COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 2º DOMINGO DO ADVENTO – VEREDAS APLAINAI – 09.12.2012
Caros Confrades,
Estamos no segundo
domingo do advento e a liturgia de hoje coloca como tema central a
pregação de João no deserto: endireitai os caminhos, aplainai as
veredas. Ele veio materializar a profecia de Isaías (40, 3): a voz
que clama no deserto.
Na primeira leitura,
temos o texto do profeta Baruc, falando sobre a alegria do retorno
dos exilados a Jerusalém. Baruc foi um dos profetas da época do
exílio. Ele era secretário do profeta Jeremias e encarregado de
escrever o que o profeta dizia, para ser apresentado às autoridades.
Como sabemos, naquela época eram poucas as pessoas ilustradas, que
sabiam ler e escrever. Baruc era um destes poucos. Depois da morte de
Jeremias, ele passou a escrever também as suas profecias, certamente
aprendeu com o mestre a interpretar os fatos históricos, mostrando
neles a presença de Javeh. Assim, ele diz que Jerusalém verá o
retorno triunfante daqueles que foram levados cativos e humilhados
algum tempo atrás. E o nome Jerusalém passará a significar “paz
da justiça” e “glória da piedade”. A bem da verdade, é
importante destacar que existem dúvidas entre os estudiosos sobre a
autoria destes escritos, se teriam sido do próprio Baruc ou apenas
atribuídos a ele. De todo modo, o contexto referido é o mesmo em
que vivem o profeta Jeremias, no tempo do cativeiro babilônico.
A profecia de Baruc
antecipou as palavras que seriam repetidas por João, no deserto, na
sua pregação preparatória do Messias que estava para chegar: “Deus
ordenou que se abaixassem todos os altos montes e as colinas eternas,
e se enchessem os vales, para aplainar a terra, a fim de que Israel
caminhe com segurança, sob a glória de Deus.”
(Br 5, 7) Foi a mesma temática recolocada por João Batista, quando
pregava: “'Esta
é a voz daquele que grita no deserto: 'preparai o caminho do Senhor,
endireitai suas veredas.”
(Lc 3, 4) Dentro do simbolismo que está presente na adequação
entre o antigo e o novo testamentos, João explicava que os caminhos
a serem preparados não eram as estradas de pedra da Palestina, mas
as vias internas do coração de cada um. Aqueles que entendiam o
verdadeiro sentido da pregação de João, se convertiam e dele
recebiam o batismo, nas águas do Jordão.
O evangelista Lucas diz
que João percorreu toda a região do Jordão, pregando o batismo da
conversão, para o perdão dos pecados. Ao invocar as palavras
proféticas dos antigos, ele transferia o significado literal dos
textos para a vida cotidiana daquelas pessoas, e o mesmo se aplica a
cada um de nós, hoje. O tempo do advento, em todos os anos, é um
momento de renovação interior, de reviver a conversão pregada por
João e de nos despertar para a promessa que Jesus fez, quando subiu
ao céu, conforme a liturgia celebrou no último domingo do ano
litúrgico (festa de Cristo Rei), quando trouxe para a nossa reflexão
os textos que se referem à segunda vinda de Cristo. Visto que não
sabemos o dia nem a hora, então, a cada ano, aproveitando o ciclo
natural da contagem dos dias, a liturgia condensa dentro desse
período todo o ciclo da história da nossa redenção, revivendo os
grandes momentos deste sublime mistério. É a forma mais eficaz de
unir a nossa vida religiosa com a nossa vida cotidiana, integrando
essas duas realidades através da catequese litúrgica.
Na segunda leitura,
temos um trecho da carta de Paulo aos Filipenses, carta que ele
escreveu quando estava preso, provavelmente em Éfeso ou a caminho de
Roma. A cidade de Filipos recebera este nome em homenagem a Filipe da
Macedônia, seu conquistador, e era uma das comunidades mais queridas
por Paulo. Lá ele encontrou muita receptividade, quando foi pregar o
evangelho, e obteve muitas conversões. Foi a partir de Filipos que o
cristianismo começou a se espalhar pela Europa, até porque nessa
época Paulo já estava preso e ele não tinha mais condições de
sair pregando, como fizera antes. Os filipenses foram os
continuadores do seu apostolado.
Os filipenses também
estimavam muito Paulo, por causa do intenso trabalho que ele
realizara lá, de modo que quando chegou a Filipos a notícia da sua
prisão, a população organizou uma coleta e a mandou para Paulo,
pois sabiam que ele passava necessidades na prisão. Daí que Paulo
retribui, na carta, toda a amizade e afeição que os filipenses lhe
dedicavam. E principalmente por saber que os filipenses se tornaram
ardorosos divulgadores do cristianismo, então isso deixava Paulo
ainda mais entusiasmado com os resultados do seu trabalho naquela
comunidade.
Essa amizade especial
de Paulo aos Filipenses está expressa logo no início da carta (1,
6), quando ele diz: “Tenho
a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra, há de
levá-la à perfeição até ao dia de Cristo Jesus. Deus é
testemunha de que tenho saudade de todos vós, com a ternura de
Cristo Jesus.” De acordo
com os estudiosos, esta carta teria sido escrita em Roma, pouco tempo
antes da morte de Paulo, o que explica a forma carinhosa e agradecida
com que ele se dirige aos seus discípulos filipenses.
Se observarmos bem, a
exortação de Paulo guarda relação com a exortação de João
Batista, acerca da preparação dos caminhos, da seguinte forma. João
se refere às ações iniciais da conversão, enquanto Paulo se
refere à continuidade desta. A conversão do coração não é algo
que acontece apenas uma vez na vida, não é um fenômeno único, mas
permanente, renova-se a cada dia. Quando Paulo diz que aquele que
começou em vós uma boa obra (a conversão), há de levá-la à
perfeição, quer dizer, há de sustentá-los na fé perseverantes
até o final. Por isso, ele continua na exortação: “que
o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e
experiência, para discernirdes o que é o melhor.”
É isso o que chamamos de conversão contínua e que representa o
crescimento espiritual, tanto no conhecimento quanto no
discernimento. O conhecimento é algo que se adquire com o estudo,
mas o discernimento se adquire com a experiência e com a maturidade,
com aquela sabedoria que decorre da nossa própria vida cotidiana,
conscientemente orientada no seguimento da doutrina cristã.
É pelo discernimento
que devemos estar sempre atentos aos fenômenos sociais, que mudam em
cada época, ou como dizia o papa João XXIII, atentos aos sinais dos
tempos, para não ficarmos estagnados e presos ao passado. A mesma
exortação de Paulo aos Filipenses se aplica a todos nós. Pode até
ser o tema da nossa oração desta semana: que Deus nos inspire para
que o nosso amor cresça sempre mais, pelo conhecimento e pela
experiência, para sabermos sempre discernir o que é melhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário