COMENTÁRIO LITÚRGICO – 7º DOMINGO COMUM – SANTUÁRIOS VIVOS – 23.02.2014
Caros Confrades,
Neste 7º domingo comum, a liturgia nos recorda que somos santuários vivos de Cristo, que habita em nós. O apóstolo Paulo esclarece isso na primeira carta aos Coríntios: vós todos sois de Cristo e Cristo é de Deus. Portanto, nós todos somos templos vivos do Espírito Santo, este é o fundamento do amor ao próximo pregado pelo cristianismo, pois todos temos e somos essa mesma prerrogativa.
Na primeira leitura, do livro do Levítico (19, 1-18), Moisés transmite ao povo o recado dado por Javé: sede santos assim como eu sou santo e, recordando o primeiro mandamento, repete o refrão da santidade: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Anos depois, Cristo irá dizer aos discípulos que este é o primeiro e o maior mandamento. Mas a lei de Moisés ainda era muito restritiva em relação a este amor ao próximo, pois considerava o próximo apenas os compatriotas, os amigos, permitindo o ódio aos inimigos. Como sabemos, Cristo veio ampliar o conceito do próximo, estendendo-o inclusive aos “inimigos”, como é o caso famoso da parábola do Bom Samaritano. Aqui está a grande e essencial diferença entre a lei antiga e a nova lei, entre o cumprimento restrito da lei e o cumprimento desta com sabedoria, conforme tema abordado no comentário do domingo passado e que terá continuidade na leitura do evangelho deste domingo, nas próximas linhas.
Paulo diz novamente, na primeira carta aos Coríntios (1Cor 3, 16-23), continuando o ensinamento já abordado no comentário do domingo anterior, que os cristãos não se devem deixar levar pela sabedoria das coisas do mundo, mas pela sabedoria que provém de Deus. E como isso será possível? Porque nós somos santuários de Deus e o Espírito de Deus habita em nós. Aquele que se inebria com a sabedoria mundana é um insensato e destrói em si próprio esse templo onde Deus habita, tornando-se habitação do mal. Assim ele diz no versículo 18: “Ninguém se iluda: Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade.” Quem não abomina essa sabedoria insensata e fugaz, fundada apenas em conceitos e experiências materiais, ao contrário, a cultua, fecha a porta ao Espírito de Deus e não será capaz de compreender a sabedoria verdadeira. Portanto, nós somente seremos templos vivos do Espírito Santo quando tivermos a mente aberta para aceitar e colocar em prática aquilo que Cristo ensinou, isto é, o verdadeiro cumprimento da lei, o cumprimento desta com sabedoria.
Prosseguindo na mesma temática do domingo passado, temos no dia de hoje a sequência do evangelho de Mateus (5, 38-48), na parte onde Cristo está ensinando com todo o seu engenho pedagógico, o verdadeiro cumprimento da lei, que Ele não veio abolir, mas aperfeiçoar. Neste domingo, Ele nos traz dois novos exemplos, que se somam aos que já comentamos antes.
No primeiro exemplo de hoje, diz Ele: “ouviste o que foi dito aos antigos: olho por olho e dente por dente” (Mt 5, 38). Esse preceito multimilenar está presente em todas as culturas antigas e simboliza o conceito mais antigo de justiça que os seres humanos formularam, isto é, a justiça proporcional ou vingança controlada. Os estudiosos apontam que essa regra do “olho por olho, dente por dente” veio do Código de Hamirábi, um rei que governou a Babilônia cerca de dois mil anos antes de Cristo. Esse preceito foi incorporado nas culturas da época, observando-se referências a ele entre os hebreus, gregos e romanos. Na primeira lei romana, conhecida como Lei das XII Tábuas, essa regra já fora inserida, determinando que uma pessoa não podia “cobrar” da outra mais do que o prejuízo causado, dando início assim ao conceito de equidade, que foi reconhecido posteriormente como sendo o cerne de todos os direitos. Jesus faz referência, portanto, a um preceito bastante conhecido e certamente praticado pelos judeus.
Pois bem, diz Jesus: os antigos ensinaram isso – olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: “não tomem como modelo as pessoas más”. É dessa forma que eu traduzo a frase que está em Mt 5, 39. O original grego transliterado é: “mê antistenai tô ponero”, frase que São Jerônimo traduziu em latim como “non resistere malo”. A tradução da CNBB para esse texto não me parece bem apropriada: “não enfrenteis quem é malvado”. Aqui entre nós, parece-me que São Jerônimo teve um entendimento inadequado do verbo grego “antistenai” e traduziu por “resistire”, que em português seria “resistir”. Mas, pelo meu entendimento, o verbo grego tem o sentido de “não vos compareis” com os maus, isto é, não façais igualmente aos maus, não imitem o comportamento deles. Da forma como está traduzido (não façais resistência aos maus) dá uma idéia de fraqueza, de acovardamento, como se o cristão devesse ter medo dos maus, não reagir aos maus, não enfrentar o malvado. Então, o conselho de “oferecer a outra face” para quem te bate no rosto transmite uma idéia de fraqueza, de não reação. Parece-me que Cristo quis dizer outra coisa: os maus agem assim, vocês, porém, não devem tomar esse comportamento como exemplo, façam diferente deles, não por medo, mas por convicção. Em resumo, não se equiparem aos maus, não repitam suas ações, não se comportem como eles. Esse deve ser, segundo penso, o verdadeiro significado da recomendação de “oferecer a outra face”. Se você revidar um bofete, você estará repetindo o mau exemplo dado por quem lhe ofendeu. Então, não retribua a violência com violência, mas com o amor.
Esta mesma lição nós encontramos em Paulo aos Romanos (12, 20), quando ele diz: “se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber, assim amontoarás brasas sobre a sua cabeça”. Fora do contexto bíblico, Pelé ensinava aos jogadores mais jovens: quando algum adversário te empurrar, não faça resistência, caia e ele cairá junto contigo. Porque ele espera que você resista, então ele será surpreendido. Em todas essas situações, o ensinamento é o mesmo, ou seja, não tomem como exemplo o adversário, façam o oposto, faça o que ele não espera, surpreenda-o e assim você terá uma atitude superior, uma atitude de bem, um testemunho de ser verdadeiro seguidor do ensinamento de Cristo.
Complementa esta lição o outro exemplo dado por Cristo, na sequência do evangelho de Mateus (5, 43): os antigos diziam – ama teu próximo e odeia teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, orai pelos que vossos perseguidores. Meus amigos, com essa, Cristo pegou pesado e nos colocou o maior desafio do evangelho. Amar os amigos e odiar os inimigos é fácil. Mas assim, que diferença haverá entre o cristão e o não cristão? Os pagãos também fazem assim, os pecadores, idem. O cristão tem que ser diferente: amar os amigos e os inimigos, fazer o bem a quem faz o mal. O escritor James C. Hunter, no conhecido livro “O monge e o executivo”, faz uma interpretação interessante desse ensinamento de Cristo. Diz ele que na frase “amar os inimigos”, o significado do verbo “amar” é diferente da frase “amar os amigos”. Explicando melhor, seria assim: quanto aos amigos, amar tem o sentido sentimental, afetivo; quanto aos inimigos, tem o sentido puramente comportamental, ético. Então, a frase “amar os inimigos” quer dizer comportar-se de um modo ético mesmo com aquelas pessoas que fizeram algum mal a você, portanto, não exercitar a vingança, não se aproveitar de uma ocasião futura para ir à desforra. Amar os inimigos significaria, dessarte, ser ético com todos, tratar as pessoas más da mesma forma como se deve tratar qualquer pessoa, com ética e dignidade, mesmo que sentimentalmente a sua vontade seja de esganar o adversário.
Parece-me que ele tem certa razão. No texto grego, o verbo que está traduzido por “amai” é “agapate”, donde provém a palavra “ágape”. Quando eu estudei antropologia teológica, aprendi que os gregos conheciam três significados para o verbo “amar”: sentido 1 – amor erótico; sentido 2 – amor amizade; sentido 3 – amor fraternidade. Esse terceiro sentido se refere à convivência humana, ao modo respeitoso como as pessoas devem tratar umas às outras, independente de quem seja. Então, seguindo o raciocínio de J. Hunter, podemos concluir que amar os amigos tem o sentido 2, amar os inimigos tem o sentido 3. Eu continuo pensando que a doutrina de Cristo não faz essa distinção, no entanto, pode ser uma forma de atenuar o rigor do desafio que Cristo nos deixou e, assim fazendo, quem sabe, aos poucos chegaremos a encarar o desafio de forma completa. Que o divino Mestre nos socorra com engenho e arte, para conseguirmos colocar em prática os seus ensinamentos.
domingo, 23 de fevereiro de 2014
domingo, 16 de fevereiro de 2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO - 6º DOMINGO COMUM - O CUMPRIMENTO DA LEI - 16.02.2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO – 6º DOMINGO COMUM – O CUMPRIMENTO DA LEI – 16.2.2014
Caros Confrades,
Na liturgia deste 6º domingo comum, o tema que escolhi para nossa reflexão é o do cumprimento da lei, não de qualquer forma, mas o autêntico cumprimento da lei. Primeiro, Jesus diz que nenhuma palavra e nenhuma vírgula será retirada da lei antes que tudo seja cumprido. Depois, ele explica como se faz para cumprir a lei com sabedoria, sem apego a fundamentalismos ou ao exagero das palavras.
Na primeira leitura, do livro do Eclesiástico (Eclo 15, 16-21), o autor sagrado faz a relação entre a observância da lei e a vida longa do fiel. Se observares os mandamentos, eles te guardarão. Diante de nós, porém, esclarece o hagiógrafo, estão o bem e o mal, a vida e a morte, cabe a cada um escolher. Obviamente, quem escolhe o bem está escolhendo viver; quem escolhe o mal está escolhendo morrer. Nisso o Senhor não irá intervir, pois ele deu a liberdade ao ser humano para que ele próprio determine os rumos de sua ação. No entanto, o resultado das nossas escolhas já é previamente conhecido. Os olhos do Senhor só se voltam para os que o temem, a ninguém Ele deu licença para pecar. Pecar é fazer a opção pelo mal, pela natureza humana perversa e enganosa, pelo egoísmo e pela falta da caridade. Quem pensa estar se resguardando para si mesmo e não tem abertura para os irmãos se engana, porque quem escolhe fazer o mal não terá a garantia da vida, que é dada somente para os que observam os mandamentos.
Na segunda leitura, o apóstolo Paulo explica à comunidade de Corinto (1Cor 2, 6-10) a diferença entre a sabedoria dos homens e a sabedoria divina. Esta é misteriosa e Deus só a revela para os que lhe são caros. O poder mundano e o prestígio que lhe está associado nunca alcançarão sabedoria misteriosa. A nós, porém, Deus revelou esse mistério pelo Espírito, através dos ensinamentos de Cristo. Agir com sabedoria, portanto, é agir de acordo com os ideais cristãos, é ser um verdadeiro seguidor de Cristo. Essa sabedoria misteriosa é algo que nenhum olho jamais viu, nenhum ouvido jamais ouviu, nenhum coração jamais pressentiu. Por que é assim? Porque ela só é alcançada por intermédio da fé. Somente os olhos e os ouvidos da fé alcançarão o elevado patamar onde essa sabedoria se encontra. Somente com a iluminação que vem do Espírito poderá a pessoa humana ver e ouvir os ensinamentos dessa sabedoria divina.
