domingo, 13 de janeiro de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 4º DOMINGO DO ADVENTO - 23.12.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DO ADVENTO – PRIMEIRA TESTEMUNHA – 23.12.2015

Caros Leitores,

Aproxima-se o Natal e a liturgia deste quarto domingo do Advento nos lembra quem foi a primeira testemunha da próxima chegada do Salvador: foi Isabel, esposa de Zacarias, quem recebeu a primeira notícia da chegada do Messias, através da reação de menino João, eu seu ventre. A liturgia comemora a visita de Maria à sua prima Isabel, que morava nas montanhas, aonde ela foi apressadamente a fim de dar-lhe assistência nas primeiras semanas após o nascimento de João. A gravidez de Maria, então incipiente, era segredo apenas do casal, mas “o menino exultou de alegria” nas entranhas de Isabel e ela foi inspirada pelo Espírito Santo para reconhecer e interpretar aquele fato.

Antes de dar prosseguir no tema da visita de Maria, eu gostaria de ressaltar aqui a espetacular previsão do profeta Miqueias, com um grau de acerto de cem por cento, sobre o local onde nasceria o Messias: Belém de Judá. Miqueias era natural também do reino de Judá, morador na cidade de Mirasti, próxima de Belém e era contemporâneo do profeta Isaías, tendo vivido por volta de 700 anos antes de Cristo. Ele é um dos chamados 'profetas menores', porque o seu livro tem apenas sete capítulos, contudo, foi Miqueias o único dos profetas a afirmar que Belém seria o berço terreno do Messias. Observemos como se pode perceber o dedo de Javé conduzindo as ações humanas na história, para a realização de suas promessas a Abraão. Quando Miqueias profetizou a chegada do Messias em Belém, foi cerca de 700 anos antes de José e Maria se casarem. E eles não moravam em Belém, e sim em Nazaré. São Tomás de Aquino afirmava que Deus age por “causas segundas”, isto é, não de modo direto, mas servindo-se dos acontecimentos. No caso, o agente da vontade de Javé foi o governador da Síria, Quirino (Lc 2,2), que era pagão, determinando um recenseamento. Quando o rei Arquelau, da Síria, foi vencido pelos romanos, Quirino era o magistrado (governador) romano supremo na região do Oriente Médio, tendo ordenado o recenseamento dos habitantes do seu território, o qual, conforme estudos históricos, se deu entre os anos 8 e 6 a. C. Na Galileia, o governador era Herodes, mas o evangelista Lucas, se refere a Quirino porque Herodes era só o governador local, subordinado a Quirino, que era a autoridade romana máxima da região.

Por que essa referência a Herodes, que nem foi citado na leitura do evangelho? Porque este fato está associado com a visita dos magos do oriente, que chegaram ao palácio do rei Herodes perguntando onde estava o rei dos Judeus recém-nascido... para Herodes aquilo foi um choque, pois o rei era ele e não havia nascido nenhum filho dele. De todo modo, Herodes chamou os sacerdotes e adivinhos para saber do que se tratava, porque aquilo podia ser um sinal de alguma insurreição popular contra os romanos, talvez algum descendente real de uma tribo daquele povo. Logo, logo os sacerdotes lembraram da profecia de Miqueias: Belém, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel, e então os magos foram orientados para irem até Belém. E depois Herodes mandou matar todos os recém-nascidos da região, por via de dúvidas, embora ele não acreditasse naquelas balelas de profecias. A narrativa do evangelista Lucas, que é como sempre recheada de detalhes históricos, nos ajuda a contextualizar os fatos e a fundamentar historicamente a época do nascimento de Cristo.

Na segunda leitura, da carta aos Hebreus, o autor sagrado desconhecido faz referência ao nascimento de Cristo, dizendo que Javé não se satisfazia com os holocaustos e oferendas de animais, sacrifícios imperfeitos que não expiavam os pecados da humanidade, por isso mandou seu próprio Filho para tornar-se a oferenda definitiva. Cristo, sacrificando-se de uma vez por todas, suprime e substitui todos os demais holocaustos e redime a humanidade. Ele veio para cumprir a promessa: “Eis que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade.' ” (Heb 10, 7) O “livro” onde isso está escrito não é outro senão “a Bíblia (biblos)”, ou simplesmente, “o livro” escrito pelos profetas. São vários os profetas, mas o livro é um só, porque todos os seus escritores colocaram ali um conteúdo que se integra e se correlaciona, daí que não interessam os nomes dos autores materiais, já que um só é o seu autor intelectual: Javé. (Apenas para esclarecer aos colegas, esta carta era antigamente atribuída a Paulo e se dizia “carta de São Paulo aos Hebreus”, mas estudos posteriores dos biblistas levaram à conclusão de que não foi Paulo o seu autor, e visto que não se sabe quem foi, diz-se apenas “carta aos Hebreus”.)

