Caros Confrades,
A liturgia deste 5º
domingo da Páscoa nos traz uma das parábolas mais conhecidas de
Cristo, ao lado do Bom Pastor e do Bom Samaritano: a parreira e seus
ramos. Ele é a parreira e nós somos os ramos (Jo 15, 1). Nesse
contexto, a primeira leitura, retirada do livro dos Atos (At 9, 26)
fala da conversão de Saulo, que depois passaria a se chamar Paulo.
Vejamos de que modo esses dois temas se unem na liturgia deste
domingo.
A parábola da parreira
ou da videira só se encontra no evangelho de João, o que pode ter
sido fruto da lembrança do próprio evangelista ou pode também ter
sido uma fonte literária conhecida por ele e não pelos outros
evangelistas. De todo modo, o exemplo da parreira reflete bem o
amadurecimento da doutrina cristã na época em que João escreveu
seu evangelho, por volta do ano 100 d. C. E se encaixa bem ainda na
teologia joanina, exposta nas suas cartas, como se vê no texto da
segunda leitura deste domingo (1 Jo 3, 18). Falar em parreira, para
mim, significa uma grata recordação daquele jardim do Seminário de
Messejana, que ficava entre o refeitório e o salão de estudo, onde
havia uma grande parreira plantada. Várias vezes, eu vi o frei
Daniel, irmão leigo que acho que todos conheceram, podando aqueles
ramos e, em pouco tempo, estavam eles a brolhar novamente. E também
tinha uma 'ciência' para adubá-la, porque não podia colocar o
adubo diretamente sobre as raízes, mas com uma camada de terra
separando. Muito tempo depois, em viagem ao Rio Grande do Sul, eu
pude conhecer o que são grandes parreiras, que se espalham por onde
a vista alcança, e então percebi que aquela pequenina parreira do
nosso jardim era apenas uma imitação em miniatura do que ela
representava.
Então, Cristo diz que
Ele é a parreira e o Pai é o agricultor. E depois completa: eu sou
a parreira (videira) e vós sois os ramos. Assim como é necessário
que o ramo permaneça unido ao tronco da parreira para que produza
frutos, também nós precisamos permanecer unidos a
Cristo-tronco-da-parreira para que possamos produzir frutos de
santidade. A imagem da parreira, usada por Cristo, era bem apropriada
para a sua pedagogia das comunidades que viviam nas regiões
ribeirinhas do Jordão, as quais eram terras mais férteis. Na sua
alocução de hoje, na Praça de São Pedro, dirigindo-se aos
peregrinos presentes em Roma, o Papa Bento XVI lembrou que “Muitas
vezes, na Bíblia, Israel é comparada com a fecunda vinha quando é
fiel a Deus; mas, se afasta-se Dele, torna-se estéril, incapaz de
produzir aquele “vinho que alegra o coração do homem”, como
canta o Salmo 104 (v.15) ” Portanto,
Cristo se utiliza de uma imagem que era bem conhecida pelos judeus,
pois já era utilizada desde o Antigo Testamento. Ele faz, então,
uma atualização dessa imagem, deslocando a atenção para a pessoa
d'Ele, que com sua encarnação, veio plantar no meio dos homens a
árvore da nossa salvação, tornando-se o tronco ao qual nós
devemos aderir, se quisermos nos salvar.
Nós
não nascemos já agarrados no tronco da parreira, nós nascemos como
ramos autônomos, que precisam ser enxertados no tronco, donde iremos
receber a seiva da vida. É pelo batismo que somos enxertados nesse
tronco vivo e nele devemos permanecer. E Cristo, pela pena do
evangelista, nos diz textualmente: “Como
o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na
videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não
permanecerdes em mim.
” (Jo 15,4) Porque todo ramo que, enxertado a Ele, não der fruto,
o Pai o arrancará; e aquele que dá fruto, o Pai limpará, para que
dê mais fruto ainda. Então, aqui se coloca uma pergunta: como fazer
para, uma vez enxertados no tronco vivo, não sejamos ramos
improdutivos, sujeitos ao corte certo? A resposta se encontra na
carta de João, que lemos na segunda leitura.
