COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO
DO ADVENTO – PRIMEIRA TESTEMUNHA – 23.12.2015
Caros Leitores,
Aproxima-se o Natal e a liturgia deste
quarto domingo do Advento nos lembra quem foi a primeira testemunha
da próxima chegada do Salvador: foi Isabel, esposa de Zacarias, quem
recebeu a primeira notícia da chegada do Messias, através da reação
de menino João, eu seu ventre. A liturgia comemora a visita de Maria
à sua prima Isabel, que morava nas montanhas, aonde ela foi
apressadamente a fim de dar-lhe assistência nas primeiras semanas
após o nascimento de João. A gravidez de Maria, então incipiente,
era segredo apenas do casal, mas “o menino exultou de alegria”
nas entranhas de Isabel e ela foi inspirada pelo Espírito Santo para
reconhecer e interpretar aquele fato.
Antes de dar prosseguir no tema da
visita de Maria, eu gostaria de ressaltar aqui a espetacular previsão
do profeta Miqueias, com um grau de acerto de cem por cento, sobre o
local onde nasceria o Messias: Belém de Judá. Miqueias era natural
também do reino de Judá, morador na cidade de Mirasti, próxima de
Belém e era contemporâneo do profeta Isaías, tendo vivido por
volta de 700 anos antes de Cristo. Ele é um dos chamados 'profetas
menores', porque o seu livro tem apenas sete capítulos, contudo, foi
Miqueias o único dos profetas a afirmar que Belém seria o berço
terreno do Messias. Observemos como se pode perceber o dedo de Javé
conduzindo as ações humanas na história, para a realização de
suas promessas a Abraão. Quando Miqueias profetizou a chegada do
Messias em Belém, foi cerca de 700 anos antes de José e Maria se
casarem. E eles não moravam em Belém, e sim em Nazaré. São Tomás
de Aquino afirmava que Deus age por “causas segundas”, isto é,
não de modo direto, mas servindo-se dos acontecimentos. No caso, o
agente da vontade de Javé foi o governador da Síria, Quirino (Lc
2,2), que era pagão, determinando um recenseamento. Quando o rei
Arquelau, da Síria, foi vencido pelos romanos, Quirino era o
magistrado (governador) romano supremo na região do Oriente Médio,
tendo ordenado o recenseamento dos habitantes do seu território, o
qual, conforme estudos históricos, se deu entre os anos 8 e 6 a. C.
Na Galileia, o governador era Herodes, mas o evangelista Lucas, se
refere a Quirino porque Herodes era só o governador local,
subordinado a Quirino, que era a autoridade romana máxima da região.
Por que essa referência a Herodes, que
nem foi citado na leitura do evangelho? Porque este fato está
associado com a visita dos magos do oriente, que chegaram ao palácio
do rei Herodes perguntando onde estava o rei dos Judeus
recém-nascido... para Herodes aquilo foi um choque, pois o rei era
ele e não havia nascido nenhum filho dele. De todo modo, Herodes
chamou os sacerdotes e adivinhos para saber do que se tratava, porque
aquilo podia ser um sinal de alguma insurreição popular contra os
romanos, talvez algum descendente real de uma tribo daquele povo.
Logo, logo os sacerdotes lembraram da profecia de Miqueias: Belém,
pequenina
entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará
em Israel, e então
os magos foram orientados para irem até Belém. E depois Herodes
mandou matar todos os recém-nascidos da região, por via de dúvidas,
embora ele não acreditasse naquelas balelas de profecias. A
narrativa do evangelista Lucas, que é como sempre recheada de
detalhes históricos, nos ajuda a contextualizar os fatos e a
fundamentar historicamente a época do nascimento de Cristo.
Na segunda leitura, da carta aos
Hebreus, o autor sagrado desconhecido faz referência ao nascimento
de Cristo, dizendo que Javé não se satisfazia com os holocaustos e
oferendas de animais, sacrifícios imperfeitos que não expiavam os
pecados da humanidade, por isso mandou seu próprio Filho para
tornar-se a oferenda definitiva. Cristo, sacrificando-se de uma vez
por todas, suprime e substitui todos os demais holocaustos e redime a
humanidade. Ele veio para cumprir a promessa: “Eis
que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus,
para fazer a tua vontade.'
” (Heb 10, 7) O “livro” onde isso está escrito não é outro
senão “a Bíblia (biblos)”, ou simplesmente, “o livro”
escrito pelos profetas. São vários os profetas, mas o livro é um
só, porque todos os seus escritores colocaram ali um conteúdo que
se integra e se correlaciona, daí que não interessam os nomes dos
autores materiais, já que um só é o seu autor intelectual: Javé.
