domingo, 26 de agosto de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 21º DOMINGO COMUM – A EXIGÊNCIA DA FIDELIDADE – 26.08.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 21º DOMINGO COMUM – A EXIGÊNCIA DA FIDELIDADE – 26.08.2012

Caros Confrades,

As leituras litúrgicas deste 21º domingo comum nos trazem à reflexão o tema da fidelidade ao Senhor: Javeh exige fidelidade do povo hebreu e Cristo exige fidelidade dos seus discípulos, enquanto Paulo explica aos cristãos de Éfeso sobre a sua doutrina do corpo místico, que é a Igreja.

A primeira leitura é retirada do livro de Josué (24, 1). Josué foi o sucessor de Moisés, na condução do povo hebreu à terra prometida. Moisés pôde apenas contemplar a terra de Canaã de longe, mas pela idade avançada, morreu antes da chegada, cabendo a Josué substitui-lo na chefia do povo de Deus. Tendo chegado à terra prometida por Javeh, os israelitas encontraram-na habitada por um conjunto de povos denominados amorreus, que eram descendentes dos cainitas, estes por sua vez eram dados como descendentes de Caim, que conforme se sabe, era o irmão amaldiçoado por ter assassinado Abel. Ou seja, os amorreus eram povos inimigos históricos dos israelitas, desde antes da ida do Patriarca Jacó para o Egito. Agora, com o retorno dos descendentes das doze tribos de Israel para o seu local de origem, estes encontraram a terra habitada pelos antigos inimigos, os quais não eram fiéis a Javeh. Portanto, os amorreus não eram propriamente invasores, pois eles habitavam aquelas terras desde tempos remotos. Mas Javeh havia prometido aquela terra aos descendentes de Abraão e os amorreus não faziam parte destes, porque o seu patriarca original (Caim) fora excluído da aliança. Daí, então, com a chegada dos israelitas para tomar posse da terra, foi necessário enfrentar os amorreus em várias batalhas, fazendo-os recuar para outro território. No entanto, a proximidade com estes e o parentesco de sangue, ainda que longinquo, faziam com que alguns israelitas travassem negociações com os amorreus, inclusive tomando as amorréias como esposas e até aceitando seus cultos aos ídolos.

Foi então que Josué chamou os representantes de todas as doze tribos de Israel, com os chefes, anciãos, juízes e magistrados e passou-lhes o veredito de Javeh: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais.” Em resposta, o povo jurou mais uma vez fidelidade a Javeh: “nós também serviremos ao Senhor, porque ele é o nosso Deus.” Durante toda a caminhada do povo de Deus pelo deserto, as ameaças ao culto de Javeh foram constantes, devido à proximidade com povos idólatras, isso não foi diferente quando finalmente o povo chegou ao seu lugar da promessa. A tendência do povo para a infidelidade estava sempre sendo objeto de advertência dos profetas, ao longo de todo o trajeto pelo deserto. Há poucos dias, vimos a história do profeta Elias que comeu o pão dos anjos, numa dessas missões de convocar o povo ao seu verdadeiro Deus. A convocação de Josué tinha então o caráter de opção final e definitiva, isto é, não estavam ali de passagem, mas na terra onde deveriam permanecer. Portanto, ou o povo firmava definitivamente a sua aliança com Javeh, ou então fazia a opção pelos ídolos. O povo então renovou a promessa.

Uma situação análoga é vivenciada por Cristo diante dos seus discípulos, logo após o milagre da multiplicação dos pães, nas proximidades de Cafarnaum. Para melhor compreensão do discurso de Cristo na leitura de hoje, precisamos contextualizar. As multidões foram em busca de Jesus, então ele perguntou: viestes à minha procura para me ouvir ou para comer novamente aquele pãozinho? Então, eles pediram a Jesus um sinal, para que acreditassem n'Ele, assim como Moisés havia dado aos ancestrais o maná do deserto. Foi quando Jesus explicou: não foi Moisés quem deu a eles aquele pão, mas o meu Pai. E agora, Eu sou o pão vivo que ele mandou para vós. Os vossos pais comeram o maná no deserto e morreram, mas quem comer deste Pão não morrerá. O pão que Eu vos darei é a minha carne para a vida do mundo. Meus amigos, os judeus não entenderam nada e ficaram balançando a cabeça, murmurando que Jesus estava louco. Como é que alguém pode dar a sua carne para outros comerem? Sabendo o que eles pensavam, Jesus completou: Em verdade vos digo, quem não comer a minha carne e beber o meu sangue não terá a vida. Muitos dos que ouviram isso deram meia volta e começaram a se retirar. Aqui começa o texto da leitura de hoje.

Nesta situação embaraçosa, os discípulos disseram a Cristo: este discurso é muito duro, quem será capaz de ouvi-lo? Ao que Jesus respondeu: isso vos escandaliza? Pois outras coisas mais duras haverão de acontecer. E disparou: vocês também querem ir embora? Eu sei que alguns dentre vós não acreditam nisso. Foi quando Pedro acalmou a situação: não, Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavra de vida eterna. Nesse diálogo, João evangelista deixa transparecer duas situações ocultas. Primeiro, Jesus sabia que muitos o procuravam com a esperança de que ele fosse um Messias político, lutador, e Ele quis deixar claro que sua missão era outra, o seu reino era de outra natureza. Segundo, ele sabia que mesmo entre os doze havia alguns inseguros e até reticentes, como era o caso de Judas. João diz textualmente que Jesus já sabia quem o iria trair futuramente (Jo 6, 64).