Na
Primeira Carta (3, 24), João complementa o que ele não escreveu no
texto do evangelho, ensinando qual o modo de permanecermos como ramos
vivos e produtivos: “Quem
guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com
ele.
” Portanto, esta é a condição para que nós, ramos, permaneçamos
enxertados na parreira e produzindo frutos. E quais são esses
mandamentos a que João se refere? A resposta se encontra no
versículo anterior (3, 23): “Este
é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo,
e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos
deu.
” Ou seja, meus amigos, a condição para permanecermos atrelados a
Cristo-parreira é a fé nele, que se expressa no amor aos irmãos.
Não são duas coisas distintas, são duas atitudes que se
complementam e, ao final, se transformam numa só. A fé que não se
manifesta em obras é morta, portanto, não basta crer. E todo o que
crê em Cristo, ama os irmãos, por quem Ele deu a Sua vida.
Aqui
podemos fazer o gancho para a conversão de Saulo (Paulo), que se
encontra narrada em detalhes no livro dos Atos dos Apóstolos. Tudo
indica que Lucas, o escritor dos Atos, viajava com Saulo (Paulo) pelo
mundo afora, porque ele sabia de todas as suas atividades em
detalhes. Narra Lucas que Saulo estava presente no apedrejamento de
Estêvão (um dos primeiros diáconos e o primeiro mártir do
cristianismo), inclusive, foi Saulo quem segurou as roupas de Estêvão
na hora do seu martírio. E depois disso, Saulo tornou-se perseguidor
dos discípulos de Cristo. Mas Cristo precisava de uma pessoa com o
temperamento dele e com o conhecimento dele, para consolidar os
primeiros passos da Sua igreja, então, ele foi enxertado na parreira
“à força”, quando Cristo o derrubou do cavalo e o chamou para a
missão de evangelizar. A narrativa dos Atos lida neste domingo (At
9, 26) relata que Saulo chegou a Jerusalém e tentou se juntar aos
discípulos, mas estes ainda tinham medo dele, porque o conheciam
como feroz perseguidor e não acreditavam na sua conversão. Foi
preciso que Barnabé advogasse em favor de Saulo e testemunhasse todo
o processo de mudança ocorrido em sua pessoa, para que os discípulos
então acreditassem e o aceitassem.
Pouco
depois, Barnabé foi encarregado de dar assistência à igreja de
Antioquia, onde havia uma grande comunidade cristã, e então
convidou Saulo para ir com ele. Foi nesta ocasião que Saulo decidiu
trocar seu nome para Paulo. Os estudiosos não são unânimes na
explicação do por que Saulo tomou essa decisão, mas a razão mais
provável deve ter sido para que a mudança de nome representasse
externamente a sua mudança íntima, a sua conversão, e ele queria
que isso ficasse bem notório para todos. O nome Saulo é judeu, o
nome Paulo é romano. O nome Saulo tem a mesma raiz do nome do rei
Saul, primeiro rei de Israel, que perseguiu Davi. Ora, Cristo era
descendente de Davi e Saulo não era mais um perseguidor. Além
disso, era costume que os judeus convertidos mudassem seu nome
judaico para um nome grego ou romano. No caso, havia um oficial do
exército romano, a quem Saulo admirava, que se chamava Paulus, pois
pertencia à família dos Pauli. Pode ter sido então uma forma de,
ao mesmo tempo, assumir um nome romano e homenagear um amigo. O que
mais importa, porém, é que a mudança do nome estava refletindo a
sua mudança interior. E diz Lucas, em Atos (11, 26), que Barnabé e
Paulo passaram um ano inteiro pregando e dando assistência à igreja
de Antioquia e “Em
Antioquia os discípulos foram, pela primeira vez, chamados com o
nome de cristãos.
” Temos aí também a origem do nome de 'cristãos' atribuída aos
seguidores de Cristo.
Paulo
é o exemplo mais eloquente de um ramo estranho, enxertado na
parreira, e que se tornou ramo frondoso e produtivo. Que o exemplo
dele nos inspire a permanecer unidos à parreira-Cristo, sendo fiéis
ao ensinamento de João (guardar os mandamentos) e produzindo frutos
para a nossa própria salvação e para a salvação dos irmãos.
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