domingo, 25 de novembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 34º DOMINGO COMUM – FESTA DE CRISTO REI – 25.11.2012.


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 34º DOMINGO COMUM – FESTA DE CRISTO REI – 25.11.2012.

Caros Confrades,

Neste 34º domingo comum, que encerra o ano litúrgico de 2012, a Igreja destaca a festa de Cristo Rei do Universo. Esta celebração foi instituída em 1925, pelo Papa Pio XI, com um objetivo religioso-político, no período histórico que mediou entre as duas grandes guerras mundiais e num contexto de grande ascensão do ateísmo no mundo, com a vitória dos regimes comunistas na Ásia, a fim de chamar a atenção da comunidade internacional para a figura de Cristo, o soberano acima de todos os dirigentes políticos.

A motivação teológica desta festa litúrgica se concentra na 'segunda vinda' de Cristo, quando ele virá concretizar as profecias que falam de sua eterna glória e do seu grande poder, como a que lemos na primeira leitura de hoje, retirada do profeta Daniel: “eis que, entre as nuvens do céu, vinha um como filho de homem, aproximando-se do Ancião de muitos dias, e foi conduzido à sua presença. Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, naçðes e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá.” (Dn 7, 13-14). Tal figura real está corroborada no Apocalipse: “Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos, o soberano dos reis da terra.” (Ap 1, 5). E ainda no evangelho de Marcos: “Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra.” (Mc 13, 26-27). Embora a liturgia de hoje não tenha escolhido este trecho do evangelho de Marcos, ele se encaixa totalmente no contexto das duas leituras anteriores.

Eu vou dizer aqui a vocês um opinião pessoal, que não é a doutrina oficial da Igreja Católica, de modo que peço que leiam isso como um comentário reservado meu. Eu não concordo com essa ênfase dada pela liturgia à figura de Cristo Rei do Universo. Em toda a sua pregação, Ele nunca quis ser exaltado como chefe, ele sempre repreendeu os discípulos, quando estes buscavam se sobressair de alguma forma, dizendo que aquele que quer ser o maior, deve ser o que serve. Ele deu muitos exemplos disso. Então, fica me parecendo essa homenagem a Cristo Rei como um contrassenso a tudo o que ele pregou. Dá a impressão que Ele rejeitaria tal homenagem, se tivessem lhe perguntado antes. Além do mais, essa imagem do rei é algo que recorda os tempos antigos e medievais, nos quais a figura real era algo que fazia parte do dia a dia das pessoas, porque a autoridade maior em toda parte era a de um rei, até na própria Bíblia, nomeiam-se vários reis de Israel. Mas no nosso tempo, o arquétipo real é algo bastante folclórico, presente nos folguedos populares, a imagem do rei já não transmite um significado de algo verdadeiro, mas opera bem mais no mundo da fantasia.

Eu ainda vejo nisso outro agravante. A celebração de Cristo Rei do Universo nos leva a questionar o alcance desse reinado. Até onde nos é dado saber, Cristo veio trazer a salvação aos homens terráqueos, as leituras bíblicas de hoje fazem referência aos 'reis da terra', por que não seria, então, a festa Rei do Mundo, compreendendo-se no conceito de mundo os 'reinos da terra'? Certa vez, o nosso confrade Cambraia me fez um questionamento, que já havia passado antes na minha cabeça e para o qual eu não conheço uma resposta teológica. É o seguinte. Cada vez mais a ciência faz afirmações sobre a existência de outros planetas em condições idênticas às da terra, com grande probabilidade de que haja vida inteligente por lá. Pois bem. Se houver, então a mensagem de Cristo também teria chegado lá? Cristo teria se encarnado lá também e teria pregado seu evangelho também ali? Até hoje, toda a teologia foi elaborada com base no pressuposto de que somente na terra existe vida inteligente. Como ficará a doutrina religiosa quando forem (e isso será, embora não se saiba quando) finalmente encontrados outros seres inteligentes, com a mesma estrutura mental dos habitantes da terra? Ora, a referência a Cristo Rei do Universo (e não apenas da terra) supõe que a Sua presença e a sua mensagem estariam presentes em todos os confins do cosmos. Não tenho resposta para este questionamento. Apenas, por pura dedução de lógica, imagino que, se existirem outros mundos semelhantes ao nosso, com grande probabilidade, lá também existiriam os mesmos problemas que enfrentamos aqui. Então, existe a possibilidade de que a mensagem cristã tenha sido transmitida também ali. De que modo? Isso precisaremos ter contatos imediatos de centenas de graus para poder alcançar.