A analogia com a situação vivenciada por Josué, lida na primeira leitura, está no mesmo tema da fidelidade. Jesus quis exigir dos seus discípulos a fidelidade ao Seu projeto. Ele quis deixar muito claro que não tinha objetivos políticos ou guerreiros, mas sua missão era cumprir a vontade do Pai. Então, ele colocou para os discípulos a mesma opção que Josué colocou para o povo de Israel: a hora é agora, façam sua opção, ou seguem a Mim ou vão procurar outro. E tal como no caso dos israelitas, que optaram por Javeh, também os doze renovaram sua opção pela missão de Cristo, cumpridor da vontade do Pai. Inclusive Judas, que resolveu ficar até a última hora, para ver o rumo que as coisas tomariam posteriormente. Verifica-se que a opção de Judas não foi feita de boa fé, isto é, ele verdadeiramente ocultou o que ele de fato pretendia, embora nós saibamos que, para Cristo, conforme o próprio João afirma, essa situação já era sabida. Porém, perante os outros discípulos, a opção de Judas foi viciada pela má-fé, pois eles acreditaram na sua fidelidade. Com efeito, a adesão de Judas não foi plena, foi adesão com reservas. Judas não atendeu à exigência de fidelidade lançada por Cristo. Isso se conclui independentemente dos fatos posteriores ligados à entrega de Cristo aos soldados, pois isso já aconteceu como consequência de sua adesão pela metade.

Além de Judas, Jesus sabia que havia outros discípulos fracos na fé, Ele sabia os que criam de fato e os que tinham dúvidas. Foi por isso que, após a ressurreição, Jesus passou ainda 'quarenta dias' na sua catequese final com os discípulos, preparando a vinda do Paráclito. Já explicamos aqui, de outras vezes, que essa referência a quarenta dias não deve ser entendida matematicamente, mas simbolicamente. O fato é que, mesmo depois de ter concluído sua missão encarnada e ter-se imolado na cruz, Jesus continuou a preparar os discípulos para a sua missão futura, pois Ele sabia o material humano de que dispunha e sabia que, sem essa catequese residual, havia grande risco de dispersão, tal como acontecera com aqueles que, no relato de João, debandaram diante desse duro discurso.

Deixarei de comentar sobre a carta de Paulo aos Efésios, para não alongar demais este comentário. Ficará uma reserva para outra oportunidade.

Que o Divino Mestre nos ensine a sermos fiéis por inteiro, em nossa fé interior e exterior, em nossos exemplos e atitudes.


domingo, 19 de agosto de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 20º DOMINGO COMUM - FESTA DA ASSUNÇÃO DE MARIA - 19.08.2012 - MARIA MÃE DA IGREJA


COMENTÁRIO LITÚRGICO 20º DOMINGO COMUM – FESTA DA ASSUNÇÃO DE MARIA – 19.08.2012 (MARIA MÃE DA IGREJA)

Caros Confrades,

Neste 20º domingo comum, a liturgia eclesiástica abre espaço para a celebração da festa da Assunção de Maria, uma concessão especial para o Brasil, autorizada pela CNBB, dentro do acordo com o Governo brasileiro acerca dos feriados religiosos. Visto que o dia próprio da festa, 15 de agosto, caiu numa quarta feira, transfere-se a celebração para o domingo seguinte. Mesmo no caso específico de Fortaleza, que celebra a festa da Assunção na data própria, por causa do feriado municipal, a festa litúrgica é transferida para o domingo, seguindo a orientação nacional da CNBB.

Esta concessão especial para o Brasil através da CNBB é decorrente das alterações litúrgicas aprovadas pelo Concílio Vaticano II, que deu autonomia às conferências dos Bispos para fazerem adaptações para os cultos locais. O mesmo Concílio autorizou e o Papa Paulo VI proclamou Maria Mãe da Igreja, em 21.11.1964, ao encerrar a sua terceira sessão e ao promulgar também a Constituição Dogmática Lumen Gentium (sobre a Igreja no mundo de hoje). O título de Maria Mãe da Igreja foi justificado, pelos padres conciliares, pelo fato de que os cristãos compartilham com Cristo a paternidade de Deus e a maternidade de Maria. Esta nova designação foi também um prolongamento de uma proclamação anterior, feita pelo Concílio de Éfeso, em 431, reconhecendo em Maria a Mãe de Deus (Theotókos), contra a heresia de Nestório que afirmava que Maria era apenas a mãe de Cristo enquanto homem, mas não de Cristo Deus, porque Este não teve mãe, uma vez que sua existência é eterna. O Concílio de Nicéia (ano 325) já havia proclamado as duas naturezas (divina e humana) de Cristo e o Concílio de Éfeso, em complementação, afirmou que Maria é Mãe de Cristo homem e Deus, portanto, Mãe de Deus. E na sequência do pensamento teológico desenvolvido pelo apóstolo Paulo, acerca da Igreja como Corpo Místico de Cristo, a tradição católica passou a venerar Maria como Mãe da Igreja, título que foi proclamado oficialmente pelo Concílio Vaticano II.

