Caros Confrades,
A liturgia deste
terceiro domingo da Páscoa relata a primeira aparição de Cristo
aos apóstolos, após a ressurreição, deixando-os assustados e
medrosos, pensando estarem vendo um fantasma. O relato está no
evangelho de Lucas (24, 35) e é a sequência do texto do ano
anterior, quando lemos o episódio do diálogo de Jesus com os
discípulos que iam para Emaús.
No ano passado, eu fiz
um comentário sobre esse tema, até lembrando que na Igreja de São
Francisco, em Sobral, há um grande painel com esta cena, por trás
do altar mor. O texto de Lucas relata que, logo após eles terem
percebido que era Jesus, ao partir do pão, imediatamente eles
voltaram para Jerusalém, a fim de contar aos outros a experiência
deles. Se nós considerarmos que eles haviam caminhado o dia inteiro
para chegar naquela localidade e voltaram dali logo em seguida ao
reconhecimento de Jesus, deveremos concluir que eles chegaram de
volta a Jerusalém por volta amanhecer, isto é, passaram a noite
caminhando em retorno.
Ao chegarem a
Jerusalém, foram direto encontrar-se com os demais para contar o
ocorrido e (diz Lucas em 24, 36), ainda estavam falando quando o
próprio Jesus apareceu no meio deles, dizendo: a paz esteja
convosco. Eles tomaram aquele susto. Imaginem que tem alguém nos
contando uma história sobre ter visto uma pessoa falecida e, no meio
da conversa, aquela pessoa aparece, como seria a nossa reação. Foi
o susto tomado pelos apóstolos ao verem Jesus. Maria Madalena já
havia contado que o tinha visto, mas eles ficaram duvidosos; agora os
dois contavam uma história parecida e, de repente, ali está Ele.
Então, diante do estado de choque deles, para amenizar as coisas,
Jesus fez seu primeiro milagre após a ressurreição, qual seja,
mostrou-se palpável (vejam aqui as chagas nas minhas mãos e pés...
tende alguma coisa para comer?), ou seja, deixou que eles o tocassem
e comeu peixe frito diante deles. E ainda disse: “um fantasma não
tem carne nem ossos como estais vendo que eu tenho” (Lucas 24, 39).
Onde está o milagre
aqui? Está na condição de corporalidade palpável em que Jesus se
mostrou para os apóstolos. Ora, se ele tivesse carne e ossos e se
ele necessitasse de comer, não estaria com o seu corpo
espiritualizado, característica da sua ressurreição. O corpo
material de Jesus se evaporou ao ressuscitar, deixando apenas a marca
no lençol (o sudário). Se seu corpo continuasse material, ele não
poderia entrar no salão estando as portas fechadas. Porém, na
primeira vez, para que os apóstolos tivessem certeza da sua
identidade, Jesus fez este milagre transformando-se momentaneamente
em um ser sensível, era (como de fato foi) um argumento impossível
de não ser aceito. “Sou eu, vejam aqui.” Nas demais vezes em que
Jesus apareceu, não foi mais preciso recorrer a esse prodígio,
porque os apóstolos já não mais ficavam temerosos quando o
reconheciam.
Um fato curioso,
relacionado com esse episódio, é que o espiritismo se baseia nessas
narrativas para fundamentar sua doutrina de que, logo após a morte,
a pessoa não vai imediatamente para o 'outro lado', mas ainda fica
vagando por algum tempo, até partir definitivamente. Porém, não
foi isso que aconteceu com Jesus, ele não ficou vagando por aí. As
suas aparições tinham como objetivo completar a formação
doutrinária dos apóstolos, recordar-lhes os ensinamentos e associar
os fatos da sua morte e ressurreição com os oráculos dos profetas,
para que eles compreendessem melhor as escrituras e pudessem dar
melhor testemunho de tudo. É como se ele dissesse: lembram quando eu
disse isso? Pois foi o que aconteceu, segundo os profetas haviam
anunciado. Agora aqui estou eu, ressuscitei conforme prometi. Se não
fosse essa 'segunda chamada' da pedagogia de Jesus, os ensinamentos
de antes teriam ficado esquecidos, pois os apóstolos eram homens
rudes, não acostumados a leituras e estudos. Jesus ainda precisou
arrebatar Paulo para ser o grande doutrinador, mesmo sem tê-lo
conhecido pessoalmente, porque sabia que se dependesse apenas dos
galileus, a sua Igreja não tinha chance de seguir adiante. Assim,
Jesus passou quarenta dias fazendo a reciclagem, aulões de reforço,
demonstrações fantásticas, para que assim eles se firmassem na fé.
