segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO - FESTA DA SAGRADA FAMILIA - 30.12.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA – 30.12.2012

Caros amigos,

Neste último domingo do ano, a liturgia celebra a festa da Sagrada Família de Nazaré. A data não está ligada ao dia 30, mas ao domingo que ocorre entre o Natal e o Ano Novo, recaindo no dia 31 quando o dia de natal cai no domingo, porque o próximo domingo então será o dia 1 de janeiro.

A celebração da Sagrada Família nos leva a refletir sobre a estrutura da organização familiar sob os diversos aspectos, além do religioso, como também o sócio-cultural e o jurídico, e nestes dois últimos aspectos, estamos observando uma mudança bastante significativa neste início de século XXI. Com efeito, o modelo familiar tradicional, constituído por um homem,uma mulher e seus filhos, está agora competindo com outras modalidades que não existiram anteriormente, quais sejam, as famílias compostas por pessoas do mesmo sexo, com seus filhos adotados, e ainda as famílias de um só: pai e filhos de diferentes mães, mãe e filhos de diferentes pais. A religião católica tem bravamente resistido a essas mudanças, que são consequências diretas da maior assimilação dos comportamentos sexuais alternativos na nossa sociedade, condição que torna aceitável também, nesse enlastecimento cultural, as uniões homoafetivas, até já reconhecidas juridicamente como equivalentes à união estável entre homem e mulher. Não pretendo fazer aqui um juízo de valor, deixo isso para a consideração de cada um. A análise que faço é apenas para destacar que a instituição social mais antiga que se conhece, que é a família tradicional, está passando por uma reforma substancial, o que caracteriza, sem nenhuma dúvida, aquilo que o Papa João XXIII chamou de 'sinal dos tempos'.

A liturgia deste domingo coloca a família de Nazaré como o modelo da família perfeita, inclusive com as eventuais vicissitudes que se observam em todos os grupos familiares: o 'pito' que Maria deu em Jesus menino, decorrente da estressante procura por Ele, após o retorno de mais de um dia de caminhada. Um puxão de orelhas na hora certa (agora proibido pela lei dos castigos corporais) nunca fez mal a ninguém, desde os tempos bíblicos.

Na primeira leitura, temos um trecho do livro do Eclesiástico (Eclo, 3, 3-17). De início, convém chamar a atenção para a diferença entre os dois livros bíblicos do Eclesiástico e do Eclesiastes, que tem nomes muito parecidos. Por isso, para diferenciá-los melhor, costuma-se chamar o Eclesiastes de Qohélet e o Eclesiástico de Sirácide ou Ben Sirac. Este último, o da leitura deste domingo, teve o nome tirado do seu autor, um judeu chamado Jesus Ben Sirac, que escreve uma meditação sobre a felicidade, partindo da sabedoria tradicional do povo hebreu. Este livro não fazia parte da antiga Torah judaica, sendo por isso considerado deuterocanônico. Ele foi incluído no cânon da Bíblia Católica após muitas discussões sobre a pertinência disso, porque nem todos os Padres da Igreja antiga assim o consideravam. Foi um dos motivos do protesto de Lutero, que não concordava com a sua inclusão. Consta que até São Jerônimo, o tradutor oficial da Bíblia-versão vulgata, não estava muito convencido disso, mas depois teria mudado de ideia. Pela força da tradição de seu uso nos templos cristãos desde os albores do cristianismo, foi incluído no cânon católico.

A leitura traz sobretudo conselhos aos filhos sobre o respeito aos pais, que tem a aprovação e a bênção de Javé. O cuidado dos filhos com os pais idosos, mesmo quando já sem lucidez, além de obrigação moral deles, torna-se também motivo de santificação, para perdão dos pecados, cuja recompensa será devolvida por Javé. O conteúdo do texto se aplica perfeitamente na nossa sociedade, como aliás se aplicou em todas as épocas, porque a relação pais e filhos foi sempre um dos pontos fundamentais de sustentação da sociedade e as admoestações da sabedoria antiga são, podemos dizer, perenes e supra culturais.

A segunda leitura, de Paulo a Colossenses (Cl 3, 12-21) exorta todos os membros daquela comunidade ao exercício da caridade, da tolerância e do amor fraterno, como regra básica para a harmonia que deve marcar a vivência dos cristãos. Em seguida, traz conselhos específicos para os casais e seus filhos: “Esposas, sede solícitas para com vossos maridos, como convém, no Senhor. Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros com elas. Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, pois isso é bom e correto no Senhor. Pais, não intimideis os vossos filhos, para que eles não desanimem. ” (Cl 3, 18-21). Até parece que Paulo faz um complemento ou uma atualização da leitura do Sirácide, texto que ele devia muito bem conhecer.