No discurso de encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI afirmou: “Com efeito, é a primeira vez —  e dizê-lo enche-Nos a alma de profunda emoção —  é a primeira vez que um Concílio Ecuménico apresenta síntese tão vasta da doutrina católica acerca do lugar que Maria Santíssima ocupa no mistério de Cristo e da Igreja”. E na Exortação Apostólica “Signum Magnum”, publicada pouco depois, o mesmo Paulo VI voltaria a repetir o fato: “Está ainda viva, Veneráveis Irmãos, no nosso ânimo a recordação da grande emoção sentida ao proclamar a augusta Mãe de Deus como Mãe espiritual da Igreja e portanto de todos os fiéis e sagrados Pastores, a coroar a terceira sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II, após ter solenemente promulgado a Constituição Dogmática «Lumen Gentium».

Meus amigos, eu estou fazendo este preâmbulo sobre Maria, lembrando-me da primeira leitura da liturgia de hoje, retirada ao Apocalipse (12, 1), que fala do grande sinal (signum magnum) visto por João no céu: uma mulher vestida com o sol, calçada com a lua e coroada com 12 estrelas. Ela estava grávida e, ao lado, apareceu um grande dragão, com sete cabeças e dez chifres (João não diz como era a disposição desses 10 cornos nas 7 cabeças, podemos então imaginar), que ficou ali esperando a criança nascer, para a devorar. De acordo com a interpretação teológica desde os tempos mais antigos, o Apocalipse trata das coisas que hão de vir, portanto, uma visão escatológica, mas de um futuro sem data prevista e que, podemos admitir, não acontece apenas uma vez, mas costuma se repetir. Refiro-me aos diversos 'dragões' que já se postaram diante da Igreja de Cristo, prontos para a devorar, em épocas passadas, e de vez em quando aparecem.

Ao repisar a primeira leitura de hoje, vieram-me à mente aqueles assombrosos fatos, dos quais já temos falado aqui neste espaço, versando sobre a fuga de documentos pessoais do Papa, façanha produzida pelos denominados 'corvos do Vaticano', que são os novos dragões apocalípticos dos nossos tempos. Os dilemas e os desafios encarados pelo Papa Bento XVI, cercado por uma verdadeira máfia dentro do Vaticano, nos lembram a figura da mulher do Apocalipse enfrentando o dragão, que está prestes a devorar o recém-nascido. No caso do dragão do apocalipse joanino, a mulher se safou, porque fugiu para o deserto, para um lugar que Deus tinha lhe preparado. Mas o nosso Papa não tem um deserto para onde fugir, então ele deve mesmo ficar exposto às labaredas que o dragão expele por sua enorme fornalha bucal e ainda sair sorrindo para toda a humanidade, como se nada estivesse acontecendo.

Firme na minha fé teológica e historicamente fundamentada, eu creio que Deus sempre prepara um lugar seguro em algum deserto espiritual, para onde levará refugiada a mulher assolada pelo dragão, no caso, a nossa Mãe Igreja. Tenho convicção de que a Igreja de Cristo não será devorada pelo dragão da insensatez e da ganância demonstrada pelos membros da sua própria hierarquia, mas que antes disso, o Papa ainda terá que suportar muitas vicissitudes, disso eu também não tenho dúvida. Num artigo publicado num jornal alemão (repassado pelo nosso Confrade Gerardo-Frei Mário), em 11.06.2012, os jornalistas fizeram a seguinte análise: “A velha guarda do Vaticano, composta por cardeais italianos e os seus apoiadores, acreditavam que tinham encontrado um Papa de transição em Ratzinger. Mas agora a transição está em seu oitavo ano, e a Cúria está mais ou menos onde ela estava, perto do fim da vida do Papa anterior (João PauloII): não há ninguém à vista para assumir com firmeza o leme. ” E dizem mais: “O clima no Vaticano é apocalíptico. O Papa Bento XVI parece cansado e mais incapaz e sem vontade de tomar as rédeas, em meio a lutas ferozes e a um escândalo, enquanto os controladores do Vaticano brigam pelo poder e especulam sobre o seu sucessor.”

Meus amigos, nesse contexto tão perturbador, a proclamação do Concílio Vaticano II veio em muito boa hora, atribuindo a Maria o título de Mãe da Igreja. Será realmente indispensável que Maria tome na mãos a nossa Igreja, para conduzi-la ao seu lugar seguro no deserto simbolizado por João no capitulo 12 do Apocalipse, porque o nosso Papa já não tem mais idade nem saúde para enfrentar as difíceis agruras com que se depara. Neste ano, em que se comemoram os 50 anos da instalação do Concílio Vaticano II, a lembrança do título de Maria Mãe da Igreja é por demais oportuna para que, nas nossas orações, recomendemos insistentemente a nossa Igreja à sua materna proteção. O Monsenhor Vitaliano Mattioli, articulista da revista eletrônica Zenit (www.zenit.org), em recente artigo (17.08.2012), recordou a profética declaração de um jornalista italiano, nesses termos: “Em 1966, o jornalista italiano Alberto Cavallaria escreveu em um livro-entrevista: "O verdadeiro significado do Concílio Vaticano II só será reconhecido depois de muitas décadas e toda conclusão rígida torna-se imprudente" ” O tempo vem demonstrando que o jornalista estava mesmo inspirado, ao fazer esta conclusão, porque passados estes 50 anos, o verdadeiro sentido e a verdadeira lição trazida pelo Concílio ainda está em fase de assimilação, o que tem gerado as naturais dissidências de toda mudança estrutural em qualquer organização, mas que tem se prejudicado por causa dos grupos extremistas de uma e de outra vertente, que se debatem entre si, em vez de buscarem através do diálogo, o melhor entendimento do verdadeiro espírito do Concílio.

