domingo, 5 de agosto de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO COMUM – A PARTILHA DO PÃO – 29.07.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO COMUM – A PARTILHA DO PÃO – 29.07.2012

Caros Confrades,

A liturgia deste 17º domingo comum nos incentiva a fazer a partilha do pão, simbolizando neste todos os dons que alimentam a vida, tanto a vida corporal quanto a vida espiritual.

Na primeira leitura, retirada do Livro dos Reis (2Rs 4,42), o hagiógrafo relata um fato miraculoso operado pelo profeta Eliseu vários séculos antes de Cristo, como que antecipando o futuro milagre que seria realizado pelo Messias. Eliseu recebeu de presente 20 pães, mas não os comeu. Era época de muita fome na região e ele mandou que fossem distribuídos para o povo. Porém o seu assistente ficou preocupado: como vou distribuir tão poucos pães para cem pessoas famintas? Ele, prudentemente, deve ter logo imaginado o tumulto que isso iria ocasionar e as brigas entre as pessoas disputando os pedaços, podendo até ocorrer agressões e ferimentos. Mas o Profeta o tranquilizou: O Senhor disse – comerão e ainda sobrará. E assim foi.

A imagem do pão está sempre presente em diversas passagens bíblicas, seja do antigo seja do novo testamento, porque o pão sempre foi e continua sendo o alimento básico do ser humano. Feito de trigo, de milho, de mandioca, de batata, daquela massa que for mais abundante na região, o pão é um alimento que acompanha o ser humano desde os primórdios da vida em comunidade. Por causa da sua importância cultural, o pão é figura simbólica para significar os diversos dons que acompanham a vida humana, além da simples satisfação da fome física. O saciamento da fome induz ao bem estar, à alegria, à boa convivência, faz elevar o espírito para as realidades sobrenaturais, então o pão é muito mais do que um alimento material, é um verdadeiro mantenedor do ser humano. Foi por esse motivo que Cristo, quando quis deixar um sinal perpétuo da sua presença no meio da humanidade, adotou o símbolo do pão, transformando a si mesmo em pão da vida.

É importante frisar que o pão oferecido por Cristo aos apóstolos, pelo qual Ele também se transformou em pão da vida, era o pão comum, aquele que as pessoas comiam regularmente, o pão básico da vida social. Todos nós conhecemos o texto de São Paulo aos Coríntios (1Cor 11,27), no qual o apóstolo adverte para que as pessoas comam e bebam o corpo e o sangue de Cristo de forma digna, porque nos primeiros tempos do cristianismo, o pão consagrado e transformado no corpo de Cristo era o pão comum, então as pessoas comiam o pão consagrado e bebiam o vinho consagrado em tamanha quantidade que ficavam fartos embriagados, ou seja, a comunhão era verdadeiramente um banquete de pão e vinho. Por causa disso e por outras razões históricas, o pão eucarístico foi transmudado numa pequena partícula, que perde em grande parte o simbolismo original dado por Cristo ao alimento básico do homem para o corpo e para o espírito. Hoje em dia, quando se fala em banquete eucarístico, estamos usando uma pura figura de estilo, enquanto na antiguidade, tratava-se de um verdadeiro banquete, no sentido próprio da palavra.

Pois bem, a cena protagonizada por Eliseu no AT foi revivida por Cristo, nas vésperas da Páscoa dos judeus, quando Ele aplicou a mesma clássica imagem do pão, novamente multiplicado, para saciar a fome daqueles que estavam a ouvi-lo e preparando o espírito dos apóstolos para a ceia derradeira, na qual além de distribuir o pão, Ele próprio se transformaria neste alimento. E usando de notável bom humor, Jesus mesmo já sabendo o que iria fazer, fez um desafio a Felipe: onde iremos arranjar pão pra esse povo todo comer? E Felipe foi na onda: Nem duzentas moedas de prata seriam suficientes para dar um pedaço de pão para cada um. Dá pra se imaginar que duzentas moedas seria uma quantia considerável, talvez até o total que Judas carregava na mochila que lhe servia como caixa forte. Foi quando André acudiu: tem ali um rapaz com cinco pães e dois peixes, mas de que adianta, não dá pra nada... Era a dica que Jesus esperava. Mandou o povo sentar, abençoou os pães e os peixes e os distribuiu para mais de cinco mil pessoas. E todos comeram até ficarem saciados e ainda sobraram doze cestos com os pedaços deixados. O texto não faz referência se os peixes estavam crus, cozidos ou fritos, provavelmente estavam crus. Na nossa cultura, não é o que se chamaria de um apetitoso alimento comer pão com peixe cru, mas certamente essa iguaria era costumeira entre os habitantes das proximidades do lago de Genesaré ou Mar da Galiléia.