No evangelho de Lucas (Lc 2, 41-52), temos mais um daqueles detalhes da vida de Jesus que somente este evangelista veio a saber, por conta da sua convivência cotidiana com Maria. Inicia Lucas dando amostras da fidelidade da família de Nazaré ao cumprimento da Lei de Moisés, afirmando que os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Nos anos anteriores, com certeza, não acontecera nada diferente. Mas naquele ano, quando Jesus completara 12 anos de idade, deu-se o inesperado: ele se desgarrou do grupo e isso não foi percebido pelos seus pais. Como se supõe, José e Maria viajavam a pé e deviam andar em grandes caravanas de pessoas residentes em Nazaré e em cidades próximas. Desse modo, o grupo viajante era composto de muita gente e as crianças maiores circulavam entre os parentes e conhecidos, de modo que a ausência de Jesus não foi notada de imediato. Provavelmente foi na primeira dormida, por não ter ele voltado para o grupo dos pais, que eles se preocuparam. Por isso, diz Lucas que eles haviam caminhado um dia inteiro quando perceberam a ausência do menino e voltaram para procurá-lo.

Cada um de nós, pela experiência de pais e mães, pode imaginar a aflição de José e Maria por terem 'perdido' o menino numa cidade estranha, cheia de estrangeiros, certamente tendo também muita gente de maus costumes (porque isso há em todo lugar), e o que se passava na cabeça e no coração deles? E ainda demorou um tempo enorme: três dias de buscas, que devem ter parecido uma eternidade. Jerusalém, a metrópole em tempos de festa da Páscoa, devia ser assim como ficam as nossa cidades romeiras de Canindé e Juazeiro do Norte, na época dos festejos. Quem já esteve lá nesses períodos, pode fazer melhor a ideia do que se passa. Vê-se que, apesar de toda a fé, que certamente nunca lhes faltou, a situação psicológica de José e Maria era de grande estresse e angústia, tanto que, ao encontrarem o menino no local mais improvável (a sinagoga), ao invés de se sentirem aliviados, Ele recebeu um puxão de orelhas de Maria: porque você fez isso conosco?

Eu fico aqui imaginando a cena de Maria contando essas histórias para Lucas. Com certeza, um grande exercício de paciência deste, porque penso que somente a muito custo Maria concordava em revelar certos detalhes. E para ela falar no 'pito' que deu no menino após a angustiante procura, deve ter sido permeado de reticências, as quais Lucas ia completando com o conhecimento que ele tinha da personalidade de Maria. E a resposta de Jesus até parece indelicada, pois o mais esperado seria um pedido de desculpas. No entanto, Ele chegou a ser até arrogante ao dizer: eu estava cuidando das coisas do meu Pai... e Maria deve ter engolido em seco, porque ela sabia de quem se tratava, mais do que ninguém.

Algo que ficamos aqui a imaginar também é o seguinte: por que Lucas silencia, a partir daqui, sobre a infância de Jesus? Será que Maria não contou mais nada? Será que ele não achou outros fatos relevantes a serem narrados? Será porque daí em diante o menino fora enviado para alguma 'escola' rabínica, como afirmam alguns, referindo-se à comunidade dos essênios? Eu penso que Maria deve ter contado para Lucas outros detalhes, no entanto, a juízo dele, não suficientemente relevantes para o propósito da sua mensagem. Dizer que o Menino estava conversando com os Doutores da Lei, que se admiravam da sua sabedoria, indica que Jesus já estudava as escrituras naquele tempo, ou seja, ele já frequentava alguma escola rabínica. Embora filho de Deus, mas tendo assumido a condição humana, Jesus não 'nasceu sabendo' as escrituras, ele precisou estudar. E sabemos que de fato estudou, porque quando ele iniciou sua missão no deserto, após o batismo por João, ele já tinha conhecimento da Lei de Moisés como os doutores do seu tempo. Por isso, penso que Lucas considerou desnecessário dizer que Jesus estudava a Torah, porque assim o faziam os adolescentes que eram preparados nas sinagogas para serem os futuros mestres da lei. Jesus devia fazer parte desse grupo preparatório, aliás, o próprio nome 'sinagoga' sugere isso (syn+agoge=aprender em conjunto). E Lucas faz questão de dizer que, após esse fato, o menino foi obediente em tudo aos seus pais.

Que a Sagrada Família de Nazaré continue inspirando as nossas famílias e oriente também os modelos familiares alternativos, sempre no seguimento dos ensinamentos cristãos.

Renovados votos de Feliz Ano Novo

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DO ADVENTO – PREVISTO E ESPERADO – 23.12.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DO ADVENTO – PREVISTO E ESPERADO – 23.12.2012

Caros Confrades,

Neste quarto domingo do Advento, a liturgia comemora a visita de Maria à sua prima Isabel, que foi um momento marcante na economia da nossa salvação, como dizem os teólogos.