Tradicionalistas e progressistas, grupos que começaram a se desenhar logo após o encerramento do Concílio, situação que se esperava fosse abrandando com o passar do tempo, só tem cada vez mais levado a recrudescimentos de ambas as partes, causando intensa angústia em todos os Papas, desde Paulo VI até Bento XVI. Essas posições antagônicas e radicais, por si sós, já depõem contra a orientação dada pelo Papa João XXIII, na abertura do Concílio, quando ele conclamou toda a Igreja à união entre os próprios fiéis e também com os irmãos separados. Além de essas atitudes não promoverem a última parte dessa convocação do Papa, ainda estão criando uma outra cisão, onde deveria haver a maior união.

Que Maria, a Mãe da Igreja, inspire as nossas autoridades na busca do verdadeiro caminho a ser trilhado. Rezemos nesta intenção.

domingo, 12 de agosto de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 19º DOMINGO COMUM - O PÃO VIVO - 12.08.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 19º DOMINGO COMUM – O PÃO VIVO – 12.08.2012

Caros Confrades,

A liturgia deste 19º domingo comum nos convida a refletir sobre o pão vivo descido do céu, aquele que é penhor da vida eterna.

O pão vivo do Novo Testamento (Jesus Cristo) está prefigurado naquele pão especial com que o anjo alimentou Elias, no deserto, o qual lhe deu sustança para caminhar durante quarenta dias e quarenta noites. Contudo, embora fosse especial, este pão do deserto não tinha o condão de preservar quem o come para a vida eterna. É curioso também ver, neste contexto, a referência à simbologia dos 40, muito recorrente na Sagrada Escritura. Conforme já tive oportunidade de comentar antes, os quarenta dias e quarenta noites referidos no texto do Livro dos Reis (1Rs 19,4) não significa literalmente 40 dias matematicamente contados, mas é uma descrição simbólica, para significar que, tendo ingerido aquele pão especial, Elias não sentiu mais fome durante toda a travessia do deserto, até chegar ao monte Horeb (Sinai), para onde se dirigia. Sempre que a simbologia do número 40 está presente na Escritura indica que algo extraordinário e grandioso está por acontecer. Assim foi com a miraculosa travessia de Elias pelo deserto.

A região atravessada por Elias forma hoje a grande península do Sinai, pertencente ao Estado de Israel, arrebatado ao Egito naquela que é chamada a 'guerra dos sete dias', ocorrida em 1967. Com a anexação desse território, o Estado de Israel ganhou uma saída para o Mar Mediterrâneo, e portanto, para o Oceano Atlântico, sem ter de circular todo o Mediterrâneo em busca da passagem única do Estreito de Gibraltar. Esses territórios bíblicos, desde sempre, foram objeto de intermináveis contendas e ainda hoje a paz não se fixa por ali. Vejamos que Elias, tendo vivido no século IX antes de Cristo, já não conseguia ter paz ao atravessar aquela região naquele tempo.

É importante salientar que o nome Elias significa “Javeh é meu Deus” e este profeta teve um papel importantíssimo na defesa do monoteísmo hebraico, na época em que o povo hebreu passava por um período de marcante sincretismo religioso. A missão do Profeta, ordenada por Javeh, era trabalhar junto às comunidades, para que abandonassem os deuses pagãos e retornassem ao seu único Deus, Javeh. Ocorre que Elias estava por demais desgastado com a dureza do coração dos hebreus. Passando de aldeia em aldeia anunciando a ordem de Javeh, não notava adesão por parte dos seus coirmãos de fé. Elias entrou numa verdadeira crise existencial. Parecia que Javeh estava passando para ele uma missão impossível. Além da incredulidade do povo, o cansaço físico e a dificuldade de se alimentar, porque ele não era bem recebido por onde andava.

No meio dessa crise, atravessando uma região deserta, padecendo em consequência da fome e da descrença dos hebreus, Elias surtou. Deitou-se no chão na sombra do junípero e disse a Javeh: agora basta, Senhor, podeis tirar a minha vida, eu não tenho forças para cumprir a missão que me destes. Foi quando o anjo lhe trouxe a primeira refeição de pão assado sob as cinzas, que ele comeu, e depois trouxe outra porção e ele comeu de novo. Pronto. Com este alimento, Elias não teve mais fome nem cansaço e pôde terminar sua tarefa, percorrendo toda a região do Sinai.