No evangelho de Lucas (Lc 1, 39-45), lemos o relato muito conhecido da visita de Maria a Isabel, que se tornou a primeira testemunha da gravidez divina de Maria, por inspiração do Espírito Santo. A narração de Lucas é bastante rica em detalhes e, ao longo da história, estimulou a imaginação dos artistas dos mais variados modos, motivando a produção de inúmeras obras de arte retratando o tema. E Lucas foi aquele agente escolhido, pela sua convivência com Maria após a morte de Cristo, tendo sido escolhido por Deus para recolher d'Ela os segredos mais reveladores da vinda de Cristo, que não teriam sido conhecidos pela humanidade se não fosse essa situação privilegiada de ser ele uma pessoa letrada e da total confiança de Maria. Por conta disso, o seu evangelho tem uma característica singular, no que diz respeito ao conhecimento da infância de Jesus e à vida pessoal de Maria.

Pois bem. Diz Lucas que Maria foi apressadamente à região das montanhas, para visitar sua prima Isabel, que estava nos dias próximos do parto. Maria também estava grávida, embora de pouco tempo, gravidez ainda não perceptível, portanto, a própria Isabel não tinha conhecimento disso. E como era costume (e ainda é em grande parte da região interiorana do Nordeste), as parentas próximas (mãe, irmãs, primas) vão prestar assistência à parturiente, no período pós-parto, denominado de “resguardo”. Tem aquela tradição que diz que Isabel mandou acender uma grande fogueira em frente da sua casa lá no alto, para que Maria e os parentes, que moravam no vale fossem avisados da proximidade do seu parto. Evidentemente não há embasamento bíblico para esse justificar tal procedimento, mas de qualquer modo, essa seria a origem das fogueiras juninas, que ainda hoje anunciam São João.

Ao se encontrarem, Isabel fez aquele célebre discurso teológico, que se tornou o tema da oração mais tipicamente mariana: ave, cheia de graça, bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Com certeza, Lucas relata esses detalhes para destacar o reconhecimento da divindade de Cristo, mesmo antes do seu nascimento. Isabel, como as mulheres judias daquele tempo, não era uma pessoa letrada, mas devia frequentar a sinagoga, como todos os judeus, e certamente sabia das promessas de Deus através dos profetas, pela explicação dos rabinos, acerca da vinda do Salvador. Muito provavelmente, o discurso teológico de Isabel foi recomposto por Lucas, a partir de sucintas narrações feitas por Maria, que na sua humildade e tendo sido ela e Isabel as únicas pessoas a testemunharem o evento, não iria fazer para si mesma um cântico de exaltação. Diz Lucas que Isabel ficou cheia do Espírito Santo quando Maria chegou e sentiu o bebê mover-se de modo diferente no seu ventre, o que a levou a proferir essas palavras inspiradas sobre a gravidez da prima. Na tradição teológica, diz-se que a primeira manifestação do Espírito Santo ocorreu no batismo de Cristo, quando ele já era adulto, juntamente com a “voz” do Pai, ou seja, a primeira manifestação da trindade divina. Mas podemos dizer que foi, de fato, Isabel a primeira pessoa que sentiu a inspiração do Espírito Santo com a presença de Maria, ao mesmo tempo em que isso indica a missão especial que deveria ter o filho dela, Isabel, na preparação do povo judeu para o reconhecimento do Cristo Messias.

Por fim, é importante destacar que a celebração da festa do Natal em 25 de dezembro não corresponde aos fatos históricos narrados por Lucas. Provavelmente, o nascimento de Jesus ocorreu no mês de março, isso também não ficou registrado. No entanto, foi uma imposição de Constantino a data de 25 de dezembro para a celebração do Natal, sacralizando a festa pagã do deus saturno (saturnalia), que acontecia tradicionalmente em Roma nesta época da passagem do solstício de inverno, entre os dias 17 e 23 de dezembro, festas acompanhadas de lautos banquetes e distribuição de presentes. Independentemente disso, porém, para nós cristãos, o que interessa é o nascimento de Cristo, que aconteceu uma vez na história, mas que se repete constantemente em nossos corações, quando renovamos nosso compromisso de viver segundo o evangelho.

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