COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 17º DOMINGO COMUM – A PARTILHA DO PÃO – 29.07.2012
Caros Confrades,
A liturgia deste 17º
domingo comum nos incentiva a fazer a partilha do pão, simbolizando
neste todos os dons que alimentam a vida, tanto a vida corporal
quanto a vida espiritual.
Na primeira leitura,
retirada do Livro dos Reis (2Rs 4,42), o hagiógrafo relata um fato
miraculoso operado pelo profeta Eliseu vários séculos antes de
Cristo, como que antecipando o futuro milagre que seria realizado
pelo Messias. Eliseu recebeu de presente 20 pães, mas não os comeu.
Era época de muita fome na região e ele mandou que fossem
distribuídos para o povo. Porém o seu assistente ficou preocupado:
como vou distribuir tão poucos pães para cem pessoas famintas? Ele,
prudentemente, deve ter logo imaginado o tumulto que isso iria
ocasionar e as brigas entre as pessoas disputando os pedaços,
podendo até ocorrer agressões e ferimentos. Mas o Profeta o
tranquilizou: O Senhor disse – comerão e ainda sobrará. E assim
foi.
A imagem do pão está
sempre presente em diversas passagens bíblicas, seja do antigo seja
do novo testamento, porque o pão sempre foi e continua sendo o
alimento básico do ser humano. Feito de trigo, de milho, de
mandioca, de batata, daquela massa que for mais abundante na região,
o pão é um alimento que acompanha o ser humano desde os primórdios
da vida em comunidade. Por causa da sua importância cultural, o pão
é figura simbólica para significar os diversos dons que acompanham
a vida humana, além da simples satisfação da fome física. O
saciamento da fome induz ao bem estar, à alegria, à boa
convivência, faz elevar o espírito para as realidades
sobrenaturais, então o pão é muito mais do que um alimento
material, é um verdadeiro mantenedor do ser humano. Foi por esse
motivo que Cristo, quando quis deixar um sinal perpétuo da sua
presença no meio da humanidade, adotou o símbolo do pão,
transformando a si mesmo em pão da vida.
É importante frisar
que o pão oferecido por Cristo aos apóstolos, pelo qual Ele também
se transformou em pão da vida, era o pão comum, aquele que as
pessoas comiam regularmente, o pão básico da vida social. Todos nós
conhecemos o texto de São Paulo aos Coríntios (1Cor 11,27), no qual
o apóstolo adverte para que as pessoas comam e bebam o corpo e o
sangue de Cristo de forma digna, porque nos primeiros tempos do
cristianismo, o pão consagrado e transformado no corpo de Cristo era
o pão comum, então as pessoas comiam o pão consagrado e bebiam o
vinho consagrado em tamanha quantidade que ficavam fartos
embriagados, ou seja, a comunhão era verdadeiramente um banquete de
pão e vinho. Por causa disso e por outras razões históricas, o pão
eucarístico foi transmudado numa pequena partícula, que perde em
grande parte o simbolismo original dado por Cristo ao alimento básico
do homem para o corpo e para o espírito. Hoje em dia, quando se fala
em banquete eucarístico, estamos usando uma pura figura de estilo,
enquanto na antiguidade, tratava-se de um verdadeiro banquete, no
sentido próprio da palavra.
Pois bem, a cena
protagonizada por Eliseu no AT foi revivida por Cristo, nas vésperas
da Páscoa dos judeus, quando Ele aplicou a mesma clássica imagem do
pão, novamente multiplicado, para saciar a fome daqueles que estavam
a ouvi-lo e preparando o espírito dos apóstolos para a ceia
derradeira, na qual além de distribuir o pão, Ele próprio se
transformaria neste alimento. E usando de notável bom humor, Jesus
mesmo já sabendo o que iria fazer, fez um desafio a Felipe: onde
iremos arranjar pão pra esse povo todo comer? E Felipe foi na onda:
Nem duzentas moedas de prata seriam suficientes para dar um pedaço
de pão para cada um. Dá pra se imaginar que duzentas moedas seria
uma quantia considerável, talvez até o total que Judas carregava na
mochila que lhe servia como caixa forte. Foi quando André acudiu:
tem ali um rapaz com cinco pães e dois peixes, mas de que adianta,
não dá pra nada... Era a dica que Jesus esperava. Mandou o povo
sentar, abençoou os pães e os peixes e os distribuiu para mais de
cinco mil pessoas. E todos comeram até ficarem saciados e ainda
sobraram doze cestos com os pedaços deixados. O texto não faz
referência se os peixes estavam crus, cozidos ou fritos,
provavelmente estavam crus. Na nossa cultura, não é o que se
chamaria de um apetitoso alimento comer pão com peixe cru, mas
certamente essa iguaria era costumeira entre os habitantes das
proximidades do lago de Genesaré ou Mar da Galiléia.