Nas primeiras linhas, eu escrevi que o pão deu a Elias a sustança necessária para caminhar no deserto. Eu acho curiosa essa palavra 'sustança' criada pelo nosso povo simples, uma corruptela da palavra erudita substância. Feijão é comida que dá sustança, cuscuz é comida que dá sustança, carne é comida que dá sustança... o nosso povo sabe o valor dos alimentos. Tão interessante seria se os nossos pastores soubessem melhor aproveitar o linguajar do nosso povo para transmitir a doutrina cristã nas homilias, em vez de ficarem a repetir slogas e chavões, geralmente de cunho moralista. A observação cuidadosa e diuturna do modo de falar do nosso povo simples é sempre uma escola de vida, que pode ser aproveitada para a evangelização. Foi assim que José de Anchieta e os primeiros Jesuitas conseguiram evangelizar os nossos índios, aprendendo o idioma deles e doutrinando-os em sua própria língua. Quanto esforço isso custou ao jovem religioso, que chegou ao Brasil ainda como diácono e tão bem soube se integrar na cultura dos nossos índios.

Pois bem, no evangelho, Jesus fala em sua cidade natal que Ele é o pão descido dos céus. Pra que ele disse isso... os conhecidos ficaram logo a cochichar entre si: não é Ele o filho de José e Maria? Como ele diz que desceu do céu? É isso mesmo, ninguém consegue ser profeta na sua própria terra, nem Cristo conseguiu isso. Foi difícil pra ele explicar aos conterrâneos que ele é o pão vivo descido do céu e quem comer deste pão não morrerá eternamente. Teve de justificar que somente aqueles a quem o Pai atraiu poderá reconhecê-lo como pão do céu. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai.” (Jo 6, 44) Ou seja, era necessário que os seus conterrâneos conhecessem o Pai através dos ensinamentos de Jesus, para que então pudessem entender a que tipo de pão Ele estava se referindo.

E Jesus aproveitou para dizer que os antepassados deles haviam comido outro pão descido do céu, quando estavam no deserto, todavia não era aquele tipo de pão o que ele trazia, porque o pão do deserto não livrava da morte eterna. Já o pão vivo, que era ele próprio, este recompensa com a vida eterna quem com ele se alimenta. Lembrando-nos dos domingos anteriores, em que comentei aqui outras passagens evangélicas com essa mesma temática do pão, fiz referência a que o pão vivo, que é Cristo, não alimenta apenas o corpo material, mas também a alma espiritual, daí porque Ele produz como resultado a vida eterna. Aquela multidão que buscou Jesus após o milagre da multiplicação dos pães buscava tão somente, outra vez, o pão material e Jesus fê-los ver que o pão que alimenta o corpo não pode estar separado do pão que alimenta o espírito.

Desse modo, o pão vivo, que é Cristo, não é apenas a sua carne por ele entregue para a vida do mundo. É necessário que o pão=carne seja consumido juntamente com o pão=palavra, com a mensagem de sua doutrina. A catequese que se desenvolveu no Brasil ao longo do tempo não foi capaz de demonstrar ao nosso povo a necessidade de unir essas duas dimensões do pão do céu (corpo de Cristo): a palavra e a eucaristia. Sempre foi mais enfatizada a obrigação de comungar, porque com a comunhão, nós nos unimos ao próprio Cristo, Ele ingressa no nosso ser. Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, aqui temos apenas a metade do seu ensinamento. Para que este pão eucarístico produza o efeito que Cristo prometeu (“quem come deste pão viverá eternamente”) é necessário unir a comunhão com o cumprimento dos mandamentos de Cristo (“amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”), com a ingestão do pão da palavra, pelo qual o espírito se alimenta e fortalece.

A participação no sacramento da eucaristia, quando não é acompanhada da prática dos ensinamentos de Cristo, equivale àquela advertência de Paulo de que não se deve comer e beber indignamente o Corpo e o Sangue de Cristo (1Cor 11,27). Tradicionalmente, sempre se ensinou que isso ocorre com quem vai comungar sem ter-se confessado antes. Ao meu ver, come e bebe indignamente o Corpo e o Sangue de Cristo quem dissocia o pão da eucaristia do pão da palavra, porque o pão vivo, que é Cristo, se completa com essas duas funções. Foi isso que Ele ensinou, nas diversas passagens que lemos nos últimos domingos, em que a temática do pão vem sendo repetida e reforçada. Jesus somente deu o pão da sua carne aos Apóstolos na última ceia, depois de passar três anos instruindo-os com o pão da palavra. Ele afirmou, por várias vezes, que quem comesse da sua carne teria a vida eterna, todavia, ele só demonstrou como seria isso após todo o período de catequese dos Apóstolos, quando eles já haviam absorvido suficiente quantidade dos seus ensinamentos.

Que o Divino Mestre nos ensine a reconhecer a nossa missão, assim como aconteceu com Elias, e nos abasteça para ela com o pão vivo descido do céu.


domingo, 5 de agosto de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 18º DOMINGO COMUM – O PÃO DO CÉU – 05.08.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 18º DOMINGO COMUM – O PÃO DO CÉU – 05.08.2012

Caros Confrades,

A liturgia deste 18º domingo do tempo comum nos convida a refletir sobre o pão do céu, oferecendo a leitura de Exodus (16, 2) como início desse tema. O maná, que o povo recolhia no deserto todos os dias, era o símbolo do verdadeiro Pão do céu, deixado a nós por Cristo.