Antes de abordar o tema mariano, eu gostaria de ressaltar aqui a espetacular previsão do profeta Miquéias, com um grau de acerto de cem por cento, sobre o local onde nasceria o Messias: Belém de Judá. Miquéias era natural também do reino de Judá, mas de outra cidade, Mirasti, não tão distante de Belém e era contemporâneo do profeta Isaías, tendo vivido por volta de 700 anos antes de Cristo. Ele é um dos chamados 'profetas menores', porque o seu livro tem apenas sete capítulos, por isso nos cursos de teologia, o seu estudo é feito apenas superficialmente, dedicando-se mais tempo aos 'profetas maiores'. Contudo, foi Miquéias o único dos profetas a afirmar que Belém seria o berço terreno do Messias.

Há fatos notórios e intrigantes contidos nos diversos livros da Bíblia, escritos por pessoas diferentes e que se encaixam com grande precisão, demonstrando bem o dedo de Javé conduzindo as ações humanas para a realização de suas promessas a Abraão. Consideremos que cerca de 700 anos antes, Miquéias profetizou a chegada do Messias em Belém. No entanto, José e Maria moravam em Nazaré, onde casaram e ela estava grávida. Entra então o dedo de Javé através do governador da Síria, Quirino (Lc 2,2), determinando mais um recenseamento. Sim, mais um recenseamento, porque era comum naquela época, quando um novo território era conquistado, o conquistador convocava todos os habitantes para fazer a 'contabilidade pública', saber quantos eram, quantos bens possuíam, quanto de impostos poderiam pagar, onde estavam residindo... Assim aconteceu quando o rei Arquelau, da Síria, foi vencido pelos romanos e Quirino era o magistrado supremo na região da Ásia, tendo ordenado o recenseamento, o qual, conforme estudos históricos, se deu entre os anos 8 e 6 a. C. Os historiadores até comentam que há uma imprecisão na referência do evangelista Lucas, porque quem executou este recenseamento teria sido Herodes, o governador local, mas Lucas se refere a Quirino, porque era a autoridade romana máxima da região. Bem, esses detalhes são apenas para esclarecer, porque o que interessa é a intervenção de Javé na história dos homens, para possibilitar o cumprimento da profecia de Miquéias.

A esse fato, associa-se a visita dos magos do oriente, que chegaram ao palácio do rei Herodes e perguntaram onde estava o rei dos Judeus recém-nascido... para Herodes aquilo foi um choque, pois ele não tivera nenhum filho e ele ali era o 'rei'. De todo modo, reuniu os sacerdotes e adivinhos para saber do que se tratava, porque Herodes estava em terra estranha e aquilo podia ser um sinal de alguma insurreição popular, cultuando um descendente real da tradição daquele povo, e ele tinha toda razão. Logo logo os sacerdotes lembraram da profecia de Miquéias e então os magos foram orientados para irem até lá. Essa história dos magos é permeada de controvérsias, as quais não nos interessam aqui nesse contexto. Aqui destacamos apenas a intervenção de Javé na história humana, conduzindo os destinos do povo no rumo da salvação, conforme a aliança, fato que Santo Agostinho destacou muito bem na sua teologia da história.

Na segunda leitura, da carta aos Hebreus, o escritor sagrado faz referência ao nascimento de Cristo, dizendo que Javé não se satisfazia com os holocaustos e oferendas, sacrifícios do pecado, por isso mandou seu próprio Filho para tornar-se a oferenda definitiva, sacrificando-se de uma vez por todas e suprimindo todos os demais holocaustos. Ele veio para cumprir a promessa: “Eis que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade.' ” (Heb 10, 7) O “livro” onde isso está escrito não é outro senão “to biblos”, simplesmente “o livro” escrito pelos profetas. São vários os profetas, mas o livro é um só, porque todos os seus escritores colocaram ali um conteúdo que se integra e se correlaciona, daí que não interessam os nomes dos autores materiais, já que um só é o seu autor intelectual: Javé. Apenas para esclarecer aos colegas, esta carta era antigamente atribuída a Paulo e se dizia “carta de São Paulo aos Hebreus”, mas atualmente os biblistas chegaram à conclusão de que não foi Paulo o seu autor, e visto que não se sabe quem foi, diz-se apenas 'carta aos Hebreus”.

No evangelho de Lucas (Lc 1, 39-45), lemos o relato muito popular da visita de Maria a Isabel, um dos fatos bíblicos mais retratados pelos pintores e artistas em geral, ao longo da história. A narração de Lucas é bastante rica em detalhes, o que estimula a imaginação dos artistas dos mais variados modos. E Lucas foi aquele agente privilegiado, pela sua convivência com Maria após a morte de Cristo, tendo sido escolhido por Deus para recolher d'Ela os segredos mais reveladores da vinda de Cristo, que não teriam sido conhecidos pela humanidade se não fosse essa situação privilegiada de ser ele uma pessoa letrada e da total confiança de Maria. Imagino que Maria deve ter confidenciado esses fatos aos poucos, ao longo de muito tempo, porque tudo indica que Ela era uma pessoa super reservada e introvertida. Só a graça de Deus fez com que Lucas assumisse essa função de confidente e cuidador de Maria, para ilustração de todos nós.