Pois bem, nessa simples
descrição do evangelista João (Jo 6, 1-15), podemos observar
alguns detalhes interessantes. Primeiro, a preocupação de Jesus com
a fome daquelas pessoas. As pessoas não foram se queixar para Ele,
ao contrário, estavam ali para ouvi-Lo. Mas Jesus sabia que, sem a
alimentação devida, a mente não funciona, a concentração não
ocorre, o aprendizado é nulo. Então, antes de alimentar o espírito,
é necessário alimentar o corpo. Isso significa que a Igreja não
pode se descuidar da promoção social dos fiéis, da melhoria das
suas condições de vida e de trabalho, ou seja, não compete às
autoridades religiosas apenas celebrar missas e oficiar os
sacramentos, mas juntamente com isso, há a preocupação com a vida
material. E como todos nós sabemos, essa preocupação faz parte
integrante da atividade política. Por isso, não há como dissociar
política e religião, como alguns católicos insistem em dizer.
Política e religião são duas atitudes inseparáveis e
complementares. Inexplicavel e até contraditoriamente, o Código de
Direito Canônico proíbe os presbíteros de exercerem a política
partidária, mas a atividade política geral é inseparável do
pastoreio religioso.
Outro detalhe que
importa destacar é que o milagre de Jesus foi possibilitado pela
presença de um rapaz trazendo cinco pães e dois peixes. Ele poderia
ter feito o milagre independentemente disso, podia ter transformado
até pedras em pão ou ter feito cair pão das nuvens, mas Ele não
quis assim. Isso significa que Deus prefere agir por nosso
intermédio, com a nossa colaboração, mesmo para fazer as coisas
mais extraordinárias. Muitas vezes, Deus se serve de um coirmão ou
coirmã nosso(a) para operar prodígios e, portanto, pode servir-se
de nós também. Portanto, nós precisamos estar sempre disponíveis
para Deus agir por nosso intermédio, através da nossa fé operante,
através do nosso exemplo e do nosso testemunho. Muitas vezes, nós
nem percebemos, mas as nossas atitudes estão sendo percebidas por
outras pessoas e o nosso bom exemplo pode estar sendo decisivo para
que um irmão, momentaneamente fraco na fé, ganhe força e supere um
obstáculo na sua vida. Se deixarmos Deus agir por meio de nós, nós
também poderemos ser esses agentes transformadores, sem que isso
necessariamente cause em nós canseira ou preocupação. Na nossa
vida cristã cotidiana, as nossas atitudes normais de cada dia podem
se transformar em importantes instrumentos divinos para a realização
de obras valiosas na sociedade.
Um terceiro detalhe a
observar é a preocupação de Jesus com os pedaços que sobraram,
mandou que fossem recolhidos para não se estragarem. Com isso, ele
nos ensina a não esbanjar, a não abusar dos dons naturais que
possuímos, dos frutos que a terra e a indústria humana produzem. O
que sobra na nossa mesa pode estar faltando na mesa do nosso irmão
carente. Ou seja, Jesus nos ensina a evitar o consumismo, o
esbanjamento, o supérfluo e a saber distribuir aquilo que temos em
excesso. Naquela época, Jesus já demonstrava uma preocupação que
hoje está na mente de todos os governantes e das pessoas
esclarecidas: o cuidado com o ambiente, a proteção da natureza, o
zelo pela nossa habitação comum, o nosso planeta. O nosso Messias
foi também ecológico.
Que o divino Mestre nos
ajude a distribuir e a partilhar, ensinando-nos que fartura não é
sinônimo de esbanjamento e desperdício, abrindo o nosso coração
para repartir o nosso pão com os mais necessitados.
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