(Apenas para esclarecer aos colegas, esta carta era antigamente
atribuída a Paulo e se dizia “carta de São Paulo aos Hebreus”,
mas estudos posteriores dos biblistas levaram à conclusão de que
não foi Paulo o seu autor, e visto que não se sabe quem foi, diz-se
apenas “carta aos Hebreus”.)
No evangelho de Lucas (Lc 1, 39-45),
lemos o relato muito conhecido da visita de Maria a Isabel, que se
tornou a primeira testemunha da gravidez divina de Maria, por
inspiração do Espírito Santo. A narração de Lucas é bastante
rica em detalhes e, ao longo da história, estimulou a imaginação
dos artistas dos mais variados modos, motivando a produção de
inúmeras obras de arte retratando o tema. E Lucas foi aquele agente
escolhido, pela sua convivência com Maria após a morte de Cristo,
tendo sido escolhido por Deus para recolher d'Ela os segredos mais
reveladores da vinda de Cristo, que não teriam sido conhecidos pela
humanidade se não fosse essa situação privilegiada de ser ele uma
pessoa letrada e da total confiança de Maria. Por conta disso, o seu
evangelho tem uma característica singular, no que diz respeito ao
conhecimento da infância de Jesus e à vida pessoal de Maria.
Pois bem. Diz Lucas que Maria foi
apressadamente à região das montanhas, para visitar sua prima
Isabel, que estava nos dias próximos do parto. Maria também estava
grávida, embora de pouco tempo, gravidez ainda não perceptível,
portanto, a própria Isabel não tinha conhecimento disso. E como era
costume (e ainda é em grande parte da região interiorana do
Nordeste), as parentas próximas (mãe, irmãs, primas) vão prestar
assistência à parturiente, no período pós-parto, denominado de
“resguardo”. Tem aquela tradição que diz que Isabel mandou
acender uma grande fogueira em frente da sua casa lá no alto, para
que Maria e os parentes, que moravam no vale fossem avisados da
proximidade do seu parto. Evidentemente não há embasamento bíblico
para esse justificar tal procedimento, mas de qualquer modo, essa
seria a origem das fogueiras juninas, que ainda hoje anunciam São
João.
Ao se encontrarem, Isabel fez aquele
célebre discurso teológico, que se tornou o tema da oração mais
tipicamente mariana: ave, cheia de graça, bendita és tu entre as
mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Com certeza, Lucas
relata esses detalhes para destacar o reconhecimento da divindade de
Cristo, mesmo antes do seu nascimento. Isabel, como as mulheres
judias daquele tempo, não era uma pessoa letrada, mas devia
frequentar a sinagoga, como todos os judeus, e certamente sabia das
promessas de Deus através dos profetas, pela explicação dos
rabinos, acerca da vinda do Salvador. Muito provavelmente, o discurso
teológico de Isabel foi recomposto por Lucas, a partir de sucintas
narrações feitas por Maria, que na sua humildade e tendo sido ela e
Isabel as únicas pessoas a testemunharem o evento, não iria fazer
para si mesma um cântico de exaltação. Diz Lucas que Isabel ficou
cheia do Espírito Santo quando Maria chegou e sentiu o bebê
mover-se de modo diferente no seu ventre, o que a levou a proferir
essas palavras inspiradas sobre a gravidez da prima. Na tradição
teológica, diz-se que a primeira manifestação do Espírito Santo
ocorreu no batismo de Cristo, quando ele já era adulto, juntamente
com a “voz” do Pai, ou seja, a primeira manifestação da
trindade divina. Mas podemos dizer que foi, de fato, Isabel a
primeira pessoa que sentiu a inspiração do Espírito Santo com a
presença de Maria, ao mesmo tempo em que isso indica a missão
especial que deveria ter o filho dela, Isabel, na preparação do
povo judeu para o reconhecimento do Cristo Messias.
Por fim, é importante destacar que a
celebração da festa do Natal em 25 de dezembro não corresponde aos
fatos históricos narrados por Lucas. Provavelmente, o nascimento de
Jesus ocorreu no mês de março, isso também não ficou registrado.
No entanto, foi uma imposição de Constantino a data de 25 de
dezembro para a celebração do Natal, sacralizando a festa pagã do
deus saturno (saturnalia), que acontecia tradicionalmente em Roma
nesta época da passagem do solstício de inverno, entre os dias 17 e
23 de dezembro, festas acompanhadas de lautos banquetes e
distribuição de presentes. Independentemente disso, porém, para
nós cristãos, o que interessa é o nascimento de Cristo, que
aconteceu uma vez na história, mas que se repete constantemente em
nossos corações, quando renovamos nosso compromisso de viver
segundo o evangelho.
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