Bem, diz Lucas que Maria foi apressadamente à região das montanhas, para visitar sua prima Isabel, que estava nos dias próximos do parto. Maria também estava grávida, embora de pouco tempo, mas uma viagem longa e com as condições de transporte daquela época não pode ter sido assim tão rápida. Penso que Lucas se refere 'apressadamente' para significar que Maria tinha receio de chegar lá já depois do nascimento do filho de Isabel, João Batista. Tem aquela tradição que diz que Isabel mandou acender uma grande fogueira em frente da sua casa lá no alto, para que Maria e os parentes, que moravam no vale fossem avisados, algo como os sinais de fumaça usados pelos indígenas de algumas nações. Evidentemente isso não tem embasamento documental, mas de qualquer modo, deu origem às fogueiras juninas, que ainda hoje costumamos fazer.

Ao se encontrarem, Isabel fez aquele célebre discurso teológico, que se tornou o tema da oração mais típicamente mariana: bendita es tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Com certeza, Lucas relata esses detalhes para destacar o reconhecimento da divindade de Cristo, mesmo antes do seu nascimento. Isabel, como as mulheres daquele tempo, não era uma pessoa letrada e devia frequentar a sinagoga como todos os judeus, mas devia ser uma dona de casa simples, como era também Maria. Por certo, o discurso teológico de Isabel foi recomposto por Lucas, a partir de sucintas narrações feitas por Maria, que na sua humildade e tendo sido ela e Isabel as únicas pessoas a testemunharem o evento, não iria fazer de si mesma um cântico de exaltação, mesmo colocando as palavras na boca de Isabel. Diz Lucas que Isabel ficou cheia do Espírito Santo ao proferir essas palavras, mas nós sabemos que esse texto foi escrito muito tempo depois da morte de Cristo e que a primeira manifestação do Espírito Santo foi no batismo de Cristo, quando ele já era adulto, nas águas do Jordão. Portanto, podemos concluir que foi, de fato, Lucas quem ficou cheio do Espírito Santo e se incorporou na figura de Isabel ao compor o quadro literário da visita das primas.

Meus amigos, são muitas as simbologias que acompanham a festa do Natal, desvirtuada pela cultura capitalista em direção ao ideal do consumo. No entanto, a liturgia procura nos concentrar nos verdadeiros acontecimentos que ilustram a história da nossa salvação. Já foi comentada a imposição de Constantino acerca da data de 25 de dezembro para a celebração do Natal, como forma de encobrir com o manto cristão a festa pagã do deus saturno (saturnalia), que acontecia nesta época da passagem do solstício de verão, entre os dias 17 e 23 de dezembro, festas acompanhadas de lautos banquetes e distribuição de presentes. Independentemente dessa origem, para nós cristãos, o que interessa é nos voltarmos para o nascimento de Cristo, que aconteceu uma vez para sempre na história, mas que se repete constantemente em nossos corações, quando renovamos nosso compromisso de viver segundo o evangelho.

Nesse espírito, quero renovar sinceros votos de Feliz Natal a todos.

domingo, 16 de dezembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DO ADVENTO – O QUE DEVEMOS FAZER – 16.12.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DO ADVENTO – O QUE DEVEMOS FAZER – 16.12.2012

Caros Confrades,

Neste 3º domingo do advento, a liturgia se reveste de festa, pela proximidade cada vez maior do Natal do Senhor. É o domingo 'laetare', ou seja, alegrar-se e as leituras reproduzem este lema. É um dos poucos domingos do ano em que as vestimentas litúrgicas tem o tom rosa, em vez do roxo, para demonstrar uma mudança da atitude espiritual de penitência para a demonstração de alegria. E canta-se no salmo a conhecida estrofe de Isaias 43, 5: ele está tão próximo que nos toma pela mão.

Na primeira leitura, do profeta Sofonias (3, 14-18), ele conclama o povo a se alegrar, porque o Senhor afastou os inimigos de Jerusalém. Este profeta viveu antes do cativeiro da Babilônia, quando o povo hebreu dividia suas preferências políticas entre o Egito e a Assíria, tendências que eram defendidas pelas autoridades da época, cada grupo entendendo que a aliança com um ou com outro seria a melhor. A tendência majoritária era para preferir a aliança com a Assíria. Sofonias profetizou na época do rei Josias, por volta do ano 630 a.C., que se aproveitou de um período de fraqueza do reino da Assíria para reforçar o nacionalismo dos hebreus. Não demorou muito para que a Assíria fosse dominada pelos babilônicos e, com isso, pela aliança que tinham com a Assíria, os hebreus terminaram sendo levados cativos por Nabucodonosor. Então, Sofonias se refere a esse interregno de autonomia que houve antes do domínio babilônico, conclamando o povo a alegrar-se, porque Javé é o valente guerreiro que salva seu povo. Foi uma alegria para o povo, embora se saiba que foi por pouco tempo.