Pois bem, nessa simples descrição do evangelista João (Jo 6, 1-15), podemos observar alguns detalhes interessantes. Primeiro, a preocupação de Jesus com a fome daquelas pessoas. As pessoas não foram se queixar para Ele, ao contrário, estavam ali para ouvi-Lo. Mas Jesus sabia que, sem a alimentação devida, a mente não funciona, a concentração não ocorre, o aprendizado é nulo. Então, antes de alimentar o espírito, é necessário alimentar o corpo. Isso significa que a Igreja não pode se descuidar da promoção social dos fiéis, da melhoria das suas condições de vida e de trabalho, ou seja, não compete às autoridades religiosas apenas celebrar missas e oficiar os sacramentos, mas juntamente com isso, há a preocupação com a vida material. E como todos nós sabemos, essa preocupação faz parte integrante da atividade política. Por isso, não há como dissociar política e religião, como alguns católicos insistem em dizer. Política e religião são duas atitudes inseparáveis e complementares. Inexplicavel e até contraditoriamente, o Código de Direito Canônico proíbe os presbíteros de exercerem a política partidária, mas a atividade política geral é inseparável do pastoreio religioso.

Outro detalhe que importa destacar é que o milagre de Jesus foi possibilitado pela presença de um rapaz trazendo cinco pães e dois peixes. Ele poderia ter feito o milagre independentemente disso, podia ter transformado até pedras em pão ou ter feito cair pão das nuvens, mas Ele não quis assim. Isso significa que Deus prefere agir por nosso intermédio, com a nossa colaboração, mesmo para fazer as coisas mais extraordinárias. Muitas vezes, Deus se serve de um coirmão ou coirmã nosso(a) para operar prodígios e, portanto, pode servir-se de nós também. Portanto, nós precisamos estar sempre disponíveis para Deus agir por nosso intermédio, através da nossa fé operante, através do nosso exemplo e do nosso testemunho. Muitas vezes, nós nem percebemos, mas as nossas atitudes estão sendo percebidas por outras pessoas e o nosso bom exemplo pode estar sendo decisivo para que um irmão, momentaneamente fraco na fé, ganhe força e supere um obstáculo na sua vida. Se deixarmos Deus agir por meio de nós, nós também poderemos ser esses agentes transformadores, sem que isso necessariamente cause em nós canseira ou preocupação. Na nossa vida cristã cotidiana, as nossas atitudes normais de cada dia podem se transformar em importantes instrumentos divinos para a realização de obras valiosas na sociedade.

Um terceiro detalhe a observar é a preocupação de Jesus com os pedaços que sobraram, mandou que fossem recolhidos para não se estragarem. Com isso, ele nos ensina a não esbanjar, a não abusar dos dons naturais que possuímos, dos frutos que a terra e a indústria humana produzem. O que sobra na nossa mesa pode estar faltando na mesa do nosso irmão carente. Ou seja, Jesus nos ensina a evitar o consumismo, o esbanjamento, o supérfluo e a saber distribuir aquilo que temos em excesso. Naquela época, Jesus já demonstrava uma preocupação que hoje está na mente de todos os governantes e das pessoas esclarecidas: o cuidado com o ambiente, a proteção da natureza, o zelo pela nossa habitação comum, o nosso planeta. O nosso Messias foi também ecológico.

Que o divino Mestre nos ajude a distribuir e a partilhar, ensinando-nos que fartura não é sinônimo de esbanjamento e desperdício, abrindo o nosso coração para repartir o nosso pão com os mais necessitados.


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