domingo, 20 de maio de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DA PÁSCOA – O MILAGRE NO CENÁCULO – 22.04.2012



Caros Confrades,

A liturgia deste terceiro domingo da Páscoa relata a primeira aparição de Cristo aos apóstolos, após a ressurreição, deixando-os assustados e medrosos, pensando estarem vendo um fantasma. O relato está no evangelho de Lucas (24, 35) e é a sequência do texto do ano anterior, quando lemos o episódio do diálogo de Jesus com os discípulos que iam para Emaús.

No ano passado, eu fiz um comentário sobre esse tema, até lembrando que na Igreja de São Francisco, em Sobral, há um grande painel com esta cena, por trás do altar mor. O texto de Lucas relata que, logo após eles terem percebido que era Jesus, ao partir do pão, imediatamente eles voltaram para Jerusalém, a fim de contar aos outros a experiência deles. Se nós considerarmos que eles haviam caminhado o dia inteiro para chegar naquela localidade e voltaram dali logo em seguida ao reconhecimento de Jesus, deveremos concluir que eles chegaram de volta a Jerusalém por volta amanhecer, isto é, passaram a noite caminhando em retorno.

Ao chegarem a Jerusalém, foram direto encontrar-se com os demais para contar o ocorrido e (diz Lucas em 24, 36), ainda estavam falando quando o próprio Jesus apareceu no meio deles, dizendo: a paz esteja convosco. Eles tomaram aquele susto. Imaginem que tem alguém nos contando uma história sobre ter visto uma pessoa falecida e, no meio da conversa, aquela pessoa aparece, como seria a nossa reação. Foi o susto tomado pelos apóstolos ao verem Jesus. Maria Madalena já havia contado que o tinha visto, mas eles ficaram duvidosos; agora os dois contavam uma história parecida e, de repente, ali está Ele. Então, diante do estado de choque deles, para amenizar as coisas, Jesus fez seu primeiro milagre após a ressurreição, qual seja, mostrou-se palpável (vejam aqui as chagas nas minhas mãos e pés... tende alguma coisa para comer?), ou seja, deixou que eles o tocassem e comeu peixe frito diante deles. E ainda disse: “um fantasma não tem carne nem ossos como estais vendo que eu tenho” (Lucas 24, 39).

Onde está o milagre aqui? Está na condição de corporalidade palpável em que Jesus se mostrou para os apóstolos. Ora, se ele tivesse carne e ossos e se ele necessitasse de comer, não estaria com o seu corpo espiritualizado, característica da sua ressurreição. O corpo material de Jesus se evaporou ao ressuscitar, deixando apenas a marca no lençol (o sudário). Se seu corpo continuasse material, ele não poderia entrar no salão estando as portas fechadas. Porém, na primeira vez, para que os apóstolos tivessem certeza da sua identidade, Jesus fez este milagre transformando-se momentaneamente em um ser sensível, era (como de fato foi) um argumento impossível de não ser aceito. “Sou eu, vejam aqui.” Nas demais vezes em que Jesus apareceu, não foi mais preciso recorrer a esse prodígio, porque os apóstolos já não mais ficavam temerosos quando o reconheciam.

Um fato curioso, relacionado com esse episódio, é que o espiritismo se baseia nessas narrativas para fundamentar sua doutrina de que, logo após a morte, a pessoa não vai imediatamente para o 'outro lado', mas ainda fica vagando por algum tempo, até partir definitivamente. Porém, não foi isso que aconteceu com Jesus, ele não ficou vagando por aí. As suas aparições tinham como objetivo completar a formação doutrinária dos apóstolos, recordar-lhes os ensinamentos e associar os fatos da sua morte e ressurreição com os oráculos dos profetas, para que eles compreendessem melhor as escrituras e pudessem dar melhor testemunho de tudo. É como se ele dissesse: lembram quando eu disse isso? Pois foi o que aconteceu, segundo os profetas haviam anunciado. Agora aqui estou eu, ressuscitei conforme prometi. Se não fosse essa 'segunda chamada' da pedagogia de Jesus, os ensinamentos de antes teriam ficado esquecidos, pois os apóstolos eram homens rudes, não acostumados a leituras e estudos. Jesus ainda precisou arrebatar Paulo para ser o grande doutrinador, mesmo sem tê-lo conhecido pessoalmente, porque sabia que se dependesse apenas dos galileus, a sua Igreja não tinha chance de seguir adiante. Assim, Jesus passou quarenta dias fazendo a reciclagem, aulões de reforço, demonstrações fantásticas, para que assim eles se firmassem na fé. Nenhum dos evangelistas relata que Jesus tenha perguntado a Pedro porque o negara diante dos palacianos, pois Jesus sabia que o conhecimento deles ainda era muito superficial, era necessário um aprofundamento, uma revisão geral. Quando, por fim, receberam o Espírito, então estavam preparados pro que desse e viesse, foi o que aconteceu.