Na segunda leitura, Paulo exorta a Filipenses que se alegrem sempre no Senhor, pois Ele está próximo. Naquele tempo, havia o entendimento de que a segunda vinda de Cristo era 'em breve', então muitas pessoas ficavam esperando isso a qualquer momento, sem entender o sentido próprio e escatológico dessa promessa. Na verdade, a catequese da época sugere que os próprios apóstolos achavam mesmo que Cristo retornaria enquanto eles ainda estivessem vivos, eles aguardavam isso a qualquer momento e repassavam isso para as comunidades. Algumas pessoas até deixavam de trabalhar, só esperando o retorno do Messias, o que foi criticado por Paulo na carta a Tessalonicenses (2 Ts 3, 10), pois Jesus não marcou o dia. Nesta carta de Filipenses, ele chama também os cristãos à alegria, porque o cristão não pode ser triste. Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens, adverte o apóstolo.

Agora, afastando-nos um pouco desse tema da alegria, gostaria de destacar o evangelho de Lucas (3, 10-18), que se refere novamente à figura de João Batista, pregando o batismo da conversão e batizando no Jordão. Diz Lucas que as pessoas convertidas procuravam João perguntando “o que devemos fazer” para viverem em coerência com a conversão. E João exortava a cada um, de acordo com a atividade social por ele exercida. Aos vendedores e compradores, ele dizia: quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo. Ou seja, saibam partilhar os bens com os mais pobres. Aos cobradores de impostos, esses que eram (já desde aquele tempo) mal vistos pelo povo por serem considerados perdulários, corruptos, pecadores públicos semelhantes às meretrizes, João dizia: não cobreis mais do que foi estabelecido, ou seja, pratiquem a sua atividade com justiça, não façam extorsão. Aos soldados, esses que eram também considerados pessoas não confiáveis e costumeiramente violentos e perversos, João dizia: não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações, ou seja, não exerçam o poder com abuso de autoridade. E mais: ficai satisfeitos com o vosso salário, ou seja, controlem a ambição de sempre querer mais.

Meus amigos, eu percebi uma ligação entre esse trecho do evangelho e uma mensagem divulgada na sala de debates recentemente pelo nosso colega Batista Rios, por meio de um arquivo que demonstrava o nascimento do Menino Deus nas vidas das pessoas, em circunstâncias bem específicas de cada um. João Batista está aqui fazendo algo semelhante, mostrando que, para cada um de nós, o Menino Deus tem um pedido especial e uma tarefa bem condizente com as atividades do nosso dia a dia. Se tivermos o cuidado de 'ouvir' a voz de Deus nas nossas consciências em cada decisão que tomamos na vida, poderemos perceber que, em cada situação, Ele nos pede e espera de nós uma atitude de compromisso com a solidariedade, com a justiça, com o exercício do domínio que cada um tem sobre determinadas tarefas sempre no sentido do melhor cumprimento das verdades que Ele ensinou. Essa leitura do evangelho de Lucas nos sugere que, antes de cada tarefa e diante de cada nova missão que assumimos, na vida pessoal ou profissional, façamos perante a nossa própria consciência aquela indagação: para podermos viver a cada dia a nossa constante conversão ao chamado de Cristo, o que devemos fazer? E fiquemos atentos para o que Deus falará ao nosso coração.

O caminho de preparação para a celebração do Natal coloca na nossa frente os desafios que devemos enfrentar para sermos dignos de vê-Lo nascer em nosso espírito, em nossas famílias, em nossa comunidade. Infelizmente, os apelos comerciais e as figuras associadas ao consumismo ocupam a maior parte das atenções das pessoas nesse período, que devia ser dedicado à reflexão e ao exame interior das nossas atitudes praticadas no ano que finda. Esse é o verdadeiro sentido do advento, da espera do que vai chegar.

Quando a liturgia coloca para nossa reflexão, no primeiro domingo do advento, o tema 'vigiai porque não sabeis o dia nem a hora', isso não é uma ameaça nem uma intimidação para nos amedrontar. Ao contrário. É um alerta para que não relaxemos nos nossos compromissos de cristãos e uma oportunidade para fazermos um balanço sobre as práticas realizadas no período que termina. Porque para o cristão que está sempre vigilante com a sua opção pelos ensinamentos de Cristo, a vinda do Senhor justo juiz não deve causar temor, mas alegria, como já diz o conhecido ditado popular “quem não deve, não teme”. Neste domingo, a liturgia nos remete à reflexão sobre o modo como realizamos, no dia a dia das nossas atividades, aquelas ações e práticas que devem espelhar o estilo de vida do verdadeiro cristão.

