domingo, 13 de janeiro de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - EPIFANIA DO SENHOR - 06.01.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – EPIFANIA DO SENHOR – 06.01.2019

Caros Leitores:

Neste domingo, celebra-se a festa litúrgica da Epifania do Senhor, palavra grega que significa “manifestação” e que comemora a visita que a família de Nazaré recebeu pelos Magos vindos do Oriente. A epifania designa também a universalidade da salvação trazida por Cristo, representada na presença das autoridades vindas de terras distantes, portanto, de fora do território judaico. O texto bíblico não informa a cidade de onde eles vieram, mas apenas que vieram de terras longínquas no oriente, guiados pela estrela. Também não afirma que eram reis, sendo essa designação creditada a tradições muito antigas. Alguns estudos associam a figura da estrela com o cometa de Halley ou talvez um outro astro errante no espaço sideral, contudo não há conclusões definitivas. Este fato é relatado apenas pelo evangelista Mateus, por isso há quem afirme que não é um acontecimento real, mas trata-se de uma história composta pelo evangelista, com o objetivo de enfatizar a profecia de Miquéias e demonstrar a origem familiar de Cristo no clã do rei Davi. Todas, porém, são opiniões sem as necessárias evidências.

O evangelho de Mateus fala em 'magos do Oriente', mas também não se deve entender esta palavra no sentido que ela tem hoje. Conforme registros históricos atribuídos a Heródoto, os magos seriam sacerdotes eruditos de uma religião que teria existido na região da Mesopotâmia, região terrestre que hoje corresponde ao Irã ou Iraque. Essa religião era, na verdade, uma forma arcaica da ciência astronômica e esses sacerdotes eram pessoas que estudavam os livros sagrados e costumavam observar os astros no céu, ou seja, eram uma espécie de antigos astrônomos. Com isso se explica o fato de que notaram uma “estrela” diferente e tentaram interpretá-la, com o conhecimento que eles tinham de antigas escrituras. Eles eram provavelmente sacerdotes do zoroastrismo, religião fundada por Zaratustra, cerca de 1.500 anos antes de Cristo e originária dessa mesma região. Bem, o modo como este fato aconteceu, assim como as motivações envolvidas, fazem parte do universo das controvérsias históricas, sendo mais amparado por antigas tradições do que por documentos escritos.

Sob o aspecto litúrgico, a festa da Epifania do Senhor, nas Igrejas católicas gregas, é também a celebração do Natal, pois eles não comemoram o natal em 25 de dezembro, como na Igreja católica romana. Aliás, este foi um dos motivos que levou ao cisma, em 1054, porque não houve acordo acerca desse e de outros pontos de discussão. Os orientais acusaram os europeus de terem-se rendido ao poder do imperador romano, que estabeleceu a data e a forçou autoritariamente os bispos ocidentais a aceitá-la. Com isso, nós concluímos que a festa da Epifania é mais antiga do que a celebração do Natal, como nós temos na Igreja romana; também concluímos que as Igrejas católicas orientais celebram em conjunto as duas festas: o Natal e a Epifania, porque na verdade, elas são uma festa só.

Com efeito, o termo grego “epiphania” é o substantivo derivado do verbo “epiphainow”, que significa aparecer, mostrar-se, apresentar-se. A epifania é a festa da manifestação do Salvador, e isso se deu efetivamente no Natal. Ao separar as datas, e portanto, a comemoração em duas festas, a Igreja romana celebra dois Natais: um em 25 de dezembro, o Natal – nascimento de Cristo e outro, nesta data, o Natal – manifestação de Cristo às nações do mundo, representados na pessoa dos “magos” orientais. O dirigente romano em Jerusalém, Herodes, também tinha no palácio um conselho de sacerdotes, adivinhos, magos, que além de chefes religiosos, eram também os cientistas daquele tempo, os que sabiam ler e estudavam os poucos documentos conhecidos. Foi a estes que Herodes recorreu para tentar entender aquela notícia que os magos orientais traziam, acerca do nascimento do rei dos Judeus.

A liturgia da Epifania procura integrar os textos do antigo e do novo testamentos, no caso, o livro de Isaías com o evangelho de Mateus. No livro de Isaías (na verdade, o deutero-Isaías), cap. 60, 1, o autor conclama Jerusalém a se alegrar, porque “sobre ti apareceu o Senhor e a sua glória se manifestou”. E diz mais adiante (60, 6): “será uma inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te cobrir; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor. ” Por certo, a viagem dos “magos” era acompanhada de uma caravana de camelos e dromedários, pois pela liderança que eles deviam ter e por tratar-se de uma viagem de longa distância, deviam trazer grande séquito. Com grande certeza, eles não viajavam sozinhos, apenas os três conhecidos.