Nas leituras da liturgia diária da semana que passou, foram lidos vários trechos dos Atos dos Apóstolos, relatando as primeiras pregações dos apóstolos, as prisões que eles sofreram, as chicotadas e a perseguição dos fariseus e saduceus, proibindo-os de falar em nome de Jesus. Quanto mais eles eram proibidos de falar, mais falavam. Eram já os primeiros frutos da catequese final de Jesus. Na leitura da quarta feira (Atos 5, 17), consta que os saduceus encontraram alguns apóstolos pregando na cidade e mandaram prendê-los. No outro dia, convocavam o Sinédrio, que era o supremo tribunal dos judeus, comandado pelo Sumo Sacerdote, e mandaram buscar os apóstolos na prisão, para processá-los e julgá-los. Qual não foi a surpresa deles quando os soldados voltaram informando que as grades estavam fechadas, mas os apóstolos não estavam lá. Diz o hagiógrafo que, durante a noite, um anjo do Senhor os havia libertado. Podemos imaginar a raiva com que ficaram os saduceus e o desapontamento dos sacerdotes, ansiosos para condenar os seguidores de Jesus.

Na leitura dos Atos da quinta feira da semana passada, há o relato de uma sessão de julgamento dos apóstolos perante o Sinédrio, por causa da desobediência deles que continuavam falando em nome de Jesus (Atos 5, 28), quando Pedro muito inspirado disse: devemos obedecer antes a Deus do que aos homens. E os sacerdotes queriam também mandar matá-los. E na leitura de sexta feira, dando sequência (Atos 5, 34), temos o centrado discurso de Gamaliel, que era mestre da lei e membro do Sinédrio, dizendo: 'deixai esses homens irem embora, porque se o projeto deles for obra humana, daqui a pouco se acaba, mas se for obra divina, vós não conseguireis detê-los.' E o seu conselho foi seguido pelo Sinédrio.

Deste discurso de Gamaliel, pode-se tirar duas conclusões: 1. era comum naquela época aparecerem pessoas se dizendo serem o “messias”, como ele dá exemplo de dois – um chamado Teudas e outro chamado Judas, o galileu (Atos 5, 36-37), ambos foram mortos e seus seguidores desapareceram, portanto, visto que os sacerdotes achavam que Jesus, também galileu, seria mais um desses, em pouco tempo seus seguidores iriam desaparecer; 2. por detrás desse 'conselho' de Gamaliel, também é possível perceber que ele era admirador secreto de Jesus, porém, não podia manifestar-se, assim como Nicodemos e José de Arimatéia, que só se encontravam com Jesus às escondidas. Através do conselho de 'deixar os apóstolos irem embora', Gamaliel estava, com sábia argumentação lógica e jurídica, ao mesmo tempo, querendo livrar os apóstolos daquela incômoda situação e ainda insinuando que a obra deles era de origem divina e que as perseguições não iriam detê-los.

Naquele momento histórico, o cristianismo nascente ainda se encontrava em Jerusalém. Depois, com a conversão de Paulo e com a adesão dos gentios, cidadãos romanos, Pedro transferiu-se para Roma, que era uma cidade muito mais influente em toda a região, onde era necessário congregar e organizar as numerosas comunidades que estavam se formando. Na verdade, Pedro estava seguindo a ordem de Jesus, que consta em Lc 24, 47: “e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Por extensão, somos nós hoje as testemunhas daquelas verdades anunciadas por Jesus.


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