NOVOS CÉUS E NOVA TERRA
Neste domingo (06.12.2020), o segundo do advento, a liturgia católica, destaca a importância do papel de João Batista, o Precursor, conclamando o povo para o batismo da conversão, em preparação da chegada daquele que haveria de vir. O profeta Isaías (Is 40, 1-11) nos convida a vivenciar o tempo do advento na alegria da espera da nossa libertação: “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de nosso Deus. Nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas.”
Mas é na leitura da segunda carta de Pedro que encontramos um conceito merecedor de nossa atenção: “novos céus e nova terra” (2Pd 3, 8-14). Todos sabemos, Pedro não era nenhum intelectual, ao contrário, era homem de poucas letras, pois fora criado à margem do Lago de Genesaré, onde se dedicava ao ofício da pesca profissional, quando recebeu o chamado de Jesus. Estima-se que as cartas de Pedro foram escritas por Marcos, que era discípulo dele e o acompanhava. Diferentemente de Paulo, que escrevia aos gentios, isto é, aos povos pagãos, que não conheciam a tradição judaica, Pedro escrevia para uma comunidade de Judeus, daí porque ele não precisava explicar muitas coisas, pois os seus leitores já conheciam. No trecho dessa leitura, Pedro destaca a promessa divina de que, no futuro, surgirão novos céus e nova terra, onde habitará a justiça. A terra atual será destruída no final dos tempos.
É preciso compreender que essa imagem da destruição total não pode ser tomada no sentido físico, geocósmico, mas no sentido da destruição do pecado e da injustiça, para cederem lugar à justiça que vem de Deus. É interessante observarmos o uso do termo no plural: “novos céus” (no original grego, kainoús dé ouranoús), enquanto “terra” está no singular. Isso deve significar que Pedro acreditava na tradição judaica acerca da existência de sete céus (o primeiro deles, chamado Vilon, seria o local onde originalmente moravam Adão e Eva, de onde eles “caíram” para a terra; a este primeiro céu, seguiam-se outros até chegar ao sétimo céu, que seria propriamente a morada de Deus). Dessa concepção judaica antiga, parte a ideia de que os céus “cairão” sobre a terra, porque essa era a noção geográfica daquela época. Visto que Pedro escrevia aos judeus, ele não precisava explicar com detalhes o que seriam esses céus, que seriam renovados.
Referindo-se à terra (no original grego, gen kainen), aparece outra vez o adjetivo “kainos”, que significa algo inédito, extraordinário, nunca visto antes. Ou seja, a tradução de ‘kainos’ por “novo” em português não indica toda a força que a palavra grega possui. Assim, os novos céus e a nova terra representam a ideia de um processo de depuração, de purificação, não sendo simplesmente uma coisa que vem substituir outra, assim como nós passamos a usar um novo sapato e jogamos o outro no lixo. O “novo” tem aqui o sentido da renovação plena, de tomar algo que está velho e fazê-lo tornar-se novo outra vez. E acerca dos “sete” céus, esse conceito continua vigente no talmud judaico e significa uma espécie de local físico, embora muito elevado, porém não é compatível com o conceito de céu uno presente na doutrina teológica cristã.
Portanto, deixando de lado essa noção arcaica dos sete céus, entendida quase no sentido cosmológico, a mensagem da carta de Pedro nos incentiva a vivermos na esperança da renovação prometida, cuja realização depende também do esforço de cada um de nós: “vivendo nessa esperança, esforçai-vos para que ele vos encontre numa vida pura e sem mancha e em paz.” Tal como Paulo fez em suas cartas, Pedro também adverte os cristãos mais apressados para que tenham paciência para esperar a vinda do Senhor, pois “para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia. O Senhor não tarda a cumprir sua promessa, como pensam alguns, achando que demora.” Passados hoje mais de dois milênios e considerando a evolução dos conhecimentos científicos acerca do universo, devemos compreender esses “novos céus e nova terra” no sentido metafórico teológico e espiritual, de modo que vivendo nessa “velha” terra o “reino de Deus”, estamos antecipando pela fé a vida na Jerusalém celeste, servindo como nosso guia nessa caminhada o evangelho de Cristo.
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