domingo, 26 de janeiro de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO COMUM - A VOCAÇÃO DE CADA UM - 26.01.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO COMUM – 26.01.2014 – A VOCAÇÃO DE CADA UM

Caros Amigos,

A liturgia deste 3º domingo comum nos convida a refletir sobre a vocação, isto é, o objetivo da vida de cada pessoa. A vocação de João Batista, a vocação de Cristo, dos seus apóstolos, de todos nós. E São Paulo exorta a comunidade de Corinto a evitar dissensões e concentrar-se na primeira e única vocação básica de todo cristão, que é seguir os ensinamentos de Cristo. Mais uma vez, entra em cena o profeta Isaías, com suas certeiras proferias acerca do Messias, que o evangelista Mateus faz questão de ressaltar como tendo sido cumpridas na pessoa de Cristo, fato que os judeus daquela época (assim como os do nosso tempo) recusavam-se a admitir.

Logo no início da primeira leitura (Is 8, 23-9,3), o profeta faz a seguinte referência histórica: “No tempo passado o Senhor humilhou a terra de Zabulon e a terra de Neftali; mas recentemente cobriu de glória o caminho do mar, do além-Jordão e da Galiléia das nações. ” (Is 8, 23) Esse “tempo passado” a que o profeta se refere foi o tempo do domínio assírio, por volta do ano 730 a.C. A fim de prevenir futuras rebeliões, os dominadores assírios deportavam os povos dominados, comunidades de diversas raças e línguas, para um determinado lugar, misturando as culturas e dificultando as comunicações entre eles. Assim é que vieram pagãos de diversas nacionalidades conviver nas terras das tribos de Zabulon e Neftali, nas margens do Mar da Galiléia, trazendo tumulto e dificuldades para os povos ali residentes, ficando essa região conhecida como “galiléia das nações”. De fato, a palavra “galiléia” (hagalil, em hebraico, transferido para o grego como galilaia) significa “distrito”, “província”, assim a galiléia das nações significava um território onde moravam populações de diversas origens, era uma região onde o povo não tinha uma identidade étnica ou cultural e, naturalmente, era também uma região de muita pobreza. No tempo de Isaías, o império assírio havia sido dominado pelos persas e já não dominava mais, no entanto, aqueles povos não retornaram para os seus locais de origem e formavam um conglomerado altamente disperso, um amontoado de línguas, costumes, religiões, culturas, uma população pobre e marginalizada, daí porque isso era considerado uma humilhação para os seus nativos. A maior cidade dessa região era Cafarnaum.

Então, diz o profeta: no passado, o Senhor humilhou aquela região, mas recentemente a cobriu de glória e uma luz resplandeceu para aquele povo que vivia na escuridão (Is 9, 1). O evangelista Mateus vai repetir literalmente essa passagem de Isaías, quando diz: (Mt 4, 12-14) Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galiléia. Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galiléia, no território de Zabulon e Neftali, para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías. Vê-se claramente a preocupação de Mateus em mostrar que Jesus é o Messias previsto pelos antigos profetas, ao dizer que Ele começou o seu ministério por Cafarnaum, logo após o encerramento da missão de João, o batista. Ele foi a luz que resplandeceu para aquele povo. Veem-se também, nesse contexto, delineadas as vocações de João Batista e de Jesus, o precursor e o precedido. A vocação de João era preparar o caminho; a vocação de Jesus era dar prosseguimento ao batismo da conversão, pregado por João, e levar a todos o anúncio da sua boa nova. Por isso, Mateus refere que Jesus começou sua missão em Cafarnaum exatamente continuando a mesma temática iniciada por João: “Daí em diante Jesus começou a pregar dizendo: 'Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo. ” (Mt 4, 17). Dizia o Batista: arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus (Mt 3,2). E dizia mais: eu vos batizo com água, mas o que vem depois de mim vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo (Mt 3, 11). Mateus faz, desse modo, a intercalação da profecia de Isaías com a missão de João e com a pregação de Jesus.