E João Batista termina seu discurso de exortação com uma mensagem forte: eu não sou digno de desamarrar os cadarços da Suas sandálias (Lc 3, 16) e Ele vos batizará no espírito santo e no fogo. E arrepia: Ele virá com uma peneira para limpar sua eira e separar o trigo do carrapicho. Chamou-me a atenção a tradução do texto da CNBB, ao dizer que “Ele virá com uma pá na mão”, então fui consultar os textos originais. No texto latino de São Jerônimo, a palavra é “ventilabrum” e no texto grego original a palavra é “ptyon”, verifiquei nos dicionários e nada tem a ver com o que nós chamamos de “pá”, aquele instrumento de cavar o solo ou de juntar o basculho. A tradução mais próxima do original seria “joeira”, palavra que não é comum na nossa cultura, então a mais parecida é a peneira. É aquilo que os produtores rurais fazem com o feijão, o milho, o arroz depois que eles põem pra secar, para separar os grãos quebrados dos inteiros, separar as palhas dos grãos. Quem colheu café em Guaramiranga se lembra do local onde se punham os grãos maduros para que secassem, espalhando todos os dias com aquele grande rodo de madeira. Depois que seca, a casca começa a largar. No nosso meio sertanejo, além da peneira, faz-se também “ventilar” o feijão, o milho, ou seja, passar pelo vento, pra separar os grãos das cascas, é outra técnica rudimentar que tem o mesmo objetivo.

Então, no caso do discurso de João Batista, Ele virá com uma peneira pra separar os grãos perfeitos das cascas, os grãos inteiros dos quebradiços. Os grãos selecionados serão recolhidos ao celeiro, enquanto as palhas serão lançadas ao fogo (Lc 3, 17). Neste caso, portanto, “o que devemos fazer” é tornar-nos grãos maduros e perfeitos, para sermos selecionados na hora do peneiramento.


domingo, 9 de dezembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DO ADVENTO – VEREDAS APLAINAI – 09.12.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DO ADVENTO – VEREDAS APLAINAI – 09.12.2012

Caros Confrades,

Estamos no segundo domingo do advento e a liturgia de hoje coloca como tema central a pregação de João no deserto: endireitai os caminhos, aplainai as veredas. Ele veio materializar a profecia de Isaías (40, 3): a voz que clama no deserto.

Na primeira leitura, temos o texto do profeta Baruc, falando sobre a alegria do retorno dos exilados a Jerusalém. Baruc foi um dos profetas da época do exílio. Ele era secretário do profeta Jeremias e encarregado de escrever o que o profeta dizia, para ser apresentado às autoridades. Como sabemos, naquela época eram poucas as pessoas ilustradas, que sabiam ler e escrever. Baruc era um destes poucos. Depois da morte de Jeremias, ele passou a escrever também as suas profecias, certamente aprendeu com o mestre a interpretar os fatos históricos, mostrando neles a presença de Javeh. Assim, ele diz que Jerusalém verá o retorno triunfante daqueles que foram levados cativos e humilhados algum tempo atrás. E o nome Jerusalém passará a significar “paz da justiça” e “glória da piedade”. A bem da verdade, é importante destacar que existem dúvidas entre os estudiosos sobre a autoria destes escritos, se teriam sido do próprio Baruc ou apenas atribuídos a ele. De todo modo, o contexto referido é o mesmo em que vivem o profeta Jeremias, no tempo do cativeiro babilônico.

A profecia de Baruc antecipou as palavras que seriam repetidas por João, no deserto, na sua pregação preparatória do Messias que estava para chegar: “Deus ordenou que se abaixassem todos os altos montes e as colinas eternas, e se enchessem os vales, para aplainar a terra, a fim de que Israel caminhe com segurança, sob a glória de Deus.” (Br 5, 7) Foi a mesma temática recolocada por João Batista, quando pregava: “'Esta é a voz daquele que grita no deserto: 'preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas.” (Lc 3, 4) Dentro do simbolismo que está presente na adequação entre o antigo e o novo testamentos, João explicava que os caminhos a serem preparados não eram as estradas de pedra da Palestina, mas as vias internas do coração de cada um. Aqueles que entendiam o verdadeiro sentido da pregação de João, se convertiam e dele recebiam o batismo, nas águas do Jordão.

O evangelista Lucas diz que João percorreu toda a região do Jordão, pregando o batismo da conversão, para o perdão dos pecados. Ao invocar as palavras proféticas dos antigos, ele transferia o significado literal dos textos para a vida cotidiana daquelas pessoas, e o mesmo se aplica a cada um de nós, hoje. O tempo do advento, em todos os anos, é um momento de renovação interior, de reviver a conversão pregada por João e de nos despertar para a promessa que Jesus fez, quando subiu ao céu, conforme a liturgia celebrou no último domingo do ano litúrgico (festa de Cristo Rei), quando trouxe para a nossa reflexão os textos que se referem à segunda vinda de Cristo. Visto que não sabemos o dia nem a hora, então, a cada ano, aproveitando o ciclo natural da contagem dos dias, a liturgia condensa dentro desse período todo o ciclo da história da nossa redenção, revivendo os grandes momentos deste sublime mistério. É a forma mais eficaz de unir a nossa vida religiosa com a nossa vida cotidiana, integrando essas duas realidades através da catequese litúrgica.

