domingo, 20 de maio de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DA PÁSCOA – O BOM PASTOR – 29.04.2012


Caros Confrades,

Neste 4º domingo da Páscoa, a liturgia nos traz a conhecida imagem do Bom Pastor (Jo 10, 11). Juntamente com a figura do Bom Samaritano, são duas das imagens bíblicas mais conhecidas pelo nosso povo. Os Confrades que moraram em Parnaíba devem recordar-se que lá existe um nicho com uma grande imagem de Maria homenageada sob o título de Divina Pastora. Eu nunca vi essa devoção em outros lugares por onde passei. E até mesmo lá em Parnaíba eu ouvi alguns frades dizerem que este não é um título reconhecido para Nossa Senhora, que devia ser invenção de alguém; no entanto, aquela imagem não foi confeccionada lá, portanto, deve haver réplicas dela em outras paragens.

A comparação do Messias com o Bom Pastor é uma analogia bastante significativa para o povo de Israel, que tinha considerável parte de sua economia baseada no pastoreio, herança ainda dos tempos nômades no deserto. Jesus utilizava, na sua pedagogia catequética, as imagens conhecidas pelas pessoas da região, preferencialmente, a do pescador-peixe e do pastor-ovelha. Em diversas ocasiões, ele usou figuras e ações ligadas à profissão do pescador para associar com a missão do cristão; outras vezes, o tema foi a figura do pastor, como no caso da leitura deste domingo. E ainda faz uma referência indireta a nós, os gentios, que não somos da cultura judaica, dizendo que existem outras ovelhas que ainda não pertencem a este rebanho, a estas eu também devo conduzir, porque haverá um só rebanho e um só pastor. A nossa vivência cristã atual é a realização dessa profecia de Jesus, ao anunciar a universalidade da sua doutrina.

Este tema é retomado na primeira carta de João (1Jo 3,2), quando ele diz que “desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos!”. Eu entendo que João quer afirmar que, por ora, mesmo sendo pecadores e frágeis, já temos esse dom de sermos chamados 'filhos de Deus', o que será realizado em plenitude quando Jesus se manifestar em nós, porque então seremos semelhantes a ele. Penso que aqui João está se referindo explicitamente à nossa ressurreição, quando morrermos em Cristo e formos com ele ressuscitados. É como se a situação atual fosse uma antecipação do que acontecerá no futuro, para que, através do nosso testemunho, outras pessoas possam também acreditar em Jesus, filho de Deus.

Coerente com este mesmo tema é a primeira leitura, retirada do livro dos Atos dos Apóstolos (At 4,8), que relata um discurso de Pedro perante os membros do Sinédrio judaico, em mais um interrogatório pelo qual passavam, por estarem realizando milagres em nome de Jesus, depois de terem sido proibidos de fazer isso. No domingo passado, fiz referência aqui ao discurso de Gamaliel no Sinédrio, quando Pedro e João eram interrogados por estarem pregando o cristianismo, fazendo uma defesa indireta deles. Nas leituras litúrgicas do meio da semana, foram lidos diversos trechos do livro dos Atos, sempre referindo-se a ações miraculosas feitas pelos apóstolos, logo após a ressurreição de Cristo. Foi o caso de um homem chamado Enéias, que era paralítico e estava acamado fazia 8 anos e Pedro o curou, da mesma forma como Jesus curara outro paralítico, e este também saiu andando e carregando a cama na qual jazia pouco tempo antes. Outro milagre de Pedro foi a ressurreição de uma mulher caridosa, chamada Tabita. A morte dela causou grande comoção na comunidade, porque ela fazia muito bem aos pobres, que lamentaram o fato. Pedro estava na cidade e foi avisado e, dirigindo-se até lá, orou pedindo a Jesus que a ressuscitasse, e isso aconteceu. E diz o texto: todos ficaram maravilhados e muitos habitantes creram em Jesus.

Pedro, cheio de coragem, encarou os anciãos e os chefes do povo no tribunal e disse sem meias palavras: nós estamos sendo perseguidos porque fazemos o bem, pois saibam que fazemos isso em nome daquele Jesus que vós matastes... Imaginemos a cena: Pedro um pescador, uma pessoa rude e sem instrução, falando diante dos mestres e doutores da lei, os donos da sabedoria de Israel. Cumpriu-se aí literalmente aquilo que Jesus predissera, que eles não se preocupassem com o que iriam dizer, porque o Espírito falaria através deles. E o curioso é que Pedro utiliza uma imagem que Jesus havia ensinado aos apóstolos, sobre a pedra angular rejeitada pelos construtores.

Jesus era verdadeiramente um grande pedagogo. O conceito da pedra angular não era propriamente da cultura judaica, mas da engenharia romana, que naquela época era dominante no território da Palestina. Todos conhecem as famosas arcadas de Roma, fruto da engenhosa arte dos construtores romanos que, antes da existência do concreto armado com ferro, conseguiam fazer vãos enormes que se auto sustentavam, pela colocação de uma pedra em formato triangular bem no centro, equilibrando o peso dos semiarcos laterais. Em qualquer foto das construções da Roma antiga é possível ver a sua presença, e a sua importância decorre do fato de que, se ela fosse retirada, toda a construção iria abaixo. Jesus traz para a sua pedagogia uma imagem importada, que não era nativa da cultura judaica, mas que já se tornara bastante conhecida, por causa da prolongada presença dos romanos na região. E Pedro repete este conceito perante os mestres da lei e chefes do povo, reforçando o seu discurso.

E Pedro fecha o seu discurso com uma afirmação que é muito cara aos nossos 'irmãos separados' (termo cunhado pelo Papa João XXIII) para criticarem dos católicos por causa da devoção a Maria e aos santos, que muitas vezes supera a figura de Cristo. O nosso Confrade Bosco, em diversas mensagens, já enfatizou essa característica do catolicismo. Diz Pedro: (At 4, 12) ”em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possam ser salvos”. Nenhum de nós desconhece este viés devocional, que a catequese tradicional tem contribuído para levar ao exagero, assim como todos nós temos de reconhecer que os 'irmãos separados' estão com a razão ao criticarem o devocionismo exagerado. Enquanto os templos são repletos de diversas imagens de Maria e de cristãos canonizados, a lembrança da presença real de Cristo é simbolizada apenas por uma pequenina luz vermelha, em algum canto do presbitério. Isso, quando não fica em uma nave lateral ou em outro local ainda mais escondido. Não se nega o valor da missão de Maria nem dos testemunhos de vida dos cristãos elevados à honra dos altares, no entanto, em vez de servirem apenas como mediação para a figura de Cristo, eles terminam se transformando no próprio alvo da devoção. E não é raro vermos pessoas que, durante a missa, estão a rezar o terço, denotando esse tradicional costume de subestimar o ato litúrgico essencial, substituindo-o por devoções privadas. “Em nenhum outro há salvação”, continua repetindo Pedro nos nossos dias. Só há um Bom Pastor, aquele a quem as ovelhas ouvem a voz e seguem. Na nossa transformação, Cristo se manifestará em nós e seremos semelhantes a ele. Sem desmerecer a virtude e o exemplo dos cristãos que se destacaram na autenticidade da fé e na vivência da caridade, a pessoa de Jesus Cristo deve ser sempre o centro da nossa atenção primordial, não podemos deixar para nos lembrarmos d'Ele somente na semana santa e na Páscoa.


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