No evangelho de Mateus (Mt 5, 17-37), num trecho bastante longo, Cristo explica bem detalhadamente como se pode cumprir a lei com sabedoria. Primeiramente, Ele esclarece que não veio revogar a lei ou os profetas, mas veio cumprir a lei como ela deve ser cumprida. Depois, Ele adverte que a lei deve ser cumprida por inteiro: nem uma só letra ou vírgula será retirada da lei, antes que tudo se cumpra. Logo depois, ele faz uma afirmação surpreendente: quem descumprir algum dos mandamentos, por menor que seja, terá no reino dos céus um lugarzinho insignificante, lá atrás daqueles que cumpriram tudo. É curioso observar que Cristo não disse: quem descumprir a lei irá para o inferno. No entanto, continua Ele, se a vossa justiça não for superior à dos mestres da lei e dos fariseus, aí sim, vocês não entrarão no reino dos céus. Qual a diferença que se observa nessas duas advertências? É porque os fariseus e mestres da lei cumpriam os mandamentos de forma errada, exagerando no rigor das palavras e sem levar em consideração a misericórdia divina. Deus não é um fanático ou um burocrata que se preocupa muito mais com o formalismo do que com a consciência. Deus quer que nós cumpramos a lei usando de sabedoria, não como os fariseus o faziam, preocupando-se com detalhes e exterioridades. Então, Cristo vai tirar três exemplos da lei e mostrar, bem claramente, que a busca do espírito da lei deve estar sempre acima das suas formalidades.
Exemplo 1. “Ouviste o que foi dito aos antigos: não matarás. Quem matar, será condenado pelo tribunal.” (Mt 5, 21). Os fariseus interpretavam essa norma no seu sentido puramente literal de matar ser igual a tirar a vida de outrem. Então, Jesus vai dizer que “matar” não é apenas eliminar uma pessoa, mas intrigar-se com o irmão já equivale a matá-lo. Dizer palavrão com o irmão é o mesmo que matá-lo. Ficar com raiva do irmão é outra forma de matá-lo também. E para explicar ainda mais esse novo sentido de “matar”, ele diz: se você estiver diante do altar para fazer a sua oferenda e se lembrar que tem alguma desavença com alguém, não faça a oferta, vá primeiro resolver esse problema. Não adianta fazer a oferenda exteriormente, enquanto o coração está fechado para o irmão. Isso faz lembrar uma homilia do Papa Francisco, na semana passada. Ele disse assim: não saiam da missa fofocando dos irmãos. Quem vai à igreja e sai fofocando depois, é melhor não ir. Vejam que interessante, o Papa está repetindo o mesmo ensinamento de Cristo, atualizando para a linguagem do nosso tempo. Fofocar é uma nova forma de “matar” o irmão. Essa atitude destrói a oração que você fez, ou melhor dizendo, invalida tudo. Quem não vai à igreja disposto a entrar no clima da oração, a encontrar-se com Deus e com irmãos, então é melhor que não vá. Eu nunca tinha sabido de um Papa que tivesse dado um conselho desses. Obviamente, ele não está dizendo que as pessoas não devem ir à igreja, ao contrário, que as pessoas não devem fofocar. Além de ser falta de caridade, produz um mau exemplo para a comunidade. Está descumprindo a lei e ainda levando outras pessoas a descumprirem também.
No outro exemplo, Jesus diz: também foi dito que não se deve cometer adultério. Os fariseus pensavam que adulterar era apenas ter um intercurso sexual com uma mulher. Jesus vem então explicar que não é só isso, mas se tiver apenas o desejo, já cometeu adultério. E esse desejo não significa apenas o instinto sexual, mas qualquer forma de demonstrar inveja por algo que o irmão possui e a pessoa invejosa fica desejando. Não esqueçamos que, na época de Cristo, a mulher era um dos pertences do marido, assim como os rebanhos, as propriedades, os escravos, os bens materiais em geral. Portanto, devemos entender a ordem de “não cometer adultério” como toda forma de desejar os bens do irmão, de invejar-lhe a posição que tem, o prestígio de que desfruta, as amizades que o rodeiam, a personalidade que a pessoa tem. Cometer adultério vai muito além da esfera da sexualidade para alcançar todos os desejos que sejam frutos da cobiça, da inveja, da maldade, do egoísmo, da vontade de dominar, da busca incontrolada pela posse de bens materiais.
Num terceiro exemplo, Jesus diz: também vocês ouviram dizer para não fazerem juramentos falsos. Os fariseus achavam que isso se referia apenas às manifestações exteriores de afirmações ou negações. Eram tão exagerados nesse entendimento que nunca pronunciavam o nome de Javé, por receio de pronunciá-lo em vão. Tanto assim que, atualmente, não se sabe mais como era a pronúncia original dessa palavra, que ficou perdida pelo continuado desuso. Pois bem, diz Jesus, eu digo que vocês não devem jurar de jeito nenhum. Por que havia o costume de fazer juramentos? Porque não se podia acreditar na palavra das pessoas. Então, se alguém jurasse invocando os céus ou os altares ou um lugar sagrado, então as outras pessoas acreditariam, porque a pessoa estaria se expondo a um castigo, caso mentisse. Visto que nada de mau havia recaído sobre o jurador, então isso confirmaria a veracidade das afirmações. Ora, é claro que esse apelo a algo sagrado não dava nenhuma garantia da verdade das afirmações, porque as pessoas podiam continuar a mentir e ninguém mais contestava, ou seja, o juramento não passava de mais uma formalidade exterior. Então, Jesus ensinou: não precisa vocês jurarem, basta falarem a verdade sempre. Se o seu “sim” ou “não” forem sempre verdadeiros, as pessoas acreditarão pela credibilidade da sua pessoa, não pelos santos ou lugares sagrados que acaso forem invocados.
Vemos, nesses exemplos que o próprio Cristo escolheu, o que significa cumprir fielmente a lei, cumprir a lei com sabedoria. É curioso observarmos que, apesar do ensinamento de Cristo, apesar da sua rejeição ao formalismo das normas, nós ainda constatamos, nos dias de hoje, pessoas que se dizem cristãs apegadas aos formalismos, às regras canônicas, aos fundamentalismos exegéticos, à escravidão das palavras, esquecendo a lição que Cristo nos deixou, de forma tão clara e com perfeição didática. Quando Ele disse que nenhuma letra ou vírgula seria retirada da lei, antes que tudo fosse cumprido, ele se referia a Si próprio, ao que as escrituras predisseram acerca d'Ele. Ele se referia à lei de Moisés, à lei antiga, os evangelhos não existiam ainda. Naturalmente, a mesma sabedoria que Ele demonstrou que deve ser adotada na interpretação da lei antiga também será adotada para a compreensão da nova lei. Ele não nos deixou escravos das palavras, mas nos ensinou a buscarmos constantemente o espírito delas. Que nós saibamos sempre ler e compreender com sabedoria os seus mandamentos.
Caros Confrades,
Na liturgia deste 6º domingo comum, o tema que escolhi para nossa reflexão é o do cumprimento da lei, não de qualquer forma, mas o autêntico cumprimento da lei. Primeiro, Jesus diz que nenhuma palavra e nenhuma vírgula será retirada da lei antes que tudo seja cumprido. Depois, ele explica como se faz para cumprir a lei com sabedoria, sem apego a fundamentalismos ou ao exagero das palavras.
Na primeira leitura, do livro do Eclesiástico (Eclo 15, 16-21), o autor sagrado faz a relação entre a observância da lei e a vida longa do fiel. Se observares os mandamentos, eles te guardarão. Diante de nós, porém, esclarece o hagiógrafo, estão o bem e o mal, a vida e a morte, cabe a cada um escolher. Obviamente, quem escolhe o bem está escolhendo viver; quem escolhe o mal está escolhendo morrer. Nisso o Senhor não irá intervir, pois ele deu a liberdade ao ser humano para que ele próprio determine os rumos de sua ação. No entanto, o resultado das nossas escolhas já é previamente conhecido. Os olhos do Senhor só se voltam para os que o temem, a ninguém Ele deu licença para pecar. Pecar é fazer a opção pelo mal, pela natureza humana perversa e enganosa, pelo egoísmo e pela falta da caridade. Quem pensa estar se resguardando para si mesmo e não tem abertura para os irmãos se engana, porque quem escolhe fazer o mal não terá a garantia da vida, que é dada somente para os que observam os mandamentos.
Na segunda leitura, o apóstolo Paulo explica à comunidade de Corinto (1Cor 2, 6-10) a diferença entre a sabedoria dos homens e a sabedoria divina. Esta é misteriosa e Deus só a revela para os que lhe são caros. O poder mundano e o prestígio que lhe está associado nunca alcançarão sabedoria misteriosa. A nós, porém, Deus revelou esse mistério pelo Espírito, através dos ensinamentos de Cristo. Agir com sabedoria, portanto, é agir de acordo com os ideais cristãos, é ser um verdadeiro seguidor de Cristo. Essa sabedoria misteriosa é algo que nenhum olho jamais viu, nenhum ouvido jamais ouviu, nenhum coração jamais pressentiu. Por que é assim? Porque ela só é alcançada por intermédio da fé. Somente os olhos e os ouvidos da fé alcançarão o elevado patamar onde essa sabedoria se encontra. Somente com a iluminação que vem do Espírito poderá a pessoa humana ver e ouvir os ensinamentos dessa sabedoria divina.
No evangelho de Mateus (Mt 5, 17-37), num trecho bastante longo, Cristo explica bem detalhadamente como se pode cumprir a lei com sabedoria. Primeiramente, Ele esclarece que não veio revogar a lei ou os profetas, mas veio cumprir a lei como ela deve ser cumprida. Depois, Ele adverte que a lei deve ser cumprida por inteiro: nem uma só letra ou vírgula será retirada da lei, antes que tudo se cumpra. Logo depois, ele faz uma afirmação surpreendente: quem descumprir algum dos mandamentos, por menor que seja, terá no reino dos céus um lugarzinho insignificante, lá atrás daqueles que cumpriram tudo. É curioso observar que Cristo não disse: quem descumprir a lei irá para o inferno. No entanto, continua Ele, se a vossa justiça não for superior à dos mestres da lei e dos fariseus, aí sim, vocês não entrarão no reino dos céus. Qual a diferença que se observa nessas duas advertências? É porque os fariseus e mestres da lei cumpriam os mandamentos de forma errada, exagerando no rigor das palavras e sem levar em consideração a misericórdia divina. Deus não é um fanático ou um burocrata que se preocupa muito mais com o formalismo do que com a consciência. Deus quer que nós cumpramos a lei usando de sabedoria, não como os fariseus o faziam, preocupando-se com detalhes e exterioridades. Então, Cristo vai tirar três exemplos da lei e mostrar, bem claramente, que a busca do espírito da lei deve estar sempre acima das suas formalidades.
