COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 19º DOMINGO COMUM – O PÃO VIVO – 12.08.2012
Caros Confrades,
A liturgia deste 19º
domingo comum nos convida a refletir sobre o pão vivo descido do
céu, aquele que é penhor da vida eterna.
O pão vivo do Novo
Testamento (Jesus Cristo) está prefigurado naquele pão especial com
que o anjo alimentou Elias, no deserto, o qual lhe deu sustança para
caminhar durante quarenta dias e quarenta noites. Contudo, embora
fosse especial, este pão do deserto não tinha o condão de
preservar quem o come para a vida eterna. É curioso também ver,
neste contexto, a referência à simbologia dos 40, muito recorrente
na Sagrada Escritura. Conforme já tive oportunidade de comentar
antes, os quarenta dias e quarenta noites referidos no texto do Livro
dos Reis (1Rs 19,4) não significa literalmente 40 dias
matematicamente contados, mas é uma descrição simbólica, para
significar que, tendo ingerido aquele pão especial, Elias não
sentiu mais fome durante toda a travessia do deserto, até chegar ao
monte Horeb (Sinai), para onde se dirigia. Sempre que a simbologia do
número 40 está presente na Escritura indica que algo extraordinário
e grandioso está por acontecer. Assim foi com a miraculosa travessia
de Elias pelo deserto.
A região atravessada
por Elias forma hoje a grande península do Sinai, pertencente ao
Estado de Israel, arrebatado ao Egito naquela que é chamada a
'guerra dos sete dias', ocorrida em 1967. Com a anexação desse
território, o Estado de Israel ganhou uma saída para o Mar
Mediterrâneo, e portanto, para o Oceano Atlântico, sem ter de
circular todo o Mediterrâneo em busca da passagem única do Estreito
de Gibraltar. Esses territórios bíblicos, desde sempre, foram
objeto de intermináveis contendas e ainda hoje a paz não se fixa
por ali. Vejamos que Elias, tendo vivido no século IX antes de
Cristo, já não conseguia ter paz ao atravessar aquela região
naquele tempo.
É importante salientar
que o nome Elias significa “Javeh é meu Deus” e este profeta
teve um papel importantíssimo na defesa do monoteísmo hebraico, na
época em que o povo hebreu passava por um período de marcante
sincretismo religioso. A missão do Profeta, ordenada por Javeh, era
trabalhar junto às comunidades, para que abandonassem os deuses
pagãos e retornassem ao seu único Deus, Javeh. Ocorre que Elias
estava por demais desgastado com a dureza do coração dos hebreus.
Passando de aldeia em aldeia anunciando a ordem de Javeh, não notava
adesão por parte dos seus coirmãos de fé. Elias entrou numa
verdadeira crise existencial. Parecia que Javeh estava passando para
ele uma missão impossível. Além da incredulidade do povo, o
cansaço físico e a dificuldade de se alimentar, porque ele não era
bem recebido por onde andava.
No meio dessa crise,
atravessando uma região deserta, padecendo em consequência da fome
e da descrença dos hebreus, Elias surtou. Deitou-se no chão na
sombra do junípero e disse a Javeh: agora basta, Senhor, podeis
tirar a minha vida, eu não tenho forças para cumprir a missão que
me destes. Foi quando o anjo lhe trouxe a primeira refeição de pão
assado sob as cinzas, que ele comeu, e depois trouxe outra porção e
ele comeu de novo. Pronto. Com este alimento, Elias não teve mais
fome nem cansaço e pôde terminar sua tarefa, percorrendo toda a
região do Sinai.
Nas primeiras linhas,
eu escrevi que o pão deu a Elias a sustança necessária para
caminhar no deserto. Eu acho curiosa essa palavra 'sustança' criada
pelo nosso povo simples, uma corruptela da palavra erudita
substância. Feijão é comida que dá sustança, cuscuz é comida
que dá sustança, carne é comida que dá sustança... o nosso povo
sabe o valor dos alimentos. Tão interessante seria se os nossos
pastores soubessem melhor aproveitar o linguajar do nosso povo para
transmitir a doutrina cristã nas homilias, em vez de ficarem a
repetir slogas e chavões, geralmente de cunho moralista. A
observação cuidadosa e diuturna do modo de falar do nosso povo
simples é sempre uma escola de vida, que pode ser aproveitada para a
evangelização. Foi assim que José de Anchieta e os primeiros
Jesuitas conseguiram evangelizar os nossos índios, aprendendo o
idioma deles e doutrinando-os em sua própria língua. Quanto esforço
isso custou ao jovem religioso, que chegou ao Brasil ainda como
diácono e tão bem soube se integrar na cultura dos nossos índios.