Paro aqui, não vou avançar nessa linha de raciocínio, pois não quero ser enfadonho nem pedra de tropeço para os nossos Confrades que não concordam com isso. Mas deixo o tema para futuras reflexões.

A leitura do evangelho de hoje, retirada de João 18, 33ss, também me deixa cheio de indagações. Trata do diálogo de Cristo com Pilatos, quando este pergunta se Jesus é rei e Ele responde: “Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim a mundo para isto.” Pensemos no seguinte. Nenhum dos discípulos de Cristo testemunhou o seu julgamento no tribunal de Pilatos. Quem teria, então, reportado esse diálogo com tantos detalhes? Sabemos que o verdadeiro julgamento de Cristo ocorreu no sinédrio, sob a chefia de Anás e Caifás, quando Jesus foi julgado conforme a lei dos judeus. Essa lei era, ao mesmo tempo, religiosa e política, pois naquela época não havia a separação entre estado e religião (como acontece hoje em alguns países ainda). Ocorre que os judeus não formavam um estado independente, pois estavam sob a dominação dos romanos, então era preciso que aquele julgamento fosse homologado pela autoridade romana, para que Jesus pudesse ser executado. Só que Pilatos não entendeu nada. Quando disseram a ele que Jesus queria ser rei e se colocar no lugar de César (o imperador romano), Pilatos ter-lhe-ia perguntado: então, tu és rei? Ao que Jesus respondeu: o meu reino não é deste mundo... Pilatos achou tudo aquilo muito estranho, insólito fanatismo dos judeus, mas como os romanos eram muito tolerantes com os costumes e regras locais em todos os povos por eles conquistados, não entendeu e também não interferiu, lavou as mãos e disse: vão lá e façam conforme a lei de vocês.

Todos sabem da história, não preciso repetir. No meio daquele tumulto da multidão insuflada pelos chefes dos sacerdotes, Pilatos ainda foi condescendente com Jesus, colocou uma votação entre Ele e Barrabás, um conhecido assassino, Barrabás ganhou. Agora, avaliem. No meio desse tumulto, quem teria ouvido o diálogo de Cristo com Pilatos, para depois reproduzi-lo com riqueza de detalhes? Provavelmente, alguns soldados da guarda e só. Isso leva à conclusão que o diálogo foi construído pela comunidade cristã, como de resto assim foram os textos evangélicos, inspirados em tradições que foram se espalhando nos anos seguintes à morte de Cristo. De todo modo, a figura do rei entra como componente desta cena por causa foi a acusação que os sacerdotes fizeram contra Jesus, para que Pilatos entendesse, porque dizer que o 'crime' d'Ele era afirmar ser filho de Deus, para Pilatos não significaria nada. Portanto, ao meu ver, o contexto desse breve diálogo sobre a realeza de Cristo foi puramente acidental. Certamente, após a sua ressurreição, começaram a se construir as imagens de Cristo glorioso, semelhante a um rei do modelo que eles conheciam, com vestes luxuosas, coroa na cabeça, cetro na mão, sentado num trono, etc.

Meus amigos, até peço desculpas por ter desenvolvido o tema deste comentário com um viés diferente do que costumo fazer, abordando as leituras do domingo e tirando conclusões para a nossa caminhada. Apesar de discordar desse aparato vistoso que a liturgia sugere com a festa de Cristo Rei, devo dizer que Ele é verdadeiramente o soberano da verdade, da justiça, da paz, da igualdade e da fraternidade e que, para isso, ele não precisa de um manto real nem de um cetro nem de um trono, porque o seu manto é a verdade, o seu trono é a justiça e o seu cetro é a paz que ele vem trazer todos os dias a todos nós. Que nós aprendamos a contemplar a realeza de Cristo destituída desses petrechos medievais, concentrando-nos no verdadeiro mundo onde ele deve sempre reinar, que é nos nossos corações.


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