Na segunda leitura, temos um trecho da carta de Paulo aos Filipenses, carta que ele escreveu quando estava preso, provavelmente em Éfeso ou a caminho de Roma. A cidade de Filipos recebera este nome em homenagem a Filipe da Macedônia, seu conquistador, e era uma das comunidades mais queridas por Paulo. Lá ele encontrou muita receptividade, quando foi pregar o evangelho, e obteve muitas conversões. Foi a partir de Filipos que o cristianismo começou a se espalhar pela Europa, até porque nessa época Paulo já estava preso e ele não tinha mais condições de sair pregando, como fizera antes. Os filipenses foram os continuadores do seu apostolado.

Os filipenses também estimavam muito Paulo, por causa do intenso trabalho que ele realizara lá, de modo que quando chegou a Filipos a notícia da sua prisão, a população organizou uma coleta e a mandou para Paulo, pois sabiam que ele passava necessidades na prisão. Daí que Paulo retribui, na carta, toda a amizade e afeição que os filipenses lhe dedicavam. E principalmente por saber que os filipenses se tornaram ardorosos divulgadores do cristianismo, então isso deixava Paulo ainda mais entusiasmado com os resultados do seu trabalho naquela comunidade.

Essa amizade especial de Paulo aos Filipenses está expressa logo no início da carta (1, 6), quando ele diz: “Tenho a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra, há de levá-la à perfeição até ao dia de Cristo Jesus. Deus é testemunha de que tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus.” De acordo com os estudiosos, esta carta teria sido escrita em Roma, pouco tempo antes da morte de Paulo, o que explica a forma carinhosa e agradecida com que ele se dirige aos seus discípulos filipenses.

Se observarmos bem, a exortação de Paulo guarda relação com a exortação de João Batista, acerca da preparação dos caminhos, da seguinte forma. João se refere às ações iniciais da conversão, enquanto Paulo se refere à continuidade desta. A conversão do coração não é algo que acontece apenas uma vez na vida, não é um fenômeno único, mas permanente, renova-se a cada dia. Quando Paulo diz que aquele que começou em vós uma boa obra (a conversão), há de levá-la à perfeição, quer dizer, há de sustentá-los na fé perseverantes até o final. Por isso, ele continua na exortação: “que o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e experiência, para discernirdes o que é o melhor.” É isso o que chamamos de conversão contínua e que representa o crescimento espiritual, tanto no conhecimento quanto no discernimento. O conhecimento é algo que se adquire com o estudo, mas o discernimento se adquire com a experiência e com a maturidade, com aquela sabedoria que decorre da nossa própria vida cotidiana, conscientemente orientada no seguimento da doutrina cristã.

É pelo discernimento que devemos estar sempre atentos aos fenômenos sociais, que mudam em cada época, ou como dizia o papa João XXIII, atentos aos sinais dos tempos, para não ficarmos estagnados e presos ao passado. A mesma exortação de Paulo aos Filipenses se aplica a todos nós. Pode até ser o tema da nossa oração desta semana: que Deus nos inspire para que o nosso amor cresça sempre mais, pelo conhecimento e pela experiência, para sabermos sempre discernir o que é melhor.


domingo, 2 de dezembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 1º DOMINGO DO ADVENTO – NOVA JERUSALÉM – 02.12.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 1º DOMINGO DO ADVENTO – NOVA JERUSALÉM – 02.12.2012

Caros Confrades,

Com a liturgia de hoje, 1º domingo do advento, tem início o ano litúrgico de 2013, de acordo com o calendário eclesiástico. Assim, conforme disse o Padre Júlio Cesar na missa paroquial, é o momento de desejarmos Feliz Ano Novo litúrgico a todos.

Todos os anos, nas quatro semanas que antecedem o Natal, a liturgia nos leva a refletir sobre as coisas que hão de vir (adventura), bem como sobre o Menino que vai chegar (adveniens), convidando-nos a nos preparar para O recebermos com o coração renovado. Sem entrar numa infindável e estéril discussão histórica sobre a data do Natal (segundo alguns, o nascimento de Cristo teria sido em março ou abril), independentemente do contexto paganizado com que foi estabelecido o dia 25 de dezembro para a celebração do nascimento de Cristo, o fato é que a comemoração deve ser a marca da nossa preparação espiritual, mais do que a referência a um dia específico. Ademais, o Natal nesta data é uma festa que reúne todo o mundo ocidental, esta grande concentração de energias mentais positivas é sempre um momento a ser preservado.

As leituras deste domingo fazem referência à segunda vinda de Cristo. A primeira já aconteceu historicamente; a segunda vinda é esperada desde que ele subiu aos céus na presença dos seus apóstolos e, ao longo dos tempos, passou por diversos quadros interpretativos. Depois de passados tantos séculos, já não se pensa mais numa data determinada no calendário, mas num dia incerto e indefinido, como está escrito no evangelho (Lc 21, 35). Dies illa, dies irae... dizia aquele antigo e temível cântico gregoriano, do qual muitos de vocês certamente se lembram, cantado diante da eça nas missas de finados. É curioso observar que, em latim, a palavra dia (dies) é utilizada no masculino e no feminino. Quando usada no masculino, refere-se a um dia certo; quando usada no feminino, refere-se a uma data incerta, como é o caso do 'dies illa'.