João Batista tinha vários discípulos e a estes ele mostrou Jesus, dizendo: eis o Cordeiro de Deus, a ele é que vocês devem seguir. (Jo 1, 36) Os evangelhos não mencionam os nomes desses discípulos de João Batista, exceto um deles, André, que era irmão de Simão Pedro. (Jo 1, 40). Outro provável discípulo do Batista, que depois passou a seguir Jesus, seria o próprio João evangelista. Deduz-se isso pelo modo como João narra no evangelho esses fatos, dos quais ele participou. Desse modo, quando Mateus diz: “Jesus andava à beira do mar da Galiléia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse a eles: 'Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens'” (Mt 4, 18-19), se confrontarmos essa narração com os fatos contida no evangelho de João, conclui-se que não foi bem assim. André era discípulo do Batista e foi aconselhado por este a seguir o Cordeiro, tendo convencido também seu irmão Simão a fazer o mesmo. Idêntico raciocínio se pode fazer em relação ao chamado de Tiago e João, que Mateus narra assim: “Caminhando um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com seu pai Zebedeu consertando as redes. Jesus os chamou.” (Mt 4, 21) João já conhecia Jesus e deve ter convencido seu irmão Tiago a também segui-lo. Dizem ainda os biblistas que, quando Jesus deixou a casa dos seus pais, em Nazaré, e mudou-se para Cafarnaum, foi morar provavelmente na casa de Pedro, tendo inclusive curado a sogra dele que estava enferma (Mt 8, 14) Foram esses os quatro primeiros discípulos que Jesus vocacionou e a missão deles também ficou desde o início definida: farei de vós pescadores de homens. Aos poucos, em circunstâncias próprias, Jesus foi chamando os demais, até formar o grupo que ele catequizou por três anos e continuou a prepará-los após a sua ressurreição, para continuarem a sua missão.

Para uma pessoa que lê a Bíblia com olhos puramente formalistas, fica difícil compreender essas divergências que observamos entre os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) em comparação com o evangelho de João. Mas para os estudiosos do assunto, essas diferenças são perfeitamente compreensíveis e explicáveis, não ocasionando uma ruptura doutrinária, mas tão somente formas estilísticas e modelos de composição literária. Consideremos, portanto: 1. o evangelho de Mateus, assim como os de Marcos e Lucas, são bem mais antigos do que o de João, escritos por volta dos anos 60, enquanto João escreveu por volta do ano 100; 2. os evangelhos sinóticos são compilações de textos mais antigos, que circulavam nas comunidades e tinham diferentes origens, sendo cópias de tradições orais, histórias que passavam de boca em boca, narrando os ensinamentos de Cristo; 3. na época em que João escreveu, muitas dessas divergências já haviam sido observadas e corrigidas, de modo que o texto de João é mais elaborado, mais pesquisado, mais coerente; 4. João fora testemunha ocular dos fatos. Portanto, não devemos considerar que os primeiros estejam errados e com isso colocar em dúvida o que ali está escrito. O que verdadeiramente importa é o chamado, a vocação de cada um, se foi na beira do Mar da Galiléia ou num lugar qualquer, o que realmente interessa é que eles foram chamados e atenderam ao chamado, eles aceitaram a proposta de Cristo para mudarem de vida. Em vez de serem pescadores de peixes, passariam a ser pescadores de pessoas. Para isso, eles tiveram de mudar de vida, mudar o modo de pensar, fazer uma metanóia, ou seja, uma conversão.

Na carta aos Coríntios (1Cor 1, 10-13), Paulo adverte aquela comunidade para que se concentrem na sua vocação comum de seguir a Cristo, sem procurar cultivar discórdia ou formar grupos, porque a vocação básica de todo cristão é uma só: ter Cristo como modelo de sua vida. Paulo havia sido informado de que criaram-se grupos naquela comunidade, de acordo com o líder que os guiava. Será que Cristo está dividido? Em nome de quem fostes batizados? Interroga-os Paulo. Meus amigos, vê-se que essa divisão em grupos de interesses, tão prejudicial para a vivência da comunidade, que se verifica nos dias de hoje, como se fossem pequenas seitas dentro do mesmo rebanho, já começou a existir ainda no tempo dos apóstolos. Tradicionalistas, carismáticos, cebistas, vanguardistas, fundamentalistas, cançãonovistas, tridentinos, ecumênicos... cabe aqui a pergunta de Paulo: acaso Cristo está dividido? Essa situação ainda se agrava mais quando esses grupos passam à mútua refrega, como se quisessem desmerecer a tendência dos outros irmãos e um deles querendo impor aos demais o seu próprio ponto de vista, arvorando-se em detentor da verdade e condenando os que pensam de modo diferente. A mensagem de Cristo é uma só, assim como a vocação de cada um é típica e pessoal. A tolerância e o mútuo respeito devem ser as atitudes mais compatíveis com a conduta do autêntico cristão. Cada qual, na diversidade da sua vocação e na peculiaridade da sua missão, compõem o grande mosaico de formas e expressões de uma mesma ideologia: o seguimento de Jesus Cristo.
Que o Divino Mestre nos una e nos fortaleza nessa desafiante caminhada.

PS: Na data de hoje, 26.01.2014, estou comemorando 50 anos de chegada ao Ceará, quando entrei no Seminário Seráfico Nossa Senhora do Brasil, em Messejana, vindo de Parnaíba-Piauí.

Nenhum comentário:

Postar um comentário