Exemplo 1. “Ouviste o que foi dito aos antigos: não matarás. Quem matar, será condenado pelo tribunal.” (Mt 5, 21). Os fariseus interpretavam essa norma no seu sentido puramente literal de matar ser igual a tirar a vida de outrem. Então, Jesus vai dizer que “matar” não é apenas eliminar uma pessoa, mas intrigar-se com o irmão já equivale a matá-lo. Dizer palavrão com o irmão é o mesmo que matá-lo. Ficar com raiva do irmão é outra forma de matá-lo também. E para explicar ainda mais esse novo sentido de “matar”, ele diz: se você estiver diante do altar para fazer a sua oferenda e se lembrar que tem alguma desavença com alguém, não faça a oferta, vá primeiro resolver esse problema. Não adianta fazer a oferenda exteriormente, enquanto o coração está fechado para o irmão. Isso faz lembrar uma homilia do Papa Francisco, na semana passada. Ele disse assim: não saiam da missa fofocando dos irmãos. Quem vai à igreja e sai fofocando depois, é melhor não ir. Vejam que interessante, o Papa está repetindo o mesmo ensinamento de Cristo, atualizando para a linguagem do nosso tempo. Fofocar é uma nova forma de “matar” o irmão. Essa atitude destrói a oração que você fez, ou melhor dizendo, invalida tudo. Quem não vai à igreja disposto a entrar no clima da oração, a encontrar-se com Deus e com irmãos, então é melhor que não vá. Eu nunca tinha sabido de um Papa que tivesse dado um conselho desses. Obviamente, ele não está dizendo que as pessoas não devem ir à igreja, ao contrário, que as pessoas não devem fofocar. Além de ser falta de caridade, produz um mau exemplo para a comunidade. Está descumprindo a lei e ainda levando outras pessoas a descumprirem também.
No outro exemplo, Jesus diz: também foi dito que não se deve cometer adultério. Os fariseus pensavam que adulterar era apenas ter um intercurso sexual com uma mulher. Jesus vem então explicar que não é só isso, mas se tiver apenas o desejo, já cometeu adultério. E esse desejo não significa apenas o instinto sexual, mas qualquer forma de demonstrar inveja por algo que o irmão possui e a pessoa invejosa fica desejando. Não esqueçamos que, na época de Cristo, a mulher era um dos pertences do marido, assim como os rebanhos, as propriedades, os escravos, os bens materiais em geral. Portanto, devemos entender a ordem de “não cometer adultério” como toda forma de desejar os bens do irmão, de invejar-lhe a posição que tem, o prestígio de que desfruta, as amizades que o rodeiam, a personalidade que a pessoa tem. Cometer adultério vai muito além da esfera da sexualidade para alcançar todos os desejos que sejam frutos da cobiça, da inveja, da maldade, do egoísmo, da vontade de dominar, da busca incontrolada pela posse de bens materiais.
Num terceiro exemplo, Jesus diz: também vocês ouviram dizer para não fazerem juramentos falsos. Os fariseus achavam que isso se referia apenas às manifestações exteriores de afirmações ou negações. Eram tão exagerados nesse entendimento que nunca pronunciavam o nome de Javé, por receio de pronunciá-lo em vão. Tanto assim que, atualmente, não se sabe mais como era a pronúncia original dessa palavra, que ficou perdida pelo continuado desuso. Pois bem, diz Jesus, eu digo que vocês não devem jurar de jeito nenhum. Por que havia o costume de fazer juramentos? Porque não se podia acreditar na palavra das pessoas. Então, se alguém jurasse invocando os céus ou os altares ou um lugar sagrado, então as outras pessoas acreditariam, porque a pessoa estaria se expondo a um castigo, caso mentisse. Visto que nada de mau havia recaído sobre o jurador, então isso confirmaria a veracidade das afirmações. Ora, é claro que esse apelo a algo sagrado não dava nenhuma garantia da verdade das afirmações, porque as pessoas podiam continuar a mentir e ninguém mais contestava, ou seja, o juramento não passava de mais uma formalidade exterior. Então, Jesus ensinou: não precisa vocês jurarem, basta falarem a verdade sempre. Se o seu “sim” ou “não” forem sempre verdadeiros, as pessoas acreditarão pela credibilidade da sua pessoa, não pelos santos ou lugares sagrados que acaso forem invocados.
Vemos, nesses exemplos que o próprio Cristo escolheu, o que significa cumprir fielmente a lei, cumprir a lei com sabedoria. É curioso observarmos que, apesar do ensinamento de Cristo, apesar da sua rejeição ao formalismo das normas, nós ainda constatamos, nos dias de hoje, pessoas que se dizem cristãs apegadas aos formalismos, às regras canônicas, aos fundamentalismos exegéticos, à escravidão das palavras, esquecendo a lição que Cristo nos deixou, de forma tão clara e com perfeição didática. Quando Ele disse que nenhuma letra ou vírgula seria retirada da lei, antes que tudo fosse cumprido, ele se referia a Si próprio, ao que as escrituras predisseram acerca d'Ele. Ele se referia à lei de Moisés, à lei antiga, os evangelhos não existiam ainda. Naturalmente, a mesma sabedoria que Ele demonstrou que deve ser adotada na interpretação da lei antiga também será adotada para a compreensão da nova lei. Ele não nos deixou escravos das palavras, mas nos ensinou a buscarmos constantemente o espírito delas. Que nós saibamos sempre ler e compreender com sabedoria os seus mandamentos.
domingo, 9 de fevereiro de 2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO COMUM - A LUZ DA GRAÇA - 09.02.2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO COMUM – A LUZ DA GRAÇA – 09.02.2014
Caros Confrades,
Neste 5º domingo comum, a liturgia coloca para nossa reflexão a figura da luz que brilha e ilumina a todos. A luz que brilha em cada um de nós é exatamente a luz da graça divina, que recebemos de Deus no nosso batismo e que deve permanecer viva e brilhante, de modo a iluminar a nossa vida e, ao mesmo tempo, funcionar como guia para os irmãos, especialmente aqueles mais fracos na fé. Assim seremos fiéis aos nossos compromissos de batizados, como autênticos discípulos de Cristo.
A teologia da revelação ensina que nós nascemos com a mácula do pecado original e essa falha, que não devemos creditar ao Criador, que é perfeito, mas à nossa própria condição de humanidade, herdeiros de Adão e Eva, está presente em toda a nossa vida, no entanto, nós temos o instrumento eficaz para superá-la, que é a graça divina. Através da ablução com a água batismal, nós somos purificados dessa mácula, todavia, essa purificação não funciona de modo automático, mas precisa ser renovada e reforçada com as nossas boas ações, o que só é possível quando nós abrimos nosso coração para receber esta graça e, em consequência, orientamos nossa vontade para que a graça atue em nós e produza seus divinos efeitos. A referência a Adão e Eva é a linguagem simbólica pela qual o escritor sagrado personifica de um modo genérico as duas formas humanas de homem e mulher, imperfeitos pela natureza, mas aperfeiçoados pela graça recebida do Criador. E o pecado original não deve ser identificado com aquela história tradicional da maçã, mas com a vulnerabilidade inerente à natureza humana, que nos impede de conseguirmos alcançar, sozinhos, a salvação. Para isso, todos nós dependemos essencialmente da graça e da misericórdia de Deus.
Na primeira leitura, o profeta Isaías exemplifica, de um modo bem didático, algumas ações humanas que tipificam aquilo que a teologia chama de “pecado original”: “Se destruíres teus instrumentos de opressão e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa;” (Is 58, 9) Esses exemplos demonstram o quanto os seres humanos têm uma tendência para o egoísmo, o autoritarismo e a inveja, ou seja, uma tendência para agir de forma injusta com os irmãos. Se observarmos bem, essas ações estão relacionadas com a prática da caridade cristã, isto é, não oprimir os irmãos, não ser arrogante, não zombar ou falar mal dos irmãos. Aquele que consegue superar essas imperfeições decorrentes da nossa natureza desviada, esse andará na luz. É o que diz Isaías em 58, 7: “Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa os pobres e peregrinos, quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne [teu semelhante]. Então, brilhará tua luz como a aurora.” Lembremo-nos de que, na época do profeta, ainda não havia sido instituído o batismo da conversão, que somente surgiu com a pregação de João Batista. No entanto, Isaías já preconizava aquelas ações que seriam propostas pelo Batista para os que se preparavam para esperar o Messias, aplainando os caminhos e capinando as veredas. E quando, tempos depois, Cristo instituiu o batismo sacramental, o batismo da salvação, os benefícios da graça batismal atuaram de modo pleno no tempo, incluindo presente, passado e futuro, de modo que os que viveram segundo a orientação do Profeta foram também alcançados pela graça da salvação. O sacrifício redentor de Cristo foi realizado num tempo histórico determinado, no entanto, os seus efeitos se estendem em plenitude para um tempo indeterminado, referendando todas as práticas de justiça que as pessoas efetivaram, como consequência de sua fé. Com sua morte e sua ressurreição, Cristo aspergiu seu sangue sobre todos os seres humanos, independentemente da época em que viverem ou viverão, alcançando a todos estes os benefícios decorrentes da consumação da antiga aliança de Javeh com o povo hebreu. A única condição para isso é a adesão que cada um deve fazer a esse “contrato” patriarcal, renovado e consolidado pela intervenção do Messias, cuja “assinatura” é o compromisso batismal, que se concretiza no cumprimento dos nossos deveres de cristãos.
Na segunda leitura, de Paulo aos Coríntios (1Cor 2, 1-5), o Apóstolo diz que foi àquela cidade para anunciar ao povo o “mistério de Deus”. Que mistério seria esse? Ele próprio responde: Jesus Cristo crucificado. E para esse anúncio, Paulo não usou discursos bonitos nem oratória erudita, mas apenas a linguagem comum, para que o conteúdo de sua pregação se destacasse, e não e apelo exterior das suas palavras. Meus amigos, o “mistério” é aquilo que estava escondido e foi revelado por Cristo, portanto, a partir de então, aquilo que antes era obscuro e incompreensível aos homens, tornou-se claro e iluminado, pela força da luz de Cristo. Ele é a própria luz e é através dele que nós, seus discípulos, podemos iluminar o mundo. Pelos sacramentos, que Ele instituiu e nos deixou, sob a coordenação da comunidade eclesial, nós participamos da claridade que essa luz transmite. A partir do recebimento do batismo, abre-se para nós a porta de acesso aos demais sacramentos, isto é, aos diversos canais pelos quais Ele distribui a sua graça. Paulo fez isso na comunidade de Corinto e noutras daquela região. Nos dias de hoje, a Igreja dá continuidade a essa tarefa de acolher os fiéis e conduzi-los ao ambiente onde essa graça continua a ser distribuída. Dentro da comunidade eclesial, a graça que recebemos deve ser potencializada para que, em nossa vida cotidiana fora do ambiente típico da sacralidade, as demais pessoas possam perceber a luminosidade do nosso ser através do nosso comportamento, do nosso modo de agir.
O evangelho de Mateus (Mt 5, 13-16) associa a metáfora da luz a outra imagem também muito poderosa, que é a figura do sal. Desde os tempos mais remotos, as pessoas compreenderam a importância do sal para a vida humana. Chegou ao ponto de que, em eras primitivas, o pagamento de trabalhos realizados pelos operários era feito não com moeda, mas com sal (o salarium). Os minerais trazidos pelo sal são essenciais para o nosso organismo, de modo que a vida humana se tornaria inviável sem o consumo de porções (moderadas) de sal. Do mesmo modo como a vida humana seria inviável sem a luz, assim também seria sem o sal. Atuando de modo diferente, mas sempre em caráter indispensável, a luz e o sal são insumos que tornam possível a vida humana, seja individual, seja social. Daí porque Cristo utilizou essas figuras como recursos pedagógicos para a sua catequese.
