O “SIM” DE MARIA
Neste domingo (20.12.2020), a liturgia católica mostra a ascendência genealógica de Jesus como filho de Davi, destacando que José e Maria são descendentes de Davi. Ou seja, Jesus é filho de Davi seja pelo lado paterno (adotivo) de José, seja pelo lado materno biológico de Maria.
O evangelista Lucas (Lc 1, 26-38) é enfático em afirmar que José era descendente de Davi. Não podendo afirmar que José gerou Jesus, o evangelista refere que José era da família de Davi e era esposo de Maria, a mãe de Jesus. Foi assim que o anjo Gabriel a instruiu: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim' ” (Lc 1, 31). Observemos que José era pai adotivo de Jesus, porém mesmo sem ser filho biológico, Jesus era herdeiro legal de José, portanto, herdeiro da tradição de Davi.
A escritura não menciona que Maria era descendente de Davi, somente a tradição afirma isso. Existe um testemunho de Santo Irineu, que viveu nos primeiros séculos do cristianismo, de que Maria também era da linhagem de Davi, testemunho considerado válido, embora não conste nos relatos dos evangelistas. Talvez fosse até mais fácil de fundamentar a descendência de Jesus em relação a Davi através da análise de genealogia de Maria. Contudo, naquela época em que prevalecia a linhagem masculina, para evitar quaisquer dúvidas acerca da validade da profecia, se por acaso ficasse demonstrada apenas a descendência pelo lado feminino, os evangelistas destacam sempre a descendência pelo lado de José, deixando de considerar a genealogia de Jesus pelo lado familiar de Maria. Daí porque tal referência só está presente na tradição.
Interessante nesse contexto é observar a forma como a revelação divina foi dada a Maria, diferente do modo tradicional em que isso acontecia. De acordo com a tradição judaica, as mensagens proféticas de Javeh aos seus escolhidos eram dadas através de sonhos, portanto, quando eles não estavam despertos. Porém, no caso de Maria, ela não apenas estava desperta, mas chegou a dialogar com o anjo e expor suas dúvidas, fez perguntas que o anjo respondeu e a tranquilizou.
Por sua vez, o caso do sonho de José acerca da gravidez de Maria é um desses exemplos de revelação recebida em sonho. Outro caso também relacionado com José é aquele episódio em que ele recebeu uma “ordem” de fugir com Maria e o menino para o Egito, até passar a perseguição de Herodes, através de outro sonho. Com base nessa análise, pode-se afirmar que a revelação a Maria teve uma característica totalmente peculiar, fora do padrão em que isso costumava acontecer. Certamente, porque o evento que esta revelação abordava não era apenas uma intervenção de Javeh na história dos homens, mas a autêntica redenção prometida, a intervenção última e definitiva.
Com bastante probabilidade, o diálogo de Maria com o anjo foi bem mais demorado e detalhado do que aquele apresentado na narração bíblica. Maria era muito jovem e estava no início de sua vida adulta, ainda não começara sua coabitação com José. Muito provavelmente, o anjo também explicou logo a ela que aquele filho lhe traria muitas alegrias e também muitos sofrimentos, talvez o anjo tenha mesmo antecipado a sua morte cruel, como parte do plano da salvação. Era necessário que ela ficasse bastante informada e segura do que estava por acontecer, para que ela finalmente concordasse ou não. E obviamente a gestação não teria iniciado, caso ela tivesse recusado. Daí a importância do “sim” de Maria, porque naquele momento, ela mesmo sabendo antecipadamente dos atrozes sofrimentos que teria de suportar futuramente, ainda assim colocou-se submissa à vontade de Deus: ciente, de acordo, faça-se conforme a tua palavra. E o anjo retirou-se.
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