domingo, 20 de maio de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA PÁSCOA – CRISTO, A PARREIRA – 06.05.2012



Caros Confrades,

A liturgia deste 5º domingo da Páscoa nos traz uma das parábolas mais conhecidas de Cristo, ao lado do Bom Pastor e do Bom Samaritano: a parreira e seus ramos. Ele é a parreira e nós somos os ramos (Jo 15, 1). Nesse contexto, a primeira leitura, retirada do livro dos Atos (At 9, 26) fala da conversão de Saulo, que depois passaria a se chamar Paulo. Vejamos de que modo esses dois temas se unem na liturgia deste domingo.

A parábola da parreira ou da videira só se encontra no evangelho de João, o que pode ter sido fruto da lembrança do próprio evangelista ou pode também ter sido uma fonte literária conhecida por ele e não pelos outros evangelistas. De todo modo, o exemplo da parreira reflete bem o amadurecimento da doutrina cristã na época em que João escreveu seu evangelho, por volta do ano 100 d. C. E se encaixa bem ainda na teologia joanina, exposta nas suas cartas, como se vê no texto da segunda leitura deste domingo (1 Jo 3, 18). Falar em parreira, para mim, significa uma grata recordação daquele jardim do Seminário de Messejana, que ficava entre o refeitório e o salão de estudo, onde havia uma grande parreira plantada. Várias vezes, eu vi o frei Daniel, irmão leigo que acho que todos conheceram, podando aqueles ramos e, em pouco tempo, estavam eles a brolhar novamente. E também tinha uma 'ciência' para adubá-la, porque não podia colocar o adubo diretamente sobre as raízes, mas com uma camada de terra separando. Muito tempo depois, em viagem ao Rio Grande do Sul, eu pude conhecer o que são grandes parreiras, que se espalham por onde a vista alcança, e então percebi que aquela pequenina parreira do nosso jardim era apenas uma imitação em miniatura do que ela representava.

Então, Cristo diz que Ele é a parreira e o Pai é o agricultor. E depois completa: eu sou a parreira (videira) e vós sois os ramos. Assim como é necessário que o ramo permaneça unido ao tronco da parreira para que produza frutos, também nós precisamos permanecer unidos a Cristo-tronco-da-parreira para que possamos produzir frutos de santidade. A imagem da parreira, usada por Cristo, era bem apropriada para a sua pedagogia das comunidades que viviam nas regiões ribeirinhas do Jordão, as quais eram terras mais férteis. Na sua alocução de hoje, na Praça de São Pedro, dirigindo-se aos peregrinos presentes em Roma, o Papa Bento XVI lembrou que “Muitas vezes, na Bíblia, Israel é comparada com a fecunda vinha quando é fiel a Deus; mas, se afasta-se Dele, torna-se estéril, incapaz de produzir aquele “vinho que alegra o coração do homem”, como canta o Salmo 104 (v.15) ” Portanto, Cristo se utiliza de uma imagem que era bem conhecida pelos judeus, pois já era utilizada desde o Antigo Testamento. Ele faz, então, uma atualização dessa imagem, deslocando a atenção para a pessoa d'Ele, que com sua encarnação, veio plantar no meio dos homens a árvore da nossa salvação, tornando-se o tronco ao qual nós devemos aderir, se quisermos nos salvar.

Nós não nascemos já agarrados no tronco da parreira, nós nascemos como ramos autônomos, que precisam ser enxertados no tronco, donde iremos receber a seiva da vida. É pelo batismo que somos enxertados nesse tronco vivo e nele devemos permanecer. E Cristo, pela pena do evangelista, nos diz textualmente: “Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim. ” (Jo 15,4) Porque todo ramo que, enxertado a Ele, não der fruto, o Pai o arrancará; e aquele que dá fruto, o Pai limpará, para que dê mais fruto ainda. Então, aqui se coloca uma pergunta: como fazer para, uma vez enxertados no tronco vivo, não sejamos ramos improdutivos, sujeitos ao corte certo? A resposta se encontra na carta de João, que lemos na segunda leitura.