Ora, diz Jesus, imaginem se o sal viesse a perder a sua qualidade funcional básica, com o que iríamos salgar os alimentos? Nos dias de hoje, a indústria química já consegue produzir materiais alternativos que geram efeito similar ao sal para o preparo dos alimentos de pessoas que possuem certas doenças agravadas com a ingestão do sódio, componente fundamental do sal. Mas na época de Cristo, isso não existia e ele falava para o povo daquela época, do modo que fosse mais compreensível para eles. Um sal que não produzisse mais seus efeitos não serviria para mais nada. Quando muito, seria usado como pedrisco para pavimentar os caminhos. Com isso Jesus vem nos dizer que um cristão que não fizer prevalecer a graça que recebeu com o batismo, é como se a graça recebida não produzisse os efeitos que deveria gerar, portanto, haverá um desperdício da graça, pois um tal cristão não seria capaz de “salgar” a sociedade com o seu exemplo e o seu testemunho. Meus amigos, essa é uma séria advertência para que cada um de nós avalie de que modo a graça que recebemos está ou não produzindo seus frutos na nossa vida, para que não estejamos nos arriscando a sermos esbanjadores da graça divina. No caso, essa graça inócua em nós, além de não contribuir para que superemos as vicissitudes próprias da nossa natureza imperfeita, ainda nos tornará réus de uma acusação muito grave, qual seja, de sermos desperdiçadores desse valioso dom.
Numa consideração analógica com a luz, a graça divina deverá nos tornar iguais a grandes lamparinas em noite de apagão. Ninguém acende uma lucerna e a coloca debaixo de uma vasilha, pois assim ela não cumprirá a sua finalidade. A graça divina que recebemos não deve ficar restrita ao nosso ser, à nossa subjetividade, mas deve ser compartilhada com os irmãos. Colocar a luz escondida significa agir egoisticamente, usar a lamparina para clarear apenas o nosso próprio caminho. Não foi para isso que Jesus veio abrir para nós a porta da salvação. Ninguém se salva sozinho, a salvação se realiza na comunidade. Houve uma época em que a catequese pregava: “salva a tua alma”... hoje em dia esse discurso mudou completamente para “salva o teu irmão e assim tu também serás salvo”. Por isso é que a luz deve ser colocada num local elevado, a fim de clarear o caminho para muitos, a fim de chamar a atenção dos incautos, daqueles que se encontram envolvidos com as coisas mundanas, daqueles onde a graça está dormitando, para incentivá-los a também se tornarem luminares eficazes e generosos. Manter a luz escondida é uma contradição com ela própria, cuja existência só se justifica se for um ponto de orientação para todos, assim como o farol orienta os que viajam pelo mar.
Caros Confrades,
Neste 5º domingo comum, a liturgia coloca para nossa reflexão a figura da luz que brilha e ilumina a todos. A luz que brilha em cada um de nós é exatamente a luz da graça divina, que recebemos de Deus no nosso batismo e que deve permanecer viva e brilhante, de modo a iluminar a nossa vida e, ao mesmo tempo, funcionar como guia para os irmãos, especialmente aqueles mais fracos na fé. Assim seremos fiéis aos nossos compromissos de batizados, como autênticos discípulos de Cristo.
A teologia da revelação ensina que nós nascemos com a mácula do pecado original e essa falha, que não devemos creditar ao Criador, que é perfeito, mas à nossa própria condição de humanidade, herdeiros de Adão e Eva, está presente em toda a nossa vida, no entanto, nós temos o instrumento eficaz para superá-la, que é a graça divina. Através da ablução com a água batismal, nós somos purificados dessa mácula, todavia, essa purificação não funciona de modo automático, mas precisa ser renovada e reforçada com as nossas boas ações, o que só é possível quando nós abrimos nosso coração para receber esta graça e, em consequência, orientamos nossa vontade para que a graça atue em nós e produza seus divinos efeitos. A referência a Adão e Eva é a linguagem simbólica pela qual o escritor sagrado personifica de um modo genérico as duas formas humanas de homem e mulher, imperfeitos pela natureza, mas aperfeiçoados pela graça recebida do Criador. E o pecado original não deve ser identificado com aquela história tradicional da maçã, mas com a vulnerabilidade inerente à natureza humana, que nos impede de conseguirmos alcançar, sozinhos, a salvação. Para isso, todos nós dependemos essencialmente da graça e da misericórdia de Deus.
Na primeira leitura, o profeta Isaías exemplifica, de um modo bem didático, algumas ações humanas que tipificam aquilo que a teologia chama de “pecado original”: “Se destruíres teus instrumentos de opressão e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa;” (Is 58, 9) Esses exemplos demonstram o quanto os seres humanos têm uma tendência para o egoísmo, o autoritarismo e a inveja, ou seja, uma tendência para agir de forma injusta com os irmãos. Se observarmos bem, essas ações estão relacionadas com a prática da caridade cristã, isto é, não oprimir os irmãos, não ser arrogante, não zombar ou falar mal dos irmãos. Aquele que consegue superar essas imperfeições decorrentes da nossa natureza desviada, esse andará na luz. É o que diz Isaías em 58, 7: “Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa os pobres e peregrinos, quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne [teu semelhante]. Então, brilhará tua luz como a aurora.” Lembremo-nos de que, na época do profeta, ainda não havia sido instituído o batismo da conversão, que somente surgiu com a pregação de João Batista. No entanto, Isaías já preconizava aquelas ações que seriam propostas pelo Batista para os que se preparavam para esperar o Messias, aplainando os caminhos e capinando as veredas. E quando, tempos depois, Cristo instituiu o batismo sacramental, o batismo da salvação, os benefícios da graça batismal atuaram de modo pleno no tempo, incluindo presente, passado e futuro, de modo que os que viveram segundo a orientação do Profeta foram também alcançados pela graça da salvação. O sacrifício redentor de Cristo foi realizado num tempo histórico determinado, no entanto, os seus efeitos se estendem em plenitude para um tempo indeterminado, referendando todas as práticas de justiça que as pessoas efetivaram, como consequência de sua fé. Com sua morte e sua ressurreição, Cristo aspergiu seu sangue sobre todos os seres humanos, independentemente da época em que viverem ou viverão, alcançando a todos estes os benefícios decorrentes da consumação da antiga aliança de Javeh com o povo hebreu. A única condição para isso é a adesão que cada um deve fazer a esse “contrato” patriarcal, renovado e consolidado pela intervenção do Messias, cuja “assinatura” é o compromisso batismal, que se concretiza no cumprimento dos nossos deveres de cristãos.
Na segunda leitura, de Paulo aos Coríntios (1Cor 2, 1-5), o Apóstolo diz que foi àquela cidade para anunciar ao povo o “mistério de Deus”. Que mistério seria esse? Ele próprio responde: Jesus Cristo crucificado. E para esse anúncio, Paulo não usou discursos bonitos nem oratória erudita, mas apenas a linguagem comum, para que o conteúdo de sua pregação se destacasse, e não e apelo exterior das suas palavras. Meus amigos, o “mistério” é aquilo que estava escondido e foi revelado por Cristo, portanto, a partir de então, aquilo que antes era obscuro e incompreensível aos homens, tornou-se claro e iluminado, pela força da luz de Cristo. Ele é a própria luz e é através dele que nós, seus discípulos, podemos iluminar o mundo. Pelos sacramentos, que Ele instituiu e nos deixou, sob a coordenação da comunidade eclesial, nós participamos da claridade que essa luz transmite. A partir do recebimento do batismo, abre-se para nós a porta de acesso aos demais sacramentos, isto é, aos diversos canais pelos quais Ele distribui a sua graça. Paulo fez isso na comunidade de Corinto e noutras daquela região. Nos dias de hoje, a Igreja dá continuidade a essa tarefa de acolher os fiéis e conduzi-los ao ambiente onde essa graça continua a ser distribuída. Dentro da comunidade eclesial, a graça que recebemos deve ser potencializada para que, em nossa vida cotidiana fora do ambiente típico da sacralidade, as demais pessoas possam perceber a luminosidade do nosso ser através do nosso comportamento, do nosso modo de agir.
O evangelho de Mateus (Mt 5, 13-16) associa a metáfora da luz a outra imagem também muito poderosa, que é a figura do sal. Desde os tempos mais remotos, as pessoas compreenderam a importância do sal para a vida humana. Chegou ao ponto de que, em eras primitivas, o pagamento de trabalhos realizados pelos operários era feito não com moeda, mas com sal (o salarium). Os minerais trazidos pelo sal são essenciais para o nosso organismo, de modo que a vida humana se tornaria inviável sem o consumo de porções (moderadas) de sal. Do mesmo modo como a vida humana seria inviável sem a luz, assim também seria sem o sal. Atuando de modo diferente, mas sempre em caráter indispensável, a luz e o sal são insumos que tornam possível a vida humana, seja individual, seja social. Daí porque Cristo utilizou essas figuras como recursos pedagógicos para a sua catequese.
Ora, diz Jesus, imaginem se o sal viesse a perder a sua qualidade funcional básica, com o que iríamos salgar os alimentos? Nos dias de hoje, a indústria química já consegue produzir materiais alternativos que geram efeito similar ao sal para o preparo dos alimentos de pessoas que possuem certas doenças agravadas com a ingestão do sódio, componente fundamental do sal. Mas na época de Cristo, isso não existia e ele falava para o povo daquela época, do modo que fosse mais compreensível para eles. Um sal que não produzisse mais seus efeitos não serviria para mais nada. Quando muito, seria usado como pedrisco para pavimentar os caminhos. Com isso Jesus vem nos dizer que um cristão que não fizer prevalecer a graça que recebeu com o batismo, é como se a graça recebida não produzisse os efeitos que deveria gerar, portanto, haverá um desperdício da graça, pois um tal cristão não seria capaz de “salgar” a sociedade com o seu exemplo e o seu testemunho. Meus amigos, essa é uma séria advertência para que cada um de nós avalie de que modo a graça que recebemos está ou não produzindo seus frutos na nossa vida, para que não estejamos nos arriscando a sermos esbanjadores da graça divina. No caso, essa graça inócua em nós, além de não contribuir para que superemos as vicissitudes próprias da nossa natureza imperfeita, ainda nos tornará réus de uma acusação muito grave, qual seja, de sermos desperdiçadores desse valioso dom.
Numa consideração analógica com a luz, a graça divina deverá nos tornar iguais a grandes lamparinas em noite de apagão. Ninguém acende uma lucerna e a coloca debaixo de uma vasilha, pois assim ela não cumprirá a sua finalidade. A graça divina que recebemos não deve ficar restrita ao nosso ser, à nossa subjetividade, mas deve ser compartilhada com os irmãos. Colocar a luz escondida significa agir egoisticamente, usar a lamparina para clarear apenas o nosso próprio caminho. Não foi para isso que Jesus veio abrir para nós a porta da salvação. Ninguém se salva sozinho, a salvação se realiza na comunidade. Houve uma época em que a catequese pregava: “salva a tua alma”... hoje em dia esse discurso mudou completamente para “salva o teu irmão e assim tu também serás salvo”. Por isso é que a luz deve ser colocada num local elevado, a fim de clarear o caminho para muitos, a fim de chamar a atenção dos incautos, daqueles que se encontram envolvidos com as coisas mundanas, daqueles onde a graça está dormitando, para incentivá-los a também se tornarem luminares eficazes e generosos. Manter a luz escondida é uma contradição com ela própria, cuja existência só se justifica se for um ponto de orientação para todos, assim como o farol orienta os que viajam pelo mar.
domingo, 2 de fevereiro de 2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO - FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR - 02.02.2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO – FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR – 02.02.2014
Caros amigos,
Neste domingo, a liturgia celebra a festa da apresentação do Senhor no templo, que é também a festa da purificação de Maria. É interessante notar como a Sagrada Família, seguindo rigorosamente o protocolo da lei de Moisés, dava exemplo de elevado devocionismo judaico. Interessante notar como Jesus Cristo, em todas as referências que lemos nos evangelhos, sempre cuidou de cumprir a mesma lei mosaica, apenas desviando-se do excessivo literalismo e fundamentalismo dos fariseus, que o criticavam por isso.
A festa litúrgica desta data se presta a várias observações sobre costumes e legislações do antigo hebraísmo. Primeiramente uma informação: a distância de Nazaré até Jerusalém é de 112 km. Aproximadamente a distância entre Fortaleza e Canindé. Conforme a lei mosaica, a apresentação do filho primogênito deveria ocorrer 40 dias após o seu nascimento. Assim, passado o “resguardo”, Maria e José prepararam-se para a viagem de Nazaré a Jerusalém. As pessoas que fazem romaria para Canindé, saindo de Fortaleza, em geral demoram 3 dias de caminhada. Considerando que José e Maria viajavam com uma criança de colo, essa viagem deve ter durado provavelmente uma semana. O evangelista Lucas não menciona isso, então podemos fazer esse cálculo. Ainda sob o aspecto legislativo, a apresentação do menino no templo corresponde ao que hoje os pais (geralmente, o pai) fazem: o registro do nascimento do filho no cartório. Era também o tempo de conferir a circuncisão do menino (que era feita no oitavo dia após o nascimento) e de cumprir o ritual de purificação da mãe, porque de acordo com a lei, a mulher ficava impura quando engravidava (assim como quando estava menstruada) e precisava fazer o ritual legal para obter a purificação e assim poder voltar a frequentar os locais sagrados. Também sob o aspecto legislativo, os pais deviam levar uma oferenda: os ricos ofereciam novilhos, os menos ricos ofereciam cabritos e os pobres ofereciam um par de pombinhos, foi esta última a oferta da Sagrada Família, o que demonstra a classificação econômica da família de Nazaré. Como se vê, a legislação da época fora cumprida à risca.
Os detalhes minuciosos narrados por Lucas (Lc 2, 22-40) não deixam a menor dúvida de que ele captou essas informações diretamente da fonte, ou seja, Maria revelou isso a ele. Quem mais iria saber o que tinha acontecido no templo de Jerusalém, naquele dia? E Maria deve ter tomado o maio susto quando ela e José chegaram ao templo com o menino, porque eles sabiam da “origem” dele, mas aquilo era segredo dos dois. Ela deve ter ficado imensamente perturbada com a reação do velho Simeão, que reconheceu o menino como o Messias esperado e ainda deu a ela o aviso: uma espada traspassará o teu coração. Se Maria ainda não tinha noção do alcance do seu “sim” ao anjo Gabriel, naquele momento, ela viu bem claramente o que a esperava. E certamente ao narrar esses fatos a Lucas, após a morte e ressurreição de Cristo, ainda tinha aquele diálogo bem vivo na sua mente. E a espada já havia sido fincada no coração dela, dando-lhe maior certeza de que aquele velho judeu que encontrara no templo tinha ido até lá impelido pelo Espírito.
E Maria guardou ainda a imagem de Ana, a profetisa, que também reconheceu o menino e cantou os louvores de Javeh. Lucas diz textualmente que Ana era uma profetisa (2, 36), isso não é apenas uma dedução dos biblistas. Vejam, meus amigos, como havia profetisas em Israel, assim como havia as diaconisas nos primeiros tempos do cristianismo. Paulo (Rm 16, 1) fala em Phoebe, da comunidade de Cencreia, certamente havia outras. Lucas fala de Ana, do templo de Jerusalém, certamente havia também outras. Assim, de um modo bem discreto, observa-se a referência às atividades religiosas das mulheres, tanto no AT quanto no NT, no entanto, hoje em dia, o exagerado clericalismo que se instalou historicamente na hierarquia eclesiástica coloca tantas dificuldades para o reconhecimento das mulheres nas funções de direção da Igreja. Falou-se na imprensa que o Papa Francisco tinha intenção de nomear uma mulher cardeala, mas logo logo o porta-voz do Vaticano se encarregou de desmentir.
Ainda na esfera dos costumes, observa-se na narração de Lucas quanto o cristianismo herdou o tabu hebraico acerca da sexualidade. Chegou ao ponto de Sto Agostinho ter associado o pecado original a uma prática sexual. O preconceito aliado ao desconhecimento do fenômeno natural da menstruação feminina faziam com que a mulher fosse considerada impura, havendo prescrições rigorosas para serem observadas tanto pela mulher quanto pelo homem, durante o período do mênstruo. A mulher menstruada ficará imunda por sete dias (Levítico 12,2) e se um homem praticar sexo com ela durante esse período, ele também ficará imundo por sete dias (Levítico 15, 24). Eu me lembro de quando estudei teologia moral que havia uma teoria, na Idade Média, afirmando que a ejaculação masculina fora do organismo da mulher era um crime pior do que o homicídio. Isso porque, de acordo com os conhecimentos científicos da época, o espermatozóide era um ser humano em miniatura e, no caso, não teria condições de germinar, morrendo em seguida, o que correspondia a um aborto ou um assassinato. Essas noções sobre o processo de reprodução humana, dentro da evolução do saber científico, ficaram superadas. Todavia, o tabu e o preconceito reinante na teologia católica acerca da sexualidade continuam fortes e, aparentemente, insuperáveis. A própria regra da obrigatoriedade do celibato dos padres é, ao mesmo tempo, prova disso e possível causa dessa equivocada compreensão.
Passando agora para a leitura do profeta Malaquias, o último dos profetas, ele fala numa linguagem que faz lembrar Isaías, acerca do futuro Messias: “ quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata.” (Ml 3, 2-3) Um fato curioso é que a liturgia sempre seleciona trechos bíblicos escritos pelos profetas em que eles se referem ao futuro Messias, deixando aquela impressão de que um profeta é alguém que prevê um fato, como é corriqueiro no linguajar popular. No entanto, quando os profetas se referem ao Messias, assim como o faz Malaquias, antes ele havia se referido à dissolução dos costumes do povo, à corrupção das autoridades, inclusive dos sacerdotes, à prática da idolatria e ao abandono do culto a Javeh. Então, eles sempre dizem: essas pessoas serão devidamente justiçadas quando vier o Messias, enquanto os justos, os cumpridores da lei, estes serão agraciados. É assim que se deve entender as figuras metafóricas utilizadas por Malaquias, no trecho citado. Os maus não irão resistir quando Ele aparecer, Ele será como o fogo da forja (ou seja, o calor que derrete os metais) ou como a barrela dos lavadeiros (ou seja, aquela substância cáustica que se mistura na água, a fim de lavar roupas muito sujas). Na verdade, o profeta Malaquias está denunciando a corrupção do povo e das autoridades e, ao mesmo tempo, anunciando a vinda daquele que vai trazer a justa recompensa para cada um, de acordo com o seu procedimento.
Na segunda leitura, o autor da carta aos Hebreus (que não é o apóstolo Paulo) ensina a doutrina da verdadeira humanidade de Cristo, que se tornou igual a um de nós, a fim de nos purificar e nos dar a salvação, “Pois, afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão.” (Hb 2, 16) Essa lição teológica da carta aos Hebreus é muito importante para nos confirmar que, desde os primeiros tempos do cristianismo, os fiéis já tinham a convicção de que Jesus era verdadeiramente humano e não um Deus disfarçado de homem, como alguns judeus da época e outros teólogos antigos quiseram afirmar. E vem confirmar também a nova face do Pai, que foi revelada por Cristo, muito diferente do Javeh do Antigo Testamento, que se apresentava como um Deus vingativo e cruel. Cristo vem mostrar a nova feição de Javeh como um pai misericordioso, sempre disposto ao perdão, que se preocupa com os filhos e, longe de querer castigá-los, quer que todos se convertam e se salvem. Cristo não veio ocupar-se com anjos, mas com os descendentes de Abraão, ou seja, com pessoas pecadoras. Por isso, Ele assumiu plenamente a condição humana, para sentir na carne o que os homens sentem, “pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação. ” (Hb 2, 18). Mostrando com seu exemplo como se deve enfrentar e vencer o pecado, Cristo, com seu sacrifício, nos dá a certeza de que nós também, servindo-nos dos recursos espirituais que Ele nos deixou, temos condição de alcançar o merecimento da glória que Ele conquistou para nós.
Caros amigos,
Neste domingo, a liturgia celebra a festa da apresentação do Senhor no templo, que é também a festa da purificação de Maria. É interessante notar como a Sagrada Família, seguindo rigorosamente o protocolo da lei de Moisés, dava exemplo de elevado devocionismo judaico. Interessante notar como Jesus Cristo, em todas as referências que lemos nos evangelhos, sempre cuidou de cumprir a mesma lei mosaica, apenas desviando-se do excessivo literalismo e fundamentalismo dos fariseus, que o criticavam por isso.
A festa litúrgica desta data se presta a várias observações sobre costumes e legislações do antigo hebraísmo. Primeiramente uma informação: a distância de Nazaré até Jerusalém é de 112 km. Aproximadamente a distância entre Fortaleza e Canindé. Conforme a lei mosaica, a apresentação do filho primogênito deveria ocorrer 40 dias após o seu nascimento. Assim, passado o “resguardo”, Maria e José prepararam-se para a viagem de Nazaré a Jerusalém. As pessoas que fazem romaria para Canindé, saindo de Fortaleza, em geral demoram 3 dias de caminhada. Considerando que José e Maria viajavam com uma criança de colo, essa viagem deve ter durado provavelmente uma semana. O evangelista Lucas não menciona isso, então podemos fazer esse cálculo. Ainda sob o aspecto legislativo, a apresentação do menino no templo corresponde ao que hoje os pais (geralmente, o pai) fazem: o registro do nascimento do filho no cartório. Era também o tempo de conferir a circuncisão do menino (que era feita no oitavo dia após o nascimento) e de cumprir o ritual de purificação da mãe, porque de acordo com a lei, a mulher ficava impura quando engravidava (assim como quando estava menstruada) e precisava fazer o ritual legal para obter a purificação e assim poder voltar a frequentar os locais sagrados. Também sob o aspecto legislativo, os pais deviam levar uma oferenda: os ricos ofereciam novilhos, os menos ricos ofereciam cabritos e os pobres ofereciam um par de pombinhos, foi esta última a oferta da Sagrada Família, o que demonstra a classificação econômica da família de Nazaré. Como se vê, a legislação da época fora cumprida à risca.
Os detalhes minuciosos narrados por Lucas (Lc 2, 22-40) não deixam a menor dúvida de que ele captou essas informações diretamente da fonte, ou seja, Maria revelou isso a ele. Quem mais iria saber o que tinha acontecido no templo de Jerusalém, naquele dia? E Maria deve ter tomado o maio susto quando ela e José chegaram ao templo com o menino, porque eles sabiam da “origem” dele, mas aquilo era segredo dos dois. Ela deve ter ficado imensamente perturbada com a reação do velho Simeão, que reconheceu o menino como o Messias esperado e ainda deu a ela o aviso: uma espada traspassará o teu coração. Se Maria ainda não tinha noção do alcance do seu “sim” ao anjo Gabriel, naquele momento, ela viu bem claramente o que a esperava. E certamente ao narrar esses fatos a Lucas, após a morte e ressurreição de Cristo, ainda tinha aquele diálogo bem vivo na sua mente. E a espada já havia sido fincada no coração dela, dando-lhe maior certeza de que aquele velho judeu que encontrara no templo tinha ido até lá impelido pelo Espírito.
