma ao céu, sem se pronunciar sobre o detalhe se ela havia morrido
ou apenas dormido ou descansado, conforme consta nos escritos
anônimos dos primeiros séculos. Essa omissão proposital é uma
atitude de prudência, para que os eventuais adversários da
proclamação não viessem a contraditá-la por haver-se baseado em
escritos apócritos. Por isso, além da referência ao capítulo 12
do Apocalipse, a doutrina também referencia a carta de Paulo aos
Coríntios (1Cor 15, 22-23): “Como
em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos
reviverão. Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: Em
primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a
Cristo, por ocasião da sua vinda.”
A Igreja entende que, logo depois da entrada gloriosa no céu de
Cristo ressuscitado, foi a vez de Maria, pela sua condição de
imaculada mãe de Deus. Na verdade, a definição dogmática da
assunção de Maria é uma consequência lógica de outra definição
dogmática conciliar, publicada no Concílio de Éfeso, em 431, que
proclamou Maria como Mãe de Deus, desfazendo uma antiga heresia,
segundo a qual Maria era mãe apenas de Jesus homem, mas não de
Cristo Deus, porque Deus não pode ter mãe.
Sobre as leituras litúrgicas da festa
de hoje, já nos referimos acima à primeira, retirada do Apocalipse
(12, 1), que fala do grande sinal (signum magnum) visto por
João no céu. Era uma mulher grávida e, ao seu lado, um enorme
dragão esperando que ela despachasse a criança, a fim de devorá-la.
Essa imagem é emblemática nos arquétipos teológicos de todos os
tempos, como uma referência clara e explícita aos embustes
demoníacos contra a Igreja. Mesmo sem termos em mente qualquer anjo
do mal, como criatura espiritual, podemos enxergar esses “agentes
demoníacos” no interior de alguns setores burocráticos da própria
Igreja. Quem não se recorda dos asquerosos “corvos do Vaticano”,
que tanto atormentaram o Papa Bento XVI, forçando a sua renúncia,
em 2003. Foram eles mesmos que dominaram o Papa João Paulo II, nos
últimos anos de sua vida, período em que ele esteve muito
debilitado e senil em consequência da doença de Alzheimer,
produzindo documentos em nome do Papa e com a sua autoridade, com
fortes evidências de que o Papa não sabia mesmo do que estava
acontecendo. Dizem que, quando Napoleão Bonaparte assumiu o trono da
França, logo depois da Revolução Francesa, teria colocado como um
dos objetivos do seu governo a destruição da Igreja Católica.
Sabendo disso, o arcebispo de Paris esteve conversando com o
Imperador francês e teria revidado assim: desista do seu projeto de
destruição da Igreja, porque os próprios padres já tentaram e não
conseguiram. E olhando para os tempos atuais, observando o enorme
carisma do Papa Francisco, admirado e exaltado até pelos ateus e
fiéis de outras religiões, podemos concluir que as “portas do
inferno” realmente não prevalecerão contra ela.
A segunda leitura litúrgica é a carta
de Paulo aos Coríntios, à qual já me referi acima, cuja lição
sobre a derrota da morte pela ressurreição de Cristo é o
fundamento teológico mais forte para a afirmação da assunção de
Maria, sobretudo levando-se em consideração que, sobre Maria, a
serpente do pecado foi imobilizada, conforme se vê nas imagens dos
artistas que retratam a figura da Imaculada Conceição. Aliás, esse
título de “imaculada”, de acordo com a revelação particular a
Bernardete Soubirous, aceita e admitida pela Igreja, foi Maria mesma
quem afirmou: “je suis l'immaculée conception”, assim está
estampado na gruta de Lourdes, na França. Não é afirmação
bíblica, mas a tradição é fortíssima e antiquíssima, devendo
ser prestigiada a sua credibilidade.
A leitura do evangelho relata a visita
de Maria a sua prima Isabel, que engravidou já com a idade avançada,
e cuja notícia lhe foi dada pelo anjo, quando trouxe a ela, Maria, a
notícia de que tinha sido escolhida para ser a mãe do Redentor.
Nesse contexto, Isabel pronunciou a parte inicial da oração da Ave
Maria, prece antiga e tradicional do catolicismo. E nessa mesma
ocasião, Maria pronunciou o seu belo cântico de louvor ao
Altíssimo, o conhecido Magnificat, que não é tão divulgado no
meio popular como a Ave Maria, mas é teologicamente mais importante.
Maria estava no início da gravidez,
enquanto Isabel estava na etapa final, então Maria ficou com ela
durante três meses, ajudando nos preparativos e na chegada do bebê
João, como é praxe ainda hoje as mulheres se ajudarem mutuamente
nessas ocasiões. Esses relatos nós viemos a saber por intermédio
de Lucas, o grande repórter da vida particular de Maria.
Uma curiosidade, porém, que Lucas não
revela é onde Maria terminou seus dias. As crenças tradicionais são
divergentes acerca do fato. Segundo algumas tradições, ela teria
permanecido em Jerusalém, até o seu “passamento” - digamos
assim, para não afirmarmos nem que ela morreu nem que descansou.
Segundo outras tradições, ela teria terminado seus dias em Éfeso,
onde existe uma casa, que é visitada pelos peregrinos e venerada
como sendo a “casa de Maria” e de onde ela teria sido trasladada
para o céu. Sabemos que João, o evangelista, era bispo de Éfeso e
foi a ele que Jesus confiou os cuidados com Maria, ainda no Calvário.
Talvez por isso a tradição se incline a aceitar que Maria teria
terminado a vida em Éfeso. Mas pode ser também que João tenha se
mudado para Éfeso somente depois da “passagem” de Maria, pois
também não se sabe em que ano isso aconteceu. João teria se
transferido para Éfeso, conforme a tradição, por volta do ano
50. Supondo que Maria teria engravidado com cerca de 15 anos, como
era o padrão da sua época, no ano 55 ela teria cerca de 70 anos de
idade. Por isso, tanto uma tradição quanto outra (Jerusalém ou
Éfeso) são compatíveis com os fatos e assim não tem como
solucionar a controvérsia.
Meus amigos, penso que é crença
incontroversa o fato de que Maria ocupa um lugar central e
incomparável em toda a economia da salvação (para usar um termo
clássico da teologia). Não é por acaso que ela é reverenciada com
tantos títulos. Que ela sempre nos vigie a todos com a sua ternura
maternal.
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