Caros Confrades,
Neste 4º domingo da
Páscoa, a liturgia nos traz a conhecida imagem do Bom Pastor (Jo 10,
11). Juntamente com a figura do Bom Samaritano, são duas das imagens
bíblicas mais conhecidas pelo nosso povo. Os Confrades que moraram
em Parnaíba devem recordar-se que lá existe um nicho com uma grande
imagem de Maria homenageada sob o título de Divina Pastora. Eu nunca
vi essa devoção em outros lugares por onde passei. E até mesmo lá
em Parnaíba eu ouvi alguns frades dizerem que este não é um título
reconhecido para Nossa Senhora, que devia ser invenção de alguém;
no entanto, aquela imagem não foi confeccionada lá, portanto, deve
haver réplicas dela em outras paragens.
A comparação do
Messias com o Bom Pastor é uma analogia bastante significativa para
o povo de Israel, que tinha considerável parte de sua economia
baseada no pastoreio, herança ainda dos tempos nômades no deserto.
Jesus utilizava, na sua pedagogia catequética, as imagens conhecidas
pelas pessoas da região, preferencialmente, a do pescador-peixe e do
pastor-ovelha. Em diversas ocasiões, ele usou figuras e ações
ligadas à profissão do pescador para associar com a missão do
cristão; outras vezes, o tema foi a figura do pastor, como no caso
da leitura deste domingo. E ainda faz uma referência indireta a nós,
os gentios, que não somos da cultura judaica, dizendo que existem
outras ovelhas que ainda não pertencem a este rebanho, a estas eu
também devo conduzir, porque haverá um só rebanho e um só pastor.
A nossa vivência cristã atual é a realização dessa profecia de
Jesus, ao anunciar a universalidade da sua doutrina.
Este tema é retomado
na primeira carta de João (1Jo 3,2), quando ele diz que “desde
já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que
seremos!”. Eu entendo que João
quer afirmar que, por ora, mesmo sendo pecadores e frágeis, já
temos esse dom de sermos chamados 'filhos de Deus', o que será
realizado em plenitude quando Jesus se manifestar em nós, porque
então seremos semelhantes a ele. Penso que aqui João está se
referindo explicitamente à nossa ressurreição, quando morrermos em
Cristo e formos com ele ressuscitados. É como se a situação atual
fosse uma antecipação do que acontecerá no futuro, para que,
através do nosso testemunho, outras pessoas possam também acreditar
em Jesus, filho de Deus.
Coerente com este mesmo
tema é a primeira leitura, retirada do livro dos Atos dos Apóstolos
(At 4,8), que relata um discurso de Pedro perante os membros do
Sinédrio judaico, em mais um interrogatório pelo qual passavam, por
estarem realizando milagres em nome de Jesus, depois de terem sido
proibidos de fazer isso. No domingo passado, fiz referência aqui ao
discurso de Gamaliel no Sinédrio, quando Pedro e João eram
interrogados por estarem pregando o cristianismo, fazendo uma defesa
indireta deles. Nas leituras litúrgicas do meio da semana, foram
lidos diversos trechos do livro dos Atos, sempre referindo-se a ações
miraculosas feitas pelos apóstolos, logo após a ressurreição de
Cristo. Foi o caso de um homem chamado Enéias, que era paralítico e
estava acamado fazia 8 anos e Pedro o curou, da mesma forma como
Jesus curara outro paralítico, e este também saiu andando e
carregando a cama na qual jazia pouco tempo antes. Outro milagre de
Pedro foi a ressurreição de uma mulher caridosa, chamada Tabita. A
morte dela causou grande comoção na comunidade, porque ela fazia
muito bem aos pobres, que lamentaram o fato. Pedro estava na cidade e
foi avisado e, dirigindo-se até lá, orou pedindo a Jesus que a
ressuscitasse, e isso aconteceu. E diz o texto: todos ficaram
maravilhados e muitos habitantes creram em Jesus.
Pedro, cheio de
coragem, encarou os anciãos e os chefes do povo no tribunal e disse
sem meias palavras: nós estamos sendo perseguidos porque fazemos o
bem, pois saibam que fazemos isso em nome daquele Jesus que vós
matastes... Imaginemos a cena: Pedro um pescador, uma pessoa rude e
sem instrução, falando diante dos mestres e doutores da lei, os
donos da sabedoria de Israel. Cumpriu-se aí literalmente aquilo que
Jesus predissera, que eles não se preocupassem com o que iriam
dizer, porque o Espírito falaria através deles. E o curioso é que
Pedro utiliza uma imagem que Jesus havia ensinado aos apóstolos,
sobre a pedra angular rejeitada pelos construtores.
Jesus era
verdadeiramente um grande pedagogo. O conceito da pedra angular não
era propriamente da cultura judaica, mas da engenharia romana, que
naquela época era dominante no território da Palestina. Todos
conhecem as famosas arcadas de Roma, fruto da engenhosa arte dos
construtores romanos que, antes da existência do concreto armado com
ferro, conseguiam fazer vãos enormes que se auto sustentavam, pela
colocação de uma pedra em formato triangular bem no centro,
equilibrando o peso dos semiarcos laterais. Em qualquer foto das
construções da Roma antiga é possível ver a sua presença, e a
sua importância decorre do fato de que, se ela fosse retirada, toda
a construção iria abaixo. Jesus traz para a sua pedagogia uma
imagem importada, que não era nativa da cultura judaica, mas que já
se tornara bastante conhecida, por causa da prolongada presença dos
romanos na região. E Pedro repete este conceito perante os mestres
da lei e chefes do povo, reforçando o seu discurso.
E Pedro fecha o seu
discurso com uma afirmação que é muito cara aos nossos 'irmãos
separados' (termo cunhado pelo Papa João XXIII) para criticarem dos
católicos por causa da devoção a Maria e aos santos, que muitas
vezes supera a figura de Cristo. O nosso Confrade Bosco, em diversas
mensagens, já enfatizou essa característica do catolicismo. Diz
Pedro: (At 4, 12) ”em nenhum outro há salvação, pois não
existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possam
ser salvos”. Nenhum de nós desconhece este viés devocional,
que a catequese tradicional tem contribuído para levar ao exagero,
assim como todos nós temos de reconhecer que os 'irmãos separados'
estão com a razão ao criticarem o devocionismo exagerado. Enquanto
os templos são repletos de diversas imagens de Maria e de cristãos
canonizados, a lembrança da presença real de Cristo é simbolizada
apenas por uma pequenina luz vermelha, em algum canto do presbitério.
Isso, quando não fica em uma nave lateral ou em outro local ainda
mais escondido. Não se nega o valor da missão de Maria nem dos
testemunhos de vida dos cristãos elevados à honra dos altares, no
entanto, em vez de servirem apenas como mediação para a figura de
Cristo, eles terminam se transformando no próprio alvo da devoção.
E não é raro vermos pessoas que, durante a missa, estão a rezar o
terço, denotando esse tradicional costume de subestimar o ato
litúrgico essencial, substituindo-o por devoções privadas. “Em
nenhum outro há salvação”, continua repetindo Pedro nos nossos
dias. Só há um Bom Pastor, aquele a quem as ovelhas ouvem a voz e
seguem. Na nossa transformação, Cristo se manifestará em nós e
seremos semelhantes a ele. Sem desmerecer a virtude e o exemplo dos
cristãos que se destacaram na autenticidade da fé e na vivência da
caridade, a pessoa de Jesus Cristo deve ser sempre o centro da nossa
atenção primordial, não podemos deixar para nos lembrarmos d'Ele
somente na semana santa e na Páscoa.
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