E Maria guardou ainda a imagem de Ana, a profetisa, que também reconheceu o menino e cantou os louvores de Javeh. Lucas diz textualmente que Ana era uma profetisa (2, 36), isso não é apenas uma dedução dos biblistas. Vejam, meus amigos, como havia profetisas em Israel, assim como havia as diaconisas nos primeiros tempos do cristianismo. Paulo (Rm 16, 1) fala em Phoebe, da comunidade de Cencreia, certamente havia outras. Lucas fala de Ana, do templo de Jerusalém, certamente havia também outras. Assim, de um modo bem discreto, observa-se a referência às atividades religiosas das mulheres, tanto no AT quanto no NT, no entanto, hoje em dia, o exagerado clericalismo que se instalou historicamente na hierarquia eclesiástica coloca tantas dificuldades para o reconhecimento das mulheres nas funções de direção da Igreja. Falou-se na imprensa que o Papa Francisco tinha intenção de nomear uma mulher cardeala, mas logo logo o porta-voz do Vaticano se encarregou de desmentir.
Ainda na esfera dos costumes, observa-se na narração de Lucas quanto o cristianismo herdou o tabu hebraico acerca da sexualidade. Chegou ao ponto de Sto Agostinho ter associado o pecado original a uma prática sexual. O preconceito aliado ao desconhecimento do fenômeno natural da menstruação feminina faziam com que a mulher fosse considerada impura, havendo prescrições rigorosas para serem observadas tanto pela mulher quanto pelo homem, durante o período do mênstruo. A mulher menstruada ficará imunda por sete dias (Levítico 12,2) e se um homem praticar sexo com ela durante esse período, ele também ficará imundo por sete dias (Levítico 15, 24). Eu me lembro de quando estudei teologia moral que havia uma teoria, na Idade Média, afirmando que a ejaculação masculina fora do organismo da mulher era um crime pior do que o homicídio. Isso porque, de acordo com os conhecimentos científicos da época, o espermatozóide era um ser humano em miniatura e, no caso, não teria condições de germinar, morrendo em seguida, o que correspondia a um aborto ou um assassinato. Essas noções sobre o processo de reprodução humana, dentro da evolução do saber científico, ficaram superadas. Todavia, o tabu e o preconceito reinante na teologia católica acerca da sexualidade continuam fortes e, aparentemente, insuperáveis. A própria regra da obrigatoriedade do celibato dos padres é, ao mesmo tempo, prova disso e possível causa dessa equivocada compreensão.
Passando agora para a leitura do profeta Malaquias, o último dos profetas, ele fala numa linguagem que faz lembrar Isaías, acerca do futuro Messias: “ quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata.” (Ml 3, 2-3) Um fato curioso é que a liturgia sempre seleciona trechos bíblicos escritos pelos profetas em que eles se referem ao futuro Messias, deixando aquela impressão de que um profeta é alguém que prevê um fato, como é corriqueiro no linguajar popular. No entanto, quando os profetas se referem ao Messias, assim como o faz Malaquias, antes ele havia se referido à dissolução dos costumes do povo, à corrupção das autoridades, inclusive dos sacerdotes, à prática da idolatria e ao abandono do culto a Javeh. Então, eles sempre dizem: essas pessoas serão devidamente justiçadas quando vier o Messias, enquanto os justos, os cumpridores da lei, estes serão agraciados. É assim que se deve entender as figuras metafóricas utilizadas por Malaquias, no trecho citado. Os maus não irão resistir quando Ele aparecer, Ele será como o fogo da forja (ou seja, o calor que derrete os metais) ou como a barrela dos lavadeiros (ou seja, aquela substância cáustica que se mistura na água, a fim de lavar roupas muito sujas). Na verdade, o profeta Malaquias está denunciando a corrupção do povo e das autoridades e, ao mesmo tempo, anunciando a vinda daquele que vai trazer a justa recompensa para cada um, de acordo com o seu procedimento.
Na segunda leitura, o autor da carta aos Hebreus (que não é o apóstolo Paulo) ensina a doutrina da verdadeira humanidade de Cristo, que se tornou igual a um de nós, a fim de nos purificar e nos dar a salvação, “Pois, afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão.” (Hb 2, 16) Essa lição teológica da carta aos Hebreus é muito importante para nos confirmar que, desde os primeiros tempos do cristianismo, os fiéis já tinham a convicção de que Jesus era verdadeiramente humano e não um Deus disfarçado de homem, como alguns judeus da época e outros teólogos antigos quiseram afirmar. E vem confirmar também a nova face do Pai, que foi revelada por Cristo, muito diferente do Javeh do Antigo Testamento, que se apresentava como um Deus vingativo e cruel. Cristo vem mostrar a nova feição de Javeh como um pai misericordioso, sempre disposto ao perdão, que se preocupa com os filhos e, longe de querer castigá-los, quer que todos se convertam e se salvem. Cristo não veio ocupar-se com anjos, mas com os descendentes de Abraão, ou seja, com pessoas pecadoras. Por isso, Ele assumiu plenamente a condição humana, para sentir na carne o que os homens sentem, “pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação. ” (Hb 2, 18). Mostrando com seu exemplo como se deve enfrentar e vencer o pecado, Cristo, com seu sacrifício, nos dá a certeza de que nós também, servindo-nos dos recursos espirituais que Ele nos deixou, temos condição de alcançar o merecimento da glória que Ele conquistou para nós.
domingo, 26 de janeiro de 2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO COMUM - A VOCAÇÃO DE CADA UM - 26.01.2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO
- 3º DOMINGO COMUM – 26.01.2014 – A VOCAÇÃO DE CADA UM
Caros Amigos,
A liturgia deste 3º
domingo comum nos convida a refletir sobre a vocação, isto é, o
objetivo da vida de cada pessoa. A vocação de João Batista, a
vocação de Cristo, dos seus apóstolos, de todos nós. E São Paulo
exorta a comunidade de Corinto a evitar dissensões e concentrar-se
na primeira e única vocação básica de todo cristão, que é
seguir os ensinamentos de Cristo. Mais uma vez, entra em cena o
profeta Isaías, com suas certeiras proferias acerca do Messias, que
o evangelista Mateus faz questão de ressaltar como tendo sido
cumpridas na pessoa de Cristo, fato que os judeus daquela época
(assim como os do nosso tempo) recusavam-se a admitir.
Logo no início da
primeira leitura (Is 8, 23-9,3), o profeta faz a seguinte referência
histórica: “No
tempo passado o Senhor humilhou a terra de Zabulon e a terra de
Neftali; mas recentemente cobriu de glória o caminho do mar, do
além-Jordão e da Galiléia das nações.
” (Is 8, 23) Esse “tempo passado” a que o profeta se refere foi
o tempo do domínio assírio, por volta do ano 730 a.C. A fim de
prevenir futuras rebeliões, os dominadores assírios deportavam os
povos dominados, comunidades de diversas raças e línguas, para um
determinado lugar, misturando as culturas e dificultando as
comunicações entre eles. Assim é que vieram pagãos de diversas
nacionalidades conviver nas terras das tribos de Zabulon e Neftali,
nas margens do Mar da Galiléia, trazendo tumulto e dificuldades para
os povos ali residentes, ficando essa região conhecida como
“galiléia das nações”. De fato, a palavra “galiléia”
(hagalil, em hebraico, transferido para o grego como galilaia)
significa “distrito”, “província”, assim a galiléia das
nações significava um território onde moravam populações de
diversas origens, era uma região onde o povo não tinha uma
identidade étnica ou cultural e, naturalmente, era também uma
região de muita pobreza. No tempo de Isaías, o império assírio
havia sido dominado pelos persas e já não dominava mais, no
entanto, aqueles povos não retornaram para os seus locais de origem
e formavam um conglomerado altamente disperso, um amontoado de
línguas, costumes, religiões, culturas, uma população pobre e
marginalizada, daí porque isso era considerado uma humilhação para
os seus nativos. A maior cidade dessa região era Cafarnaum.
Então, diz o profeta:
no passado, o Senhor humilhou aquela região, mas recentemente a
cobriu de glória e uma luz resplandeceu para aquele povo que vivia
na escuridão (Is 9, 1). O evangelista Mateus vai repetir
literalmente essa passagem de Isaías, quando diz: (Mt 4, 12-14) Ao
saber que João tinha sido preso, Jesus
voltou para a Galiléia. Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que
fica às margens do mar da Galiléia, no território de Zabulon e
Neftali, para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías.
Vê-se claramente a preocupação de Mateus em mostrar que Jesus é o
Messias previsto pelos antigos profetas, ao dizer que Ele começou o
seu ministério por Cafarnaum, logo após o encerramento da missão
de João, o batista. Ele foi a luz que resplandeceu para aquele povo.
Veem-se também, nesse contexto, delineadas as vocações de João
Batista e de Jesus, o precursor e o precedido. A vocação de João
era preparar o caminho; a vocação de Jesus era dar prosseguimento
ao batismo da conversão, pregado por João, e levar a todos o
anúncio da sua boa nova. Por isso, Mateus refere que Jesus começou
sua missão em Cafarnaum exatamente continuando a mesma temática
iniciada por João: “Daí
em diante Jesus começou a pregar dizendo: 'Convertei-vos, porque o
Reino dos Céus está próximo.
” (Mt 4, 17). Dizia o Batista: arrependei-vos porque é chegado o
reino dos céus (Mt 3,2). E dizia mais: eu vos batizo com água, mas
o que vem depois de mim vos batizará com o Espírito Santo e com o
fogo (Mt 3, 11). Mateus faz, desse modo, a intercalação da profecia
de Isaías com a missão de João e com a pregação de Jesus.
João Batista tinha
vários discípulos e a estes ele mostrou Jesus, dizendo: eis o
Cordeiro de Deus, a ele é que vocês devem seguir. (Jo 1, 36) Os
evangelhos não mencionam os nomes desses discípulos de João
Batista, exceto um deles, André, que era irmão de Simão Pedro. (Jo
1, 40). Outro provável discípulo do Batista, que depois passou a
seguir Jesus, seria o próprio João evangelista. Deduz-se isso pelo
modo como João narra no evangelho esses fatos, dos quais ele
participou. Desse modo, quando Mateus diz: “Jesus
andava à beira do mar da Galiléia, viu dois irmãos: Simão,
chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam lançando a rede ao mar,
pois eram pescadores. Jesus disse a eles: 'Segui-me, e eu farei de
vós pescadores de homens'”
(Mt 4, 18-19), se confrontarmos essa narração com os fatos contida
no evangelho de João, conclui-se que não foi bem assim. André era
discípulo do Batista e foi aconselhado por este a seguir o Cordeiro,
tendo convencido também seu irmão Simão a fazer o mesmo. Idêntico
raciocínio se pode fazer em relação ao chamado de Tiago e João,
que Mateus narra assim: “Caminhando
um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de
Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com seu pai Zebedeu
consertando as redes. Jesus os chamou.”
(Mt 4, 21) João já conhecia Jesus e deve ter convencido seu irmão
Tiago a também segui-lo. Dizem ainda os biblistas que, quando Jesus
deixou a casa dos seus pais, em Nazaré, e mudou-se para Cafarnaum,
foi morar provavelmente na casa de Pedro, tendo inclusive curado a
sogra dele que estava enferma (Mt 8, 14) Foram esses os quatro
primeiros discípulos que Jesus vocacionou e a missão deles também
ficou desde o início definida: farei de vós pescadores de homens.