Nenhum dos evangelistas relata que Jesus tenha perguntado a Pedro
porque o negara diante dos palacianos, pois Jesus sabia que o
conhecimento deles ainda era muito superficial, era necessário um
aprofundamento, uma revisão geral. Quando, por fim, receberam o
Espírito, então estavam preparados pro que desse e viesse, foi o
que aconteceu.
Nas leituras da
liturgia diária da semana que passou, foram lidos vários trechos
dos Atos dos Apóstolos, relatando as primeiras pregações dos
apóstolos, as prisões que eles sofreram, as chicotadas e a
perseguição dos fariseus e saduceus, proibindo-os de falar em nome
de Jesus. Quanto mais eles eram proibidos de falar, mais falavam.
Eram já os primeiros frutos da catequese final de Jesus. Na leitura
da quarta feira (Atos 5, 17), consta que os saduceus encontraram
alguns apóstolos pregando na cidade e mandaram prendê-los. No outro
dia, convocavam o Sinédrio, que era o supremo tribunal dos judeus,
comandado pelo Sumo Sacerdote, e mandaram buscar os apóstolos na
prisão, para processá-los e julgá-los. Qual não foi a surpresa
deles quando os soldados voltaram informando que as grades estavam
fechadas, mas os apóstolos não estavam lá. Diz o hagiógrafo que,
durante a noite, um anjo do Senhor os havia libertado. Podemos
imaginar a raiva com que ficaram os saduceus e o desapontamento dos
sacerdotes, ansiosos para condenar os seguidores de Jesus.
Na leitura dos Atos da
quinta feira da semana passada, há o relato de uma sessão de
julgamento dos apóstolos perante o Sinédrio, por causa da
desobediência deles que continuavam falando em nome de Jesus (Atos
5, 28), quando Pedro muito inspirado disse: devemos obedecer antes a
Deus do que aos homens. E os sacerdotes queriam também mandar
matá-los. E na leitura de sexta feira, dando sequência (Atos 5,
34), temos o centrado discurso de Gamaliel, que era mestre da lei e
membro do Sinédrio, dizendo: 'deixai esses homens irem embora,
porque se o projeto deles for obra humana, daqui a pouco se acaba,
mas se for obra divina, vós não conseguireis detê-los.' E o seu
conselho foi seguido pelo Sinédrio.
Deste discurso de
Gamaliel, pode-se tirar duas conclusões: 1. era comum naquela época
aparecerem pessoas se dizendo serem o “messias”, como ele dá
exemplo de dois – um chamado Teudas e outro chamado Judas, o
galileu (Atos 5, 36-37), ambos foram mortos e seus seguidores
desapareceram, portanto, visto que os sacerdotes achavam que Jesus,
também galileu, seria mais um desses, em pouco tempo seus seguidores
iriam desaparecer; 2. por detrás desse 'conselho' de Gamaliel,
também é possível perceber que ele era admirador secreto de Jesus,
porém, não podia manifestar-se, assim como Nicodemos e José de
Arimatéia, que só se encontravam com Jesus às escondidas. Através
do conselho de 'deixar os apóstolos irem embora', Gamaliel estava,
com sábia argumentação lógica e jurídica, ao mesmo tempo,
querendo livrar os apóstolos daquela incômoda situação e ainda
insinuando que a obra deles era de origem divina e que as
perseguições não iriam detê-los.
Naquele momento
histórico, o cristianismo nascente ainda se encontrava em Jerusalém.
Depois, com a conversão de Paulo e com a adesão dos gentios,
cidadãos romanos, Pedro transferiu-se para Roma, que era uma cidade
muito mais influente em toda a região, onde era necessário
congregar e organizar as numerosas comunidades que estavam se
formando. Na verdade, Pedro estava seguindo a ordem de Jesus, que
consta em Lc 24, 47: “e no seu nome, serão anunciados a conversão
e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por
Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Por extensão,
somos nós hoje as testemunhas daquelas verdades anunciadas por
Jesus.
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