No evangelho de Mateus (2, 2), se concretiza o que foi dito pelo profeta Isaías: “eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: 'Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.' ” Até o Salmista (71, 10), faz coro com essa proclamação, ao cantar: “Os reis de Társis e das ilhas hão de vir e oferecer-lhes seus presentes e seus dons; e também os reis de Seba e de Sabá hão de trazer-lhe oferendas e tributos. ” A escritura está permeada de passagens assemelhadas, nas quais essas referências se reproduzem. O evangelista, que conhecia, como bom judeu, a Lei e os Profetas, trata de integrar as profecias no seu texto, como forma de comprovar que Jesus é o Messias prometido, numa época em que muitos judeus teimavam e duvidavam em admitir isso. Embora os textos escritos e demais documentos históricos sejam escassos, verificamos que esta é a fé que se construiu desde os primeiros tempos do cristianismo, de modo que a sua credibilidade está no fato de ser uma tradição muitíssimo antiga.

A aliança original de Javé foi com os judeus, mas estes não reconheceram em Jesus o Salvador que veio confirmar a promessa, então diante da descrença deles, o evangelho foi pregado aos gentios, ou seja, àqueles que não descendem dos antigos patriarcas. A figura dos “magos” colocada nesse contexto do nascimento de Jesus faz parte do propósito do evangelho de mostrá-Lo como o Salvador de todas as nações, e não apenas do povo de Israel. Foi isso que Jesus ensinou aos discípulos, em diversas ocasiões, ao observar a indiferença e mesmo a hostilidade daqueles que deveriam recebê-lo como Salvador e por isso mandou que eles divulgassem a sua mensagem aos outros povos, porque a aliança proposta por Javé não se limitava a um punhado de israelitas. Mateus quer mostrar que, desde o seu nascimento, Jesus atraiu para si também os povos pagãos, representados pelos magos.

Esta universalidade da salvação trazida por Cristo é o tema da carta de Paulo aos Efésios (3, 2-6), onde ele retoma a ideia da recusa dos judeus e o anúncio do evangelho aos gentios: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.” Sabemos, pelos estudos históricos, que foi nas colônias gregas do império romano onde o cristianismo começou a ganhar corpo como religião, foi lá onde se fundaram as primeiras comunidades e se ergueram as primeiras igrejas formalmente organizadas, aquelas que hoje nós chamamos de “Igrejas orientais”. Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Filipos, Éfeso, Galácia, Colossos, Esmirna, Tessalônica, Constantinopla, só bastante tempo depois, o cristianismo finalmente chegou a Roma e de lá espalhou-se pela Europa, vindo depois para a América, onde atualmente estão localizados os católicos em maior profusão no mundo todo. Sem deixar de mencionar o grande número de fiéis das diversas igrejas não católicas e ainda daqueles homens e mulheres de boa vontade que, mesmo sem professarem abertamente a fé cristã, no entanto, realizam em suas vidas o ensinamento de Cristo contido nos evangelhos. O Papa Francisco já proclamou, em diversas ocasiões, que também os ateus que seguem retamente a sua consciência estão no caminho da salvação, porque ao praticarem o autêntico humanismo, estão em sintonia com o pensamento cristão.

Curioso notar que nem Lucas nem Marcos se referem ao episódio da visita dos “magos”, deixando-nos a cogitar se eles não tinham conhecimento desses fatos ou se não consideraram suficientemente importantes para incluí-los nos seus textos. O mais provável, conforme explicam os exegetas, é que esta fonte era conhecida por Mateus e provavelmente não chegou ao conhecimento dos outros dois evangelistas. Uma prova disso seria que os evangelhos de Lucas e Marcos foram escritos na língua grega, portanto, na região das colônias gregas do império romano, enquanto o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em aramaico, a mesma língua falada por Jesus, e só depois traduzido para o grego. Isso justificaria o fato de que, no local onde Marcos e Lucas moravam, essa tradição dos magos não era conhecida e, por isso, não foi mencionada por eles.

Mas independentemente dessas polêmicas históricas e literárias, o que nos interessa é destacar na epifania o símbolo da universalidade da mensagem cristã, quando os tempos se completaram e o Verbo se encarnou. A nossa fé é o maior testemunho dessa universalidade, pois é graças a isso que chegou até nós a mensagem da salvação.

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