Aos poucos, em circunstâncias próprias, Jesus foi chamando os
demais, até formar o grupo que ele catequizou por três anos e
continuou a prepará-los após a sua ressurreição, para continuarem
a sua missão.
Para uma pessoa que lê
a Bíblia com olhos puramente formalistas, fica difícil compreender
essas divergências que observamos entre os evangelhos sinóticos
(Mateus, Marcos e Lucas) em comparação com o evangelho de João.
Mas para os estudiosos do assunto, essas diferenças são
perfeitamente compreensíveis e explicáveis, não ocasionando uma
ruptura doutrinária, mas tão somente formas estilísticas e modelos
de composição literária. Consideremos, portanto: 1. o evangelho de
Mateus, assim como os de Marcos e Lucas, são bem mais antigos do que
o de João, escritos por volta dos anos 60, enquanto João escreveu
por volta do ano 100; 2. os evangelhos sinóticos são compilações
de textos mais antigos, que circulavam nas comunidades e tinham
diferentes origens, sendo cópias de tradições orais, histórias
que passavam de boca em boca, narrando os ensinamentos de Cristo; 3.
na época em que João escreveu, muitas dessas divergências já
haviam sido observadas e corrigidas, de modo que o texto de João é
mais elaborado, mais pesquisado, mais coerente; 4. João fora
testemunha ocular dos fatos. Portanto, não devemos considerar que os
primeiros estejam errados e com isso colocar em dúvida o que ali
está escrito. O que verdadeiramente importa é o chamado, a vocação
de cada um, se foi na beira do Mar da Galiléia ou num lugar
qualquer, o que realmente interessa é que eles foram chamados e
atenderam ao chamado, eles aceitaram a proposta de Cristo para
mudarem de vida. Em vez de serem pescadores de peixes, passariam a
ser pescadores de pessoas. Para isso, eles tiveram de mudar de vida,
mudar o modo de pensar, fazer uma metanóia, ou seja, uma conversão.
Na carta aos Coríntios
(1Cor 1, 10-13), Paulo adverte aquela comunidade para que se
concentrem na sua vocação comum de seguir a Cristo, sem procurar
cultivar discórdia ou formar grupos, porque a vocação básica de
todo cristão é uma só: ter Cristo como modelo de sua vida. Paulo
havia sido informado de que criaram-se grupos naquela comunidade, de
acordo com o líder que os guiava. Será que Cristo está dividido?
Em nome de quem fostes batizados? Interroga-os Paulo. Meus amigos,
vê-se que essa divisão em grupos de interesses, tão prejudicial
para a vivência da comunidade, que se verifica nos dias de hoje,
como se fossem pequenas seitas dentro do mesmo rebanho, já começou
a existir ainda no tempo dos apóstolos. Tradicionalistas,
carismáticos, cebistas, vanguardistas, fundamentalistas,
cançãonovistas, tridentinos, ecumênicos... cabe aqui a pergunta de
Paulo: acaso Cristo está dividido? Essa situação ainda se agrava
mais quando esses grupos passam à mútua refrega, como se quisessem
desmerecer a tendência dos outros irmãos e um deles querendo impor
aos demais o seu próprio ponto de vista, arvorando-se em detentor da
verdade e condenando os que pensam de modo diferente. A mensagem de
Cristo é uma só, assim como a vocação de cada um é típica e
pessoal. A tolerância e o mútuo respeito devem ser as atitudes mais
compatíveis com a conduta do autêntico cristão. Cada qual, na
diversidade da sua vocação e na peculiaridade da sua missão,
compõem o grande mosaico de formas e expressões de uma mesma
ideologia: o seguimento de Jesus Cristo.
Que o Divino Mestre nos
una e nos fortaleza nessa desafiante caminhada.
PS: Na data de hoje, 26.01.2014, estou comemorando 50 anos de chegada ao Ceará, quando entrei no Seminário Seráfico Nossa Senhora do Brasil, em Messejana, vindo de Parnaíba-Piauí.
domingo, 19 de janeiro de 2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2º DOMINGO COMUM - O CORDEIRO DE DEUS - 19.01.2014
COMENTARIO LITURGICO –
2º DOMINGO COMUM – O CORDEIRO DE DEUS – 19.01.2014
Caros Confrades,
Na liturgia deste domingo, 2º do tempo comum, Jesus é apresentado como o Cordeiro de Deus, no evangelho de João. Mas essa figura do cordeiro já estava preconizada na profecia de Isaías, com o título Servo de Javé. De acordo com o Profeta, Ele viria para reunir novamente o povo de Deus e conduzi-lo à salvação e, por intermédio desse povo, estender a salvação a todos os confins de terra. João evangelista reescreve a narração do batismo de Jesus de forma diferente dos evangelhos sinóticos, afirmando que foi pela manifestação do Espírito em forma de pomba que o Batista reconheceu Jesus como o Cordeiro de Deus-Servo de Javé, prefigurado na profecia de Isaías.
Na liturgia deste domingo, 2º do tempo comum, Jesus é apresentado como o Cordeiro de Deus, no evangelho de João. Mas essa figura do cordeiro já estava preconizada na profecia de Isaías, com o título Servo de Javé. De acordo com o Profeta, Ele viria para reunir novamente o povo de Deus e conduzi-lo à salvação e, por intermédio desse povo, estender a salvação a todos os confins de terra. João evangelista reescreve a narração do batismo de Jesus de forma diferente dos evangelhos sinóticos, afirmando que foi pela manifestação do Espírito em forma de pomba que o Batista reconheceu Jesus como o Cordeiro de Deus-Servo de Javé, prefigurado na profecia de Isaías.
De início, lembremo-nos que o livro de Isaías era o preferido por Cristo para fazer referências a respeito de si próprio, sempre que isso era necessário. Na leitura de hoje (Is 49, 6), destaco o seguinte trecho: “'Não basta seres meu Servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até aos confins da terra'.” Vejam só o trocadilho dos nomes: Jacó e Israel eram a mesma pessoa, o terceiro Patriarca, neto de Abraão. Jacó foi aquele que “tomou” do seu irmão gêmeo Esaú (que embora sendo gêmeo, havia nascido em primeiro lugar) os direitos de primogenitura, naquele estratagema armado pela mãe deles, Rebeca, que preferia Jacó a Esaú. Este ficou iradíssimo com o irmão, com toda razão, pois teve o seu direito usurpado, passou a ameaçar Jacó. Para evitar uma carnificina entre os irmãos, Rebeca mandou Jacó para passar uns tempos bem longe, com um tio chamado Labão (que não era o que se chamaria de cidadão exemplar), na esperança de que a ira de Esaú se acalmasse. Lá nos confins onde morava com o tio, Jacó casou com as duas primas (Lia e Raquel), porque o tio também trapaceou com ele e entregou a filha “errada”, em vez de devolver, Jacó ficou com as duas. Meus amigos, esses fatos narrados na Bíblia não são, de forma alguma, modelos de comportamento compatíveis com a aliança entre aquele povo e Javé, quantas tramóias estão aqui envolvidas de parte a parte. Mas a história do povo de Deus é assim mesmo, cheia de contradições.
Fiz aqui esse breve retrospecto para contextualizar com a leitura do profeta Isaías, deste domingo, quando ele diz que o Servo de Javé virá restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel. Para compreendermos isso, devemos também lembrar que Jacó teve seu nome mudado para Israel após uma luta misteriosa que travou com um anjo, cuja personalidade a Bíblia não explica, mas que os intérpretes entendem que tenha sido o próprio anjo protetor de Esaú, que veio batalhar com Jacó, a fim de evitar que os dois irmãos se matassem num encontro que se aproximava. Essa é uma passagem nebulosa da Bíblia, pois o fato é que, quando os irmãos raivosos finalmente se encontraram, abraçaram-se e choraram mutuamente, celebrando a paz. Porém, isso só foi possível por causa de uma mudança radical que aconteceu com Jacó, após a luta deste com o anjo, que mudou o seu nome para Israel, porque ele havia vencido alguém mais poderoso do que ele. Hoje, se poderia explicar essa “luta” misteriosa e simbólica como se Jacó estivesse duelando consigo mesmo em espírito, levando-o a uma mudança completa no seu comportamento, após o que ele ter-se-ia tornado uma pessoa com um outro perfil psicológico, operado pela interveniência de Javé. A troca do nome significaria isso, assim como Javé mandou que Abrão mudasse o nome para Abraão, que significava pai de uma multidão. Essa questão do nome no AT tem um simbolismo muito curioso e um sentido próprio, que não se encontra nas demais culturas.
Pois bem, retomando o trecho de Isaias (49, 6), restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel significa a reunião do passado com o presente, do antes com o depois, dos descendentes de Jacó com os descendentes de Esaú, que agora não são mais rivais, mas fizeram as pazes, enfim, a união de todo o povo de Deus. No sentido trans-histórico dessa imagem, podemos vislumbrar aí a união de todos os povos dos diferentes continentes, raças e costumes sob a mesma liderança do Servo de Javé, aquele que foi preparado desde o nascimento para ser a luz das nações e o portador da salvação a toda a humanidade.
Na segunda leitura, do início da carta de Paulo aos Coríntios, o apóstolo repete esse mesmo mote de Isaías, já citando o nome de Cristo, quando coloca como destinatários da carta assim: “à Igreja de Deus que está em Corinto: aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos junto com todos que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.” (1Cor 1, 2). Firme na fé de que Cristo é o Servo de Javé, aquele que veio para unir todas as nações, povos e culturas, Paulo destina sua carta a todos que, em qualquer lugar, invocam o nome de Jesus, isto é, a nós e a todos os cristãos. Isaías referiu-se àquilo que ainda iria acontecer no futuro, enquanto Paulo se refere a algo que já havia se tornado realidade, com o novo mandamento de Cristo. O discurso de Paulo dá sequência e complementa o discurso de Isaías. As tribos de Jacó, infelizmente, não reconheceram em Cristo o Messias, mas os remanescentes de Israel, os povos de boa vontade, gentios e de terras distantes, ouviram a sua palavra e a ela aderiram. Coincidentemente, hoje mesmo eu estava vendo na internet uma videoconferência com uma professora de Bíblia de Jerusalém e, quando um dos assistentes perguntou a ela o que significava Jesus para os judeus, ela respondeu assim: ele foi um judeu famoso, não mais do que isso. Cabe lembrar aqui a frase de Cristo a Tomé: felizes os que creram mesmo sem ter visto... ou seja, felizes somos nós, cristãos.
Agora, uma referência ao evangelho de João (1, 29-34). No domingo passado, lemos o texto de Mateus (3, 13-17), no qual o evangelista diz que, após Jesus ter sido batizado, o Espírito Santo apareceu sobre ele em forma de pomba. A narração do evangelista João inverte a ordem desses fatos. Diz que, quando Jesus ia se aproximando para ser batizado, o outro João, o Batista, disse logo: este é o Cordeiro de Deus (Jo 1, 29). É uma afirmação curiosa, porque o próprio Batista disse que não conhecia Jesus: “Também eu não o conhecia, mas se eu vim batizar com água, foi para que ele fosse manifestado a Israel'.” (Jo 1, 31). Então, se o Batista não conhecia Jesus, como foi que o identificou de imediato? O próprio evangelista explica como o Batista o reconheceu: “Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele. Também eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a batizar com água me disse: `Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo'.” (Jo 1, 32-33) Com essa leitura, faz sentido aquela outra exclamação do Batista ao ver Jesus, conforme narra Mateus (3, 14): “'Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?'” Ora, se o Batista não conhecia Jesus, por que teria dito isso antes de batizá-lo? Assim, a narrativa de João é mais coerente: quando o Batista avistou Jesus, mesmo antes que ele se aproximasse para ser batizado, viu já o Espírito sobre ele e desse modo o reconheceu. Pode até ser que a forma de pomba tenha se tornado visível para os demais presentes após o batismo de Jesus, porém, com certeza, o Batista já o havia vislumbrado bem antes. Foi por isso que o Batista pôde afirmar: “'Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Dele é que eu disse: Depois de mim vem um homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim. ” (Jo 1, 29).