Pois bem, no evangelho,
Jesus fala em sua cidade natal que Ele é o pão descido dos céus.
Pra que ele disse isso... os conhecidos ficaram logo a cochichar
entre si: não é Ele o filho de José e Maria? Como ele diz que
desceu do céu? É isso mesmo, ninguém consegue ser profeta na sua
própria terra, nem Cristo conseguiu isso. Foi difícil pra ele
explicar aos conterrâneos que ele é o pão vivo descido do céu e
quem comer deste pão não morrerá eternamente. Teve de justificar
que somente aqueles a quem o Pai atraiu poderá reconhecê-lo como
pão do céu. “Ninguém
pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai.”
(Jo 6, 44) Ou seja, era necessário que os seus conterrâneos
conhecessem o Pai através dos ensinamentos de Jesus, para que então
pudessem entender a que tipo de pão Ele estava se referindo.
E Jesus aproveitou para
dizer que os antepassados deles haviam comido outro pão descido do
céu, quando estavam no deserto, todavia não era aquele tipo de pão
o que ele trazia, porque o pão do deserto não livrava da morte
eterna. Já o pão vivo, que era ele próprio, este recompensa com a
vida eterna quem com ele se alimenta. Lembrando-nos dos domingos
anteriores, em que comentei aqui outras passagens evangélicas com
essa mesma temática do pão, fiz referência a que o pão vivo, que
é Cristo, não alimenta apenas o corpo material, mas também a alma
espiritual, daí porque Ele produz como resultado a vida eterna.
Aquela multidão que buscou Jesus após o milagre da multiplicação
dos pães buscava tão somente, outra vez, o pão material e Jesus
fê-los ver que o pão que alimenta o corpo não pode estar separado
do pão que alimenta o espírito.
Desse modo, o pão
vivo, que é Cristo, não é apenas a sua carne por ele entregue para
a vida do mundo. É necessário que o pão=carne seja consumido
juntamente com o pão=palavra, com a mensagem de sua doutrina. A
catequese que se desenvolveu no Brasil ao longo do tempo não foi
capaz de demonstrar ao nosso povo a necessidade de unir essas duas
dimensões do pão do céu (corpo de Cristo): a palavra e a
eucaristia. Sempre foi mais enfatizada a obrigação de comungar,
porque com a comunhão, nós nos unimos ao próprio Cristo, Ele
ingressa no nosso ser. Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, aqui
temos apenas a metade do seu ensinamento. Para que este pão
eucarístico produza o efeito que Cristo prometeu (“quem come deste
pão viverá eternamente”) é necessário unir a comunhão com o
cumprimento dos mandamentos de Cristo (“amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo”), com a ingestão do pão da
palavra, pelo qual o espírito se alimenta e fortalece.
A participação no
sacramento da eucaristia, quando não é acompanhada da prática dos
ensinamentos de Cristo, equivale àquela advertência de Paulo de que
não se deve comer e beber indignamente o Corpo e o Sangue de Cristo
(1Cor 11,27). Tradicionalmente, sempre se ensinou que isso ocorre com
quem vai comungar sem ter-se confessado antes. Ao meu ver, come e
bebe indignamente o Corpo e o Sangue de Cristo quem dissocia o pão
da eucaristia do pão da palavra, porque o pão vivo, que é Cristo,
se completa com essas duas funções. Foi isso que Ele ensinou, nas
diversas passagens que lemos nos últimos domingos, em que a temática
do pão vem sendo repetida e reforçada. Jesus somente deu o pão da
sua carne aos Apóstolos na última ceia, depois de passar três anos
instruindo-os com o pão da palavra. Ele afirmou, por várias vezes,
que quem comesse da sua carne teria a vida eterna, todavia, ele só
demonstrou como seria isso após todo o período de catequese dos
Apóstolos, quando eles já haviam absorvido suficiente quantidade
dos seus ensinamentos.
Que o Divino Mestre nos
ensine a reconhecer a nossa missão, assim como aconteceu com Elias,
e nos abasteça para ela com o pão vivo descido do céu.
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