Um comportamento característico do povo de Deus em marcha pelo deserto era a infidelidade a Javeh, através da simpatia para com os ídolos dos pagãos. Por causa disso, Javeh os castigava deixando-os com fome. Quando eles foram se queixar a Moisés, dizendo que era melhor ter ficado como escravos no Egito, porque pelo menos lá não faltava comida, Javeh respondeu, através de Moisés, que eles iriam comer carne ao anoitecer e pão ao amanhecer, e assim identificariam que era o Senhor que estava providenciando os alimentos. Diz o texto bíblico que, ao entardecer, um banco de codornas chegou ao acampamento, de modo que eles puderam capturá-las e comer carne em abundância; e ao amanhecer, um denso orvalho foi aos poucos se transformando em grãos sólidos, os quais foram usados para fazer pão. Javeh cumprira sua promessa.

Sabemos que, alguns dias depois, o povo foi novamente se queixar a Moisés, porque estavam enjoados de comer aquilo todos os dias, ou seja, o povo estava sempre insatisfeito, sempre a provocar a ira de Javeh, sempre buscando uma desculpa para justificar as suas infidelidades e o seu descumprimento da lei. Se observarmos bem, nos dias de hoje, essa mesma situação continua a se repetir, os cristãos muitas vezes têm esse mesmo comportamento inconstante e interesseiro, e a misericórdia divina continua a agir sempre perdoando, como foi no passado.

Na leitura do evangelho, retirado de João (6, 24), temos a sequência do milagre da multiplicação dos pães. Após haver sido saciado com o alimento miraculoso, os judeus saíram em massa a procurar por Cristo, até encontrá-Lo do outro lado do mar da Galiléia. Ao ver aquela multidão se aproximando, Jesus demonstrou certa irritação: “estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos” (Jo, 6, 26), parecia que o povo estava mais interessado na comida do que nos ensinamentos de Jesus. Então, ele recordou a todos o fenômeno miraculoso do maná no deserto, cuja descrição era de todos conhecida: “não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu.” (Jo, 6, 32) Jesus faz aí um jogo de palavras para depois concluir que Ele é o verdadeiro Pão do céu, antecipando o que Ele iria fazer na última ceia. “'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede.” (Jo 6, 35).

Naturalmente, os ouvintes de Jesus não atinaram para o alcance do que Ele estava a anunciar, nem os próprios apóstolos entenderam naquele momento, vindo a compreender somente quando Jesus celebrou a ceia com eles. Os judeus pediram: Senhor, dá-nos sempre deste pão, mas o que eles imaginavam era um pão material, daqueles que se come mastigando e enche o estômago. Na verdade, Jesus falava-lhes do 'pão da palavra', que Ele estava a distribuir através do seu ensinamento. Para ter acesso ao verdadeiro Pão do céu, é necessário antes aceitar o pão da palavra e pô-la em prática na nossa vida. É neste sentido que Paulo dirá depois que aquele que come a carne e bebe o sangue de Cristo indignamente será réu no inferno. Para ter 'direito' de saborear o verdadeiro Pão do céu, é necessário antes degustar o pão da palavra de Deus, alimento para a alma. Buscar o Pão do céu sem ter-se alimentado antes com o pão da palavra equivale a uma aproximação indigna daquele. E alimentar-se com o pão da palavra não requer apenas ler a Bíblia, porque uma simples leitura não surte efeito.

Eu já tive oportunidade de dizer aqui outras vezes que a Bíblia não deve apenas ser lida, mas deve ser estudada e comentada em grupos. Outra coisa importante: cada livro da Bíblia deve ser lido e estudado conforme suas peculiaridades, porque cada um deles foi escrito por um autor diferente, em épocas e locais diferentes, então não se pode ler, por exemplo, o livro dos Reis com a mesma mentalidade que se lê o profeta Jeremias; ou o livro dos Provérbios com o mesmo espírito com que se lê Macabeus. Embora estejam em sequência, no entanto, os livros da Bíblia não são como capítulos de um livro, no qual o assunto de um tem continuidade no outro. Não deve ser assim, mas cada livro deve ser estudado e aprofundado, antes de se passar para o próximo. Algum de vocês poderia perguntar como é possível realizar isso, e eu direi: há duas maneiras. Uma delas é inscrever-se num curso bíblico, seja presencialmente, seja pela internet, há várias ofertas. A segunda maneira é buscando nas livrarias católicas o estudo correspondente. Nas livrarias Vozes, Paulus, Paulinas encontram-se livros sobre cada livro da Bíblia, de modo que cada um pode, com autodidatismo, aprender a ler a Bíblia da forma correta, não como se lê uma revista ou uma obra de literatura.

Na segunda leitura, retirada da carta de Paulo aos Efésios (4, 17), lemos uma mensagem que complementa a reflexão que fizemos antes, acerca do pão do deserto ou o pão do céu do antigo testamento e o verdadeiro Pão do céu, trazido pessoalmente por Cristo. Paulo exorta os Efésios a despojarem-se do homem velho, que se corrompe sob o efeito de paixões enganadoras, e a renovarem o espírito e a mentalidade. Completando, diz ele: “Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade.” (Ef 4, 24). O homem velho, referido por Paulo, é aquele que comeu o pão caído do céu no deserto, que alimenta apenas o corpo e com pouco tempo deixa enjoado o paladar, levando a buscar outro alimento. O homem novo é o que se alimenta do pão da palavra e do pão da eucaristia, alimentos que abastecem a alma e o corpo e que nunca deixarão enjôo no paladar e, portanto, nunca trarão a vontade de buscar outro alimento.