Na primeira leitura, o profeta Jeremias diz que “naqueles dias, farei brotar a semente da justiça que fará valer a lei... e Jerusalém terá uma população confiante... e será designada como 'o Senhor é a nossa justiça'”. (Jr 33, 15).
É a nova Jerusalém, aquela que um dia há de ser destruída e depois será restaurada com o nome de Justiça. Isso ocorrerá 'naqueles dias' que não se sabe quando serão. Na verdade, simbolicamente o profeta está se reportando à segunda vinda de Cristo, que virá restabelecer a justiça na terra, esta representada pela imagem da Jerusalém-justiça.

No advento, a cada ano, nós reiniciamos a nossa preparação para esta futura vinda de Cristo, no final dos tempos bíblicos, através dos atos litúrgicos que nos rememoram a vida histórica de Cristo, para que estejamos sempre vigilantes, como Ele próprio ensinou. Na segunda leitura, carta de Paulo aos cristãos Tessalonicenses (1Ts 4,1), o apóstolo os exorta a viverem como foi ensinado a eles, para agradar a Deus, seguindo as instruções que lhes foram passadas em nome do Senhor Jesus. É essa a mesma exortação que a Igreja, através da liturgia, nos dirige no tempo do advento.

O evangelho de Lucas (Lc 21, 25-36) traz a narrativa daqueles fatos que são indicativos da segunda vinda de Cristo: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas.” Conforme já expus aqui neste espaço em comentários anteriores, essa descrição não deve ser pensada textualmente, mas no sentido metafórico. Em diversas épocas históricas, as pessoas já utilizaram essas palavras proféticas para associar com eventos naturais ou provocados pelo homem: catástrofes, guerras, revoluções... e ainda hoje muitas pessoas ficam impressionadas com os presságios de alguns que se dizem entendidos no assunto. Neste momento, as atenções estão voltadas para um presumível 'fim do mundo' no dia 21.12.2012, de acordo com as leituras de um antigo texto da civilização Maia. Outros já interpretam o mesmo texto como sendo uma mudança de era, um fenômeno cósmico que ocorre dentro de uma média de 3.600 anos. Há poucos dias, eu li uma matéria divulgada pelo site da NASA tentando acalmar as pessoas que escreveram para lá pedindo informações sobre esse cataclismo, algumas pessoas até afirmando que estão planejando suicidar-se antes do fato, para não passar por ele.

Ora, vejamos. Textualmente, no evangelho de Lucas (Lc 21, 26), até parece que estas coisas estão descritas: “Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao mundo, porque as forças do céu serão abaladas.” Mas Jesus disse diversas vezes que somente o Pai sabe esse dia, nem Ele sabia, como é que uns pobres mortais poderão adivinhá-lo? Para nós, o que importa é a fé na salvação que Cristo trouxe, aconteça o que acontecer. O que Ele recomenda, e isso sim deve ser sempre lembrado é: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra.” (Lc 21, 34-35). Percebem, meus amigos, qual é a grande preocupação de Cristo conosco? É para que não nos deixemos dispersar pelos prazeres materiais e pelas preocupações da vida, para que a nossa fé esteja sempre atenta. E o que ele pede é simples: ficai atentos e orai a todo momento, para terdes força pra ficar de pé diante do Filho do Homem.

Meus amigos, o nosso conhecido e reverenciado Frei (Dom) Timóteo dizia uma frase que sempre me impressionou: há mais tempo do que vida. A nossa vida, de fato, é limitada no tempo, mas o tempo, esse não tem um limite previsível. Então, o ensinamento de Cristo para que fiquemos vigilantes sempre não se refere a um tempo abstrato e indefinido, mas ao nosso tempo existencial. A nossa fé n'Ele deve ser renovada a cada dia, para que não sejamos surpreendidos, não pelo fim do mundo, porque deste nós não sabemos nada, mas pelo fim dos nossos dias, porque estes têm um prazo até certo ponto previsível. Desde os tempos mais antigos, o salmista já dizia: a 70 anos vai a duração da nossa vida, a maior parte deles sofrimento e vaidade (Salmo 90, 10). Pela tabela mais recente do IBGE, a expectativa de vida do brasileiro é em média 74 anos.

Desse modo, quando o advento nos convida a estar vigilantes porque não sabemos o dia nem a hora, a nossa atenção não deve se voltar para “o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória.” (Lc 21, 27), mas para o dia em que cada um de nós deveremos ficar em pé diante d'Ele, quando formos prestar conta da nossa existência.

Aproveitemos o tempo do advento para renovar cada vez mais a nossa fé na sua divina promessa.