Alguém poderia admirar-se com certas discrepâncias observadas no texto bíblico e, de fato, isso faz com que pessoas não crentes se utilizem desses pormenores para justificarem sua falta de fé. No entanto, devemos sempre contextualizar para melhor entender. O evangelho de João foi escrito cerca de 40 a 50 anos após os primeiros. Estima-se que os evangelhos sinóticos datem dos anos 50 ou 60, enquanto o evangelho de João teria sido escrito por volta dos anos 95 a 100. Além do mais, João deu seu testemunho pessoal dos ensinamentos de Cristo, enquanto os outros três escreveram baseando-se em fontes escritas por terceiros. Isso não significa que os outros estejam errados e só João esteja certo, não devemos concluir assim. Cada um deles representa um traço comunitário da fé cristã dos tempos primitivos e pequenas divergências são perfeitamente justificadas com as diferenças espácio-temporais. Apesar delas, contudo, a fé no Cristo Cordeiro de Deus é a mesma e não fica comprometida. Que a nossa vida brilhe sempre mais com a felicidade que brota desta fé.
domingo, 12 de janeiro de 2014
COMENTÁRIO LITÚRGICO - BATISMO DO SENHOR - 12.01.2014
COMENTARIO LITURGICO –
DOMINGO APÓS EPIFANIA – BATISMO DO SENHOR – 12.01.2014
Caros amigos,
No domingo após a Epifania, a liturgia celebra a festa do Batismo do Senhor. A sequência dos domingos do ano litúrgico reproduz para nós os momentos mais significativos da história da nossa salvação, por isso há saltos temporais imensos. No domingo anterior, tivemos a manifestação de Jesus aos povos do Oriente, ou seja, o tempo de Jesus criança. Neste domingo, temos a festa do batismo de Jesus no rio Jordão, quando ele já tinha mais de 30 anos e estava prestes a iniciar a sua pregação pelas cidades e povoados da Galileia. Sabemos que, na verdade, Jesus não precisava ser batizado, pois o batismo se destina ao perdão dos pecados, mas Ele quis cumprir todo o protocolo e foi nessa ocasião que, pela primeira vez, ocorreu a manifestação da Trindade divina.
No domingo após a Epifania, a liturgia celebra a festa do Batismo do Senhor. A sequência dos domingos do ano litúrgico reproduz para nós os momentos mais significativos da história da nossa salvação, por isso há saltos temporais imensos. No domingo anterior, tivemos a manifestação de Jesus aos povos do Oriente, ou seja, o tempo de Jesus criança. Neste domingo, temos a festa do batismo de Jesus no rio Jordão, quando ele já tinha mais de 30 anos e estava prestes a iniciar a sua pregação pelas cidades e povoados da Galileia. Sabemos que, na verdade, Jesus não precisava ser batizado, pois o batismo se destina ao perdão dos pecados, mas Ele quis cumprir todo o protocolo e foi nessa ocasião que, pela primeira vez, ocorreu a manifestação da Trindade divina.
O tema do batismo é um dos que desperta mais polêmica entre a Igreja Católica e as demais igrejas cristãs, por diversas razões históricas, que todos conhecemos, porém penso que as querelas mais significativas se concentram em dois pontos: 1. o batismo de crianças recém-nascidas, fato que não ocorria no início do cristianismo, tendo sido introduzida como prática muito tempo depois; 2. o ritual do batismo por mera aspersão (derramamento de pouca água na cabeça do batizando) e não por imersão (mergulho na água).
Em relação a essa
crucial polêmica, o fato histórico é que o batismo por imersão
era a prática dominante no Antigo Testamento e o próprio Jesus se
submeteu a ela. Contudo, no Novo Testamento, os diversos relatos
sobre o batismo sugerem uma forma de batismo diferente da imersão,
como por exemplo, em Atos 16, 33, quando Paulo batizou pessoas na
prisão, certamente ali não havia um local com água para imersão.
O próprio batismo de Paulo por Ananias (Atos 9, 18), realizado na
casa de Judas, não deve ter sido por imersão. Do mesmo modo, o
episódio ocorrido após Pentecostes (Atos 2, 37-41), quando cerca de
3.000 pessoas foram batizadas após a pregação de Pedro, não deve
ter sido por imersão. De qualquer modo, as duas formas (imersão e
aspersão) eram conhecidas desde os tempos cristãos primitivos, mas
a oficialização do batismo por aspersão ocorreu após as disputas
com Lutero (que não o aceitava), já no século XVI. E as razões
teológicas para justificar a aspersão são duas fundamentais: 1. o
fato de que a pessoa deve ser purificada do pecado (no caso da
criança, o pecado original) o quanto antes possível, ou seja, logo
após ao nascer, sem esperar a idade adulta; 2. embora a criança de
pouca idade não saiba o que está ocorrendo, a Igreja age como mãe
amorosa e faz isso por ser o melhor para o pequeno fiel, assim como
toda mãe só quer o bem dos filhos, ficando com os pais e padrinhos
a responsabilidade de ensinar a criança e conscientizá-la, quando
tiver entendimento.
Além dessas questões
histórico-doutrinárias, analisando sob o aspecto gramatical, o
vocábulo batizar deriva do verbo grego BAPTIZÔ, que significa
mergulhar, submergir, mas também lavar. Por exemplo, batizar era uma
espécie de suplício em que se mergulhava o condenado até ele
morrer sem fôlego. Mas em Lucas (11, 38), quando os fariseus se
admiraram porque os discípulos de Jesus não lavavam as mãos antes
de comer, a frase latina é “quare non baptizatus esset” e a
frase grega é “ou proton ebaptiste”, demonstrando assim o
significado do verbo “baptizô” no sentido de lavar. Para lavar
as mãos, nem sempre as mergulhamos em água, muitas vezes apenas
derramamos água sobre elas. Ou seja, além dos aspectos puramente
doutrinários, há ainda o suporte no estudo etimológico dos termos.
E podemos ainda levar em consideração o aspecto da praticidade.
Como batizar por imersão uma criança que esteja enferma, sem correr
o risco de piorar sua condição de saúde? E mesmo no caso de
pessoas sadias, o ritual seria extremamente incômodo pela
necessidade de ter de realizar o batismo nos rios, lagoas, açudes,
etc., ou em tanques de água preparados dentro dos templos, o que (ao
meu ver) desvirtua o sentido da imersão de acordo com o batismo de
Jesus, que ocorreu numa fonte de água natural. Se é para seguir o
ritual, então, que se o siga por completo.
Devemos ainda considerar a hipótese da carência da água em quantidade suficiente para a imersão, como ocorre, por exemplo, em certas localidades nordestinas. Conta-se que um certo pastor “evangélico” fazia pregações na África, num local onde a água era escassa e cara. Ele mandou fazer um tanque para mergulhar as pessoas e comprava água de um certo comerciante. Ao saber do destino da água, o comerciante começou a aumentar o preço da água e o pastor foi reclamar dele. Resposta do vendedor: o que tem muito aqui é areia, se você quiser fazer seu ritual com areia, não vai precisar comprar, mas se quer se dar ao luxo de fazer com água, deve ter condições de pagar... Em síntese, digo que a forma de realizar o batismo, se por imersão ou por aspersão, não é relevante, e sim a fé que deve motivar o fiel a receber o batismo. No caso de crianças pequenas, a fé é dos adultos que as levam a batizar e que se comprometem a catequizar o batizado na mesma fé que professam.
Acerca das leituras litúrgicas dessa festa, o evangelho de Mateus (3, 13-17) relata o batismo de Jesus por João, que já foi cognominado Batista exatamente pelo ritual que ele fazia com as pessoas convertidas, o batismo da penitência. João preparava os caminhos para a chegada do Messias e conclamava todos a fazerem penitência. O sinal da adesão era o batismo no rio Jordão. Para lá foi Jesus, com a finalidade de também ser batizado. Evidentemente, Jesus não precisava ser batizado e o próprio João se recusou, conforme relata Mateus (13, 14): 'Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?' Porém, Jesus o persuadiu a fazer igual como fazia aos outros, e assim ele fez. Sobre este fato, eu li um comentário interessante hoje, no site Zenit, do padre Antonio Rivero, nos seguintes termos: “podemos dizer que Jesus se batizou por nós. Submergiu-se naquelas águas para purificá-las, no contato com sua carne santíssima, e assim conferiu-lhes o poder de purificar. Submergiu-se também para fecunda-las, dando-lhes a capacidade de gerar filhos para Deus. ” Então, nessa linha de raciocínio, Jesus batizou-se não para purificar-se, porque já era totalmente puro, mas para purificar as águas do Jordão, e nestas simbolicamente todas as águas da terra, para conferir a elas o poder de nos purificar pelo batismo na fé da sua doutrina.
Além disso, o batismo de Jesus foi o primeiro momento em que se manifestou publicamente a Trindade divina, quando “o céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e vindo pousar sobre ele. E do céu veio uma voz... ” (Mt 13, 16), isto é, o início da pregação pública de Jesus foi oficialmente homologado pelas três pessoas divinas. Obviamente, naquele momento, as pessoas não compreenderam o que havia acontecido, mas posteriormente, após a ressurreição de Jesus, quando as comunidades dos primeiros fiéis fizeram a rememoração dos acontecimentos da Sua vida, de onde provêm os textos primitivos que deram origem aos evangelhos, puderam compreender o alcance desse fato deveras significativo.
Uma curiosidade que releva tratar aqui é que, do ponto de vista da fé, a data do batismo do cristão deveria ser comemorada assim como se comemoram as datas natalícias, porque essa data representa o nascimento para a comunidade eclesial. Com certeza, todos se recordam de que, quando recebíamos a batina no seminário, nós não comemorávamos mais o dia do aniversário, mas o dia do onomástico, isto é, o dia do santo padroeiro do seu nome, numa clara referência a um novo nascimento, que ocorria com a vestição religiosa. Essa mesma ideia bem que poderia ser adotada em relação à data do batismo. Porém, o que mais comumente ocorre é que a maioria dos cristãos não sabe ou não se recorda o dia do seu batismo, como se não atribuísse importância a essa data. As Paróquias mesmo não estimulam os fiéis a essa lembrança, o que fariam muito bem se assim procedessem.
Para finalizar, gostaria de ponderar que o batismo não deve ser um fato longínquo e esquecido na nossa caminhada existencial, mas um fato a ser testemunhado diuturnamente, na nossa vivência de cristãos, seja na família, seja no trabalho, nas relações familiares, nas amizades, na vida social em geral, através do nosso comportamento de pessoas engajadas e comprometidas com a fé assumida no batismo. Que o divino Espírito nos assista constantemente no exercício dessa missão.
Assinar:
Postagens (Atom)