Ao comentar isso, eu não estou querendo dizer que é necessário ir à missa todos os dias ou até mesmo ler a Bíblia todos os dias, porque isso seria raciocinar mecanicamente, como fizeram os judeus com o pão dado no deserto. É claro que, se alguém tem tempo disponível e devoção suficiente para ir à missa todos os dias, tanto melhor que o faça. Mas não apenas estes estarão se alimentando adequadamente, porque o verdadeiro Pão do céu (palavra + eucaristia) não deve ser associado a situações temporalizadas. A Igreja manda que se assista à missa aos domingos e dias santificados, mas essa é uma regra administrativa prática. Com efeito, Cristo nunca falou com que frequência o Pão deve ser consumido nem estabeleceu datas e horários para se celebrar a eucaristia. Ele também não disse: tomai e comei todos os dias, ou todas as semanas, ou todos os meses... Ele simplesmente disse: tomai e comei... tomai e bebei... deixando a cada um a tarefa de estabelecer o seu tempo útil e necessário.

Mais uma coisa. Nesses tempos de informatização e de internet, nós não precisamos andar com a Bíblia debaixo do braço, como fazem alguns irmãos separados, pois ela está acessível em qualquer computador a qualquer momento. Quem nunca fez isso, coloque no mecanismo de busca a palavra 'liturgia diária', vão aparecer inúmeras opções para quem quiser fazer a sua leitura diária, ali mesmo na hora em que está trabalhando, lendo e-mails, lendo notícias, etc, a Palavra está ali junto, basta um clique para achá-la. A título de sugestão, eu gosto de seguir o link da CNBB (www.cnbb.org.br – liturgia diária). Não demora que dois ou três minutos para que possamos tomar o nosso alimento espiritual, preparando-nos para a eucaristia.

Que o divino Mestre nos ensine e nos ajude a buscar o verdadeiro Pão trazido diretamente por Ele, a mando do Pai, e nos faça sempre mais integrar esses ensinamentos na nossa vida cotidiana.


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO COMUM – A PARTILHA DO PÃO – 29.07.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 17º DOMINGO COMUM – A PARTILHA DO PÃO – 29.07.2012

Caros Confrades,

A liturgia deste 17º domingo comum nos incentiva a fazer a partilha do pão, simbolizando neste todos os dons que alimentam a vida, tanto a vida corporal quanto a vida espiritual.

Na primeira leitura, retirada do Livro dos Reis (2Rs 4,42), o hagiógrafo relata um fato miraculoso operado pelo profeta Eliseu vários séculos antes de Cristo, como que antecipando o futuro milagre que seria realizado pelo Messias. Eliseu recebeu de presente 20 pães, mas não os comeu. Era época de muita fome na região e ele mandou que fossem distribuídos para o povo. Porém o seu assistente ficou preocupado: como vou distribuir tão poucos pães para cem pessoas famintas? Ele, prudentemente, deve ter logo imaginado o tumulto que isso iria ocasionar e as brigas entre as pessoas disputando os pedaços, podendo até ocorrer agressões e ferimentos. Mas o Profeta o tranquilizou: O Senhor disse – comerão e ainda sobrará. E assim foi.

A imagem do pão está sempre presente em diversas passagens bíblicas, seja do antigo seja do novo testamento, porque o pão sempre foi e continua sendo o alimento básico do ser humano. Feito de trigo, de milho, de mandioca, de batata, daquela massa que for mais abundante na região, o pão é um alimento que acompanha o ser humano desde os primórdios da vida em comunidade. Por causa da sua importância cultural, o pão é figura simbólica para significar os diversos dons que acompanham a vida humana, além da simples satisfação da fome física. O saciamento da fome induz ao bem estar, à alegria, à boa convivência, faz elevar o espírito para as realidades sobrenaturais, então o pão é muito mais do que um alimento material, é um verdadeiro mantenedor do ser humano. Foi por esse motivo que Cristo, quando quis deixar um sinal perpétuo da sua presença no meio da humanidade, adotou o símbolo do pão, transformando a si mesmo em pão da vida.

É importante frisar que o pão oferecido por Cristo aos apóstolos, pelo qual Ele também se transformou em pão da vida, era o pão comum, aquele que as pessoas comiam regularmente, o pão básico da vida social. Todos nós conhecemos o texto de São Paulo aos Coríntios (1Cor 11,27), no qual o apóstolo adverte para que as pessoas comam e bebam o corpo e o sangue de Cristo de forma digna, porque nos primeiros tempos do cristianismo, o pão consagrado e transformado no corpo de Cristo era o pão comum, então as pessoas comiam o pão consagrado e bebiam o vinho consagrado em tamanha quantidade que ficavam fartos embriagados, ou seja, a comunhão era verdadeiramente um banquete de pão e vinho. Por causa disso e por outras razões históricas, o pão eucarístico foi transmudado numa pequena partícula, que perde em grande parte o simbolismo original dado por Cristo ao alimento básico do homem para o corpo e para o espírito. Hoje em dia, quando se fala em banquete eucarístico, estamos usando uma pura figura de estilo, enquanto na antiguidade, tratava-se de um verdadeiro banquete, no sentido próprio da palavra.