Na Primeira Carta (3, 24), João complementa o que ele não escreveu no texto do evangelho, ensinando qual o modo de permanecermos como ramos vivos e produtivos: “Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele. ” Portanto, esta é a condição para que nós, ramos, permaneçamos enxertados na parreira e produzindo frutos. E quais são esses mandamentos a que João se refere? A resposta se encontra no versículo anterior (3, 23): “Este é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos deu. ” Ou seja, meus amigos, a condição para permanecermos atrelados a Cristo-parreira é a fé nele, que se expressa no amor aos irmãos. Não são duas coisas distintas, são duas atitudes que se complementam e, ao final, se transformam numa só. A fé que não se manifesta em obras é morta, portanto, não basta crer. E todo o que crê em Cristo, ama os irmãos, por quem Ele deu a Sua vida.

Aqui podemos fazer o gancho para a conversão de Saulo (Paulo), que se encontra narrada em detalhes no livro dos Atos dos Apóstolos. Tudo indica que Lucas, o escritor dos Atos, viajava com Saulo (Paulo) pelo mundo afora, porque ele sabia de todas as suas atividades em detalhes. Narra Lucas que Saulo estava presente no apedrejamento de Estêvão (um dos primeiros diáconos e o primeiro mártir do cristianismo), inclusive, foi Saulo quem segurou as roupas de Estêvão na hora do seu martírio. E depois disso, Saulo tornou-se perseguidor dos discípulos de Cristo. Mas Cristo precisava de uma pessoa com o temperamento dele e com o conhecimento dele, para consolidar os primeiros passos da Sua igreja, então, ele foi enxertado na parreira “à força”, quando Cristo o derrubou do cavalo e o chamou para a missão de evangelizar. A narrativa dos Atos lida neste domingo (At 9, 26) relata que Saulo chegou a Jerusalém e tentou se juntar aos discípulos, mas estes ainda tinham medo dele, porque o conheciam como feroz perseguidor e não acreditavam na sua conversão. Foi preciso que Barnabé advogasse em favor de Saulo e testemunhasse todo o processo de mudança ocorrido em sua pessoa, para que os discípulos então acreditassem e o aceitassem.

Pouco depois, Barnabé foi encarregado de dar assistência à igreja de Antioquia, onde havia uma grande comunidade cristã, e então convidou Saulo para ir com ele. Foi nesta ocasião que Saulo decidiu trocar seu nome para Paulo. Os estudiosos não são unânimes na explicação do por que Saulo tomou essa decisão, mas a razão mais provável deve ter sido para que a mudança de nome representasse externamente a sua mudança íntima, a sua conversão, e ele queria que isso ficasse bem notório para todos. O nome Saulo é judeu, o nome Paulo é romano. O nome Saulo tem a mesma raiz do nome do rei Saul, primeiro rei de Israel, que perseguiu Davi. Ora, Cristo era descendente de Davi e Saulo não era mais um perseguidor. Além disso, era costume que os judeus convertidos mudassem seu nome judaico para um nome grego ou romano. No caso, havia um oficial do exército romano, a quem Saulo admirava, que se chamava Paulus, pois pertencia à família dos Pauli. Pode ter sido então uma forma de, ao mesmo tempo, assumir um nome romano e homenagear um amigo. O que mais importa, porém, é que a mudança do nome estava refletindo a sua mudança interior. E diz Lucas, em Atos (11, 26), que Barnabé e Paulo passaram um ano inteiro pregando e dando assistência à igreja de Antioquia e “Em Antioquia os discípulos foram, pela primeira vez, chamados com o nome de cristãos. ” Temos aí também a origem do nome de 'cristãos' atribuída aos seguidores de Cristo.

Paulo é o exemplo mais eloquente de um ramo estranho, enxertado na parreira, e que se tornou ramo frondoso e produtivo. Que o exemplo dele nos inspire a permanecer unidos à parreira-Cristo, sendo fiéis ao ensinamento de João (guardar os mandamentos) e produzindo frutos para a nossa própria salvação e para a salvação dos irmãos.


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