domingo, 20 de maio de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA ASCENSÃO - O ENVIO – 20.05.2012



Caros Confrades,

Celebramos neste domingo a festa da Ascensão do Senhor. Convém sempre lembrar que o dia próprio da festa é na quinta feira anterior, quando se completam os 40 dias após a ressurreição, segundo o testemunho de Lucas, nos Atos (1, 3: Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus.) E convém sempre lembrar também a simbologia do número 40, repetida em diversas passagens da Escritura. A festa litúrgica é celebrada no domingo por causa do acordo da CNBB com o governo acerca dos feriados religiosos. Contando a partir da quinta feira da Ascensão até o domingo próximo, teremos mais 10 dias, formando 50 dias após a ressurreição, quando celebraremos a festa de Pentecostes, cuja etimologia significa 'quinquagésimo'. Com efeito, era uma festa tradicional aquela que os judeus celebravam após sete semanas da Páscoa (7 x 7) e foi exatamente por isso que havia tanta gente em Jerusalém naquele dia. Mas deixemos a continuação desse assunto para o próximo domingo.

Neste domingo da Ascensão, o tema principal que percebo é o do envio, da missão. Conforme o texto dos Atos (1, 4), Jesus falou para os apóstolos que não se afastassem de Jerusalém, porque em breve eles iriam ser batizados com o Espírito. Os apóstolos ainda mantinham aquela esperança política do Messias revolucionário e fizeram aquela pergunta que podemos hoje classificar como ingênua: “é agora que Tu vais restaurar o reino de Israel?” porque, na mente deles, ainda não se haviam esclarecido todos os ensinamentos doutrinários cristãos. Jesus Cristo, mais uma vez, respondeu de forma gentil e enigmática: não vos cabe saber o dia nem a hora que o Pai determinou. E novamente confirmou a promessa da vinda do Espírito, que lhes traria o verdadeiro 'conhecimento' da doutrina, tal como dirá depois São Paulo, na carta aos Efésios, que está na segunda leitura de hoje (Ef 1, 17): o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer. Foi exatamente isso que ocorreu com os apóstolos.

Junto com a confirmação dessa promessa do Pai, Cristo reafirmou aos apóstolos o motivo para o qual tinham eles sido chamados para o convívio mais próximo com Ele: (Atos 1, 8): para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e na Samaria, e até os confins da terra'. Nas leituras do meio da semana, foram lidos vários trechos de Atos, em que são narradas as viagens de Paulo pelas diversas comunidades da Ásia Menor, os debates com os judeus, as conversões em massa, os sofrimentos passados (espancamentos, julgamentos, prisões). Lamentavelmente, não teve outro escriba acompanhando as atividades dos demais Apóstolos em missão, assim como temos as crônicas de Lucas, em Atos, contando os detalhes das viagens e atividades de Paulo. Mas com certeza os outros também saíram pelo mundo em missão, cumprindo o mandado de Cristo. Foi nessa missão que Pedro terminou por fixar-se em Roma, onde sob o reinado de Nero, foi crucificado de cabeça para baixo. O martírio de Pedro, assim como de muitos cristãos judeus e gentios no Coliseu de Roma nesta época, se deram por causa do famoso incêndio da cidade, encomendado por Nero, que achava feia a cidade (e era mesmo), então com isso ele alcançaria dois objetivos: a reforma urbana de Roma e a imposição da culpa disso aos cristãos. Foi nesse contexto que se deu o martírio de Pedro. Quem quiser ver uma versão hollywoodiana desses fatos, procure pelo filme Quo Vadis, onde essa história é contada em detalhes.

O evangelho de Marcos lido neste domingo (Mc 16, 15) repete o mesmo tema da missão que Cristo deu aos apóstolos: “'Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. ” Conforme já dissemos em comentário anterior, estamos seguindo o ano litúrgico “B”, cujo texto sagrado seguido é o evangelho de Marcos, embora com inserções ocasionais de João. Isso se verificou por diversas vezes nesses domingos da Páscoa, porque o texto de Marcos é por demais sucinto e até com algumas passagens de linguagem obscura, como a que lemos nesta citação acima: quem crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado. Por muitos séculos, a catequese da Igreja Católica se baseava nestas palavras para dizer que fora da Igreja não há salvação. Somente após o Concílio Vaticano II, quando foram resgatados os conceitos do ecumenismo, esse entendimento foi abrandado.

Com efeito, esse texto é bastante cru e sem rodeios: quem crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado. Mas o seu entendimento será melhor alcançado com uma interpretação mais abrangente, inspirado no que o próprio Cristo disse aos discípulos certa vez, quando eles disseram a Ele que havia uma pessoa expulsando demônios em nome Dele (sem ser discípulo) e eles os tinham proibido (Mc 9, 38). Resposta de Cristo: (Mc 9, 39-40): “Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e possa logo falar mal de mim. Porque quem não é contra nós, é por nós.” Coligindo os dois textos (quem não crer será condenado – quem não é contra nós, é por nós), podemos concluir que a adesão ao espírito do cristianismo ocorre também entre aqueles que não são formalmente engajados entre os 'discípulos', mas expressa isso nas atitudes praticadas. Eu conheci, certa vez, um judeu cuja esposa era católica, daquelas de ir à missa todos os dias. No entanto, ele era muito mais humanitário e compassivo no trato com os empregados, diferentemente da esposa, que era rígida e intolerante. É o caso de se perguntar: qual dos dois seguia com mais fidelidade os ensinamentos de Cristo?

Com esse pensamento, a expressão 'quem não crer será condenado' deve estar relacionada àquelas pessoas más e perversas, cujos hábitos destoam totalmente dos ensinamentos cristãos. E isso tanto pode incluir pessoas batizadas como não batizadas, pois o simples batismo não conduz à salvação, se não for confirmado com as obras coerentes e exemplares. Não faz muitos dias, eu li um e-mail, cujo remetente era um padre, no qual ele dizia que a Igreja Católica afirma que o inferno existe, mas não afirma que haja pessoas lá, porque o resultado do julgamento divino, na hora máxima da prestação de contas de cada um, não é dado a ninguém saber. É o que diz Cristo, no texto da primeira leitura de hoje (At 1,7): não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou... A Igreja Católica também ensina que, na hora suprema, o arrependimento supremo pode resgatar toda uma vida de pecados graves e isso somente ao Pai é dado saber.

Portanto, a expressão 'quem não crer será condenado' deve ser compreendida com uma interpretação abrangente, e não com a sua estrita literalidade. O mesmo raciocínio se aplica ao texto do Apocalipse, que trata dos 144 mil assinalados (Ap 7, 4), que não pode ser compreendido dentro do quantificador matemático expresso. Daí a razão de ser muito arriscado ler a Bíblia sem uma adequada preparação de estudos, porque a Palavra tem uma riqueza muito maior do que as suas palavras indicam.

Preparemo-nos para a festa de Pentecostes, que conclui o ciclo pascal, aplainando as veredas do nosso interior para recebermos o 'batismo' do verdadeiro conhecimento.


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