Pois bem, a cena protagonizada por Eliseu no AT foi revivida por Cristo, nas vésperas da Páscoa dos judeus, quando Ele aplicou a mesma clássica imagem do pão, novamente multiplicado, para saciar a fome daqueles que estavam a ouvi-lo e preparando o espírito dos apóstolos para a ceia derradeira, na qual além de distribuir o pão, Ele próprio se transformaria neste alimento. E usando de notável bom humor, Jesus mesmo já sabendo o que iria fazer, fez um desafio a Felipe: onde iremos arranjar pão pra esse povo todo comer? E Felipe foi na onda: Nem duzentas moedas de prata seriam suficientes para dar um pedaço de pão para cada um. Dá pra se imaginar que duzentas moedas seria uma quantia considerável, talvez até o total que Judas carregava na mochila que lhe servia como caixa forte. Foi quando André acudiu: tem ali um rapaz com cinco pães e dois peixes, mas de que adianta, não dá pra nada... Era a dica que Jesus esperava. Mandou o povo sentar, abençoou os pães e os peixes e os distribuiu para mais de cinco mil pessoas. E todos comeram até ficarem saciados e ainda sobraram doze cestos com os pedaços deixados. O texto não faz referência se os peixes estavam crus, cozidos ou fritos, provavelmente estavam crus. Na nossa cultura, não é o que se chamaria de um apetitoso alimento comer pão com peixe cru, mas certamente essa iguaria era costumeira entre os habitantes das proximidades do lago de Genesaré ou Mar da Galiléia.

Pois bem, nessa simples descrição do evangelista João (Jo 6, 1-15), podemos observar alguns detalhes interessantes. Primeiro, a preocupação de Jesus com a fome daquelas pessoas. As pessoas não foram se queixar para Ele, ao contrário, estavam ali para ouvi-Lo. Mas Jesus sabia que, sem a alimentação devida, a mente não funciona, a concentração não ocorre, o aprendizado é nulo. Então, antes de alimentar o espírito, é necessário alimentar o corpo. Isso significa que a Igreja não pode se descuidar da promoção social dos fiéis, da melhoria das suas condições de vida e de trabalho, ou seja, não compete às autoridades religiosas apenas celebrar missas e oficiar os sacramentos, mas juntamente com isso, há a preocupação com a vida material. E como todos nós sabemos, essa preocupação faz parte integrante da atividade política. Por isso, não há como dissociar política e religião, como alguns católicos insistem em dizer. Política e religião são duas atitudes inseparáveis e complementares. Inexplicavel e até contraditoriamente, o Código de Direito Canônico proíbe os presbíteros de exercerem a política partidária, mas a atividade política geral é inseparável do pastoreio religioso.

Outro detalhe que importa destacar é que o milagre de Jesus foi possibilitado pela presença de um rapaz trazendo cinco pães e dois peixes. Ele poderia ter feito o milagre independentemente disso, podia ter transformado até pedras em pão ou ter feito cair pão das nuvens, mas Ele não quis assim. Isso significa que Deus prefere agir por nosso intermédio, com a nossa colaboração, mesmo para fazer as coisas mais extraordinárias. Muitas vezes, Deus se serve de um coirmão ou coirmã nosso(a) para operar prodígios e, portanto, pode servir-se de nós também. Portanto, nós precisamos estar sempre disponíveis para Deus agir por nosso intermédio, através da nossa fé operante, através do nosso exemplo e do nosso testemunho. Muitas vezes, nós nem percebemos, mas as nossas atitudes estão sendo percebidas por outras pessoas e o nosso bom exemplo pode estar sendo decisivo para que um irmão, momentaneamente fraco na fé, ganhe força e supere um obstáculo na sua vida. Se deixarmos Deus agir por meio de nós, nós também poderemos ser esses agentes transformadores, sem que isso necessariamente cause em nós canseira ou preocupação. Na nossa vida cristã cotidiana, as nossas atitudes normais de cada dia podem se transformar em importantes instrumentos divinos para a realização de obras valiosas na sociedade.

Um terceiro detalhe a observar é a preocupação de Jesus com os pedaços que sobraram, mandou que fossem recolhidos para não se estragarem. Com isso, ele nos ensina a não esbanjar, a não abusar dos dons naturais que possuímos, dos frutos que a terra e a indústria humana produzem. O que sobra na nossa mesa pode estar faltando na mesa do nosso irmão carente. Ou seja, Jesus nos ensina a evitar o consumismo, o esbanjamento, o supérfluo e a saber distribuir aquilo que temos em excesso. Naquela época, Jesus já demonstrava uma preocupação que hoje está na mente de todos os governantes e das pessoas esclarecidas: o cuidado com o ambiente, a proteção da natureza, o zelo pela nossa habitação comum, o nosso planeta. O nosso Messias foi também ecológico.

Que o divino Mestre nos ajude a distribuir e a partilhar, ensinando-nos que fartura não é sinônimo de esbanjamento e desperdício, abrindo o nosso coração para repartir o nosso pão com os mais necessitados.