COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 3º DOMINGO DO ADVENTO – O QUE DEVEMOS FAZER – 16.12.2012
Caros Confrades,
Neste 3º domingo do
advento, a liturgia se reveste de festa, pela proximidade cada vez
maior do Natal do Senhor. É o domingo 'laetare', ou seja, alegrar-se
e as leituras reproduzem este lema. É um dos poucos domingos do ano
em que as vestimentas litúrgicas tem o tom rosa, em vez do roxo,
para demonstrar uma mudança da atitude espiritual de penitência
para a demonstração de alegria. E canta-se no salmo a conhecida
estrofe de Isaias 43, 5: ele está tão próximo que nos toma pela
mão.
Na primeira leitura, do
profeta Sofonias (3, 14-18), ele conclama o povo a se alegrar, porque
o Senhor afastou os inimigos de Jerusalém. Este profeta viveu antes
do cativeiro da Babilônia, quando o povo hebreu dividia suas
preferências políticas entre o Egito e a Assíria, tendências que
eram defendidas pelas autoridades da época, cada grupo entendendo
que a aliança com um ou com outro seria a melhor. A tendência
majoritária era para preferir a aliança com a Assíria. Sofonias
profetizou na época do rei Josias, por volta do ano 630 a.C., que se
aproveitou de um período de fraqueza do reino da Assíria para
reforçar o nacionalismo dos hebreus. Não demorou muito para que a
Assíria fosse dominada pelos babilônicos e, com isso, pela aliança
que tinham com a Assíria, os hebreus terminaram sendo levados
cativos por Nabucodonosor. Então, Sofonias se refere a esse
interregno de autonomia que houve antes do domínio babilônico,
conclamando o povo a alegrar-se, porque Javé é o valente guerreiro
que salva seu povo. Foi uma alegria para o povo, embora se saiba que
foi por pouco tempo.
Na segunda leitura,
Paulo exorta a Filipenses que se alegrem sempre no Senhor, pois Ele
está próximo. Naquele tempo, havia o entendimento de que a segunda
vinda de Cristo era 'em breve', então muitas pessoas ficavam
esperando isso a qualquer momento, sem entender o sentido próprio e
escatológico dessa promessa. Na verdade, a catequese da época
sugere que os próprios apóstolos achavam mesmo que Cristo
retornaria enquanto eles ainda estivessem vivos, eles aguardavam isso
a qualquer momento e repassavam isso para as comunidades. Algumas
pessoas até deixavam de trabalhar, só esperando o retorno do
Messias, o que foi criticado por Paulo na carta a Tessalonicenses (2
Ts 3, 10), pois Jesus não marcou o dia. Nesta carta de Filipenses,
ele chama também os cristãos à alegria, porque o cristão não
pode ser triste. Que a vossa bondade seja conhecida de todos os
homens, adverte o apóstolo.
Agora, afastando-nos um
pouco desse tema da alegria, gostaria de destacar o evangelho de
Lucas (3, 10-18), que se refere novamente à figura de João Batista,
pregando o batismo da conversão e batizando no Jordão. Diz Lucas
que as pessoas convertidas procuravam João perguntando “o que
devemos fazer” para viverem em coerência com a conversão. E João
exortava a cada um, de acordo com a atividade social por ele
exercida. Aos vendedores e compradores, ele dizia: quem tiver duas
túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o
mesmo. Ou seja, saibam partilhar os bens com os mais pobres. Aos
cobradores de impostos, esses que eram (já desde aquele tempo) mal
vistos pelo povo por serem considerados perdulários, corruptos,
pecadores públicos semelhantes às meretrizes, João dizia: não
cobreis mais do que foi estabelecido, ou seja, pratiquem a sua
atividade com justiça, não façam extorsão. Aos soldados, esses
que eram também considerados pessoas não confiáveis e
costumeiramente violentos e perversos, João dizia: não tomeis à
força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações, ou seja,
não exerçam o poder com abuso de autoridade. E mais: ficai
satisfeitos com o vosso salário, ou seja, controlem a ambição de
sempre querer mais.
Meus amigos, eu percebi
uma ligação entre esse trecho do evangelho e uma mensagem divulgada
na sala de debates recentemente pelo nosso colega Batista Rios, por
meio de um arquivo que demonstrava o nascimento do Menino Deus nas
vidas das pessoas, em circunstâncias bem específicas de cada um.
João Batista está aqui fazendo algo semelhante, mostrando que, para
cada um de nós, o Menino Deus tem um pedido especial e uma tarefa
bem condizente com as atividades do nosso dia a dia. Se tivermos o
cuidado de 'ouvir' a voz de Deus nas nossas consciências em cada
decisão que tomamos na vida, poderemos perceber que, em cada
situação, Ele nos pede e espera de nós uma atitude de compromisso
com a solidariedade, com a justiça, com o exercício do domínio que
cada um tem sobre determinadas tarefas sempre no sentido do melhor
cumprimento das verdades que Ele ensinou. Essa leitura do evangelho
de Lucas nos sugere que, antes de cada tarefa e diante de cada nova
missão que assumimos, na vida pessoal ou profissional, façamos
perante a nossa própria consciência aquela indagação: para
podermos viver a cada dia a nossa constante conversão ao chamado de
Cristo, o que devemos fazer? E fiquemos atentos para o que Deus
falará ao nosso coração.
O caminho de preparação
para a celebração do Natal coloca na nossa frente os desafios que
devemos enfrentar para sermos dignos de vê-Lo nascer em nosso
espírito, em nossas famílias, em nossa comunidade. Infelizmente, os
apelos comerciais e as figuras associadas ao consumismo ocupam a
maior parte das atenções das pessoas nesse período, que devia ser
dedicado à reflexão e ao exame interior das nossas atitudes
praticadas no ano que finda. Esse é o verdadeiro sentido do advento,
da espera do que vai chegar.
Quando a liturgia
coloca para nossa reflexão, no primeiro domingo do advento, o tema
'vigiai porque não sabeis o dia nem a hora', isso não é uma ameaça
nem uma intimidação para nos amedrontar. Ao contrário. É um
alerta para que não relaxemos nos nossos compromissos de cristãos e
uma oportunidade para fazermos um balanço sobre as práticas
realizadas no período que termina. Porque para o cristão que está
sempre vigilante com a sua opção pelos ensinamentos de Cristo, a
vinda do Senhor justo juiz não deve causar temor, mas alegria, como
já diz o conhecido ditado popular “quem não deve, não teme”.
Neste domingo, a liturgia nos remete à reflexão sobre o modo como
realizamos, no dia a dia das nossas atividades, aquelas ações e
práticas que devem espelhar o estilo de vida do verdadeiro cristão.
E João Batista termina
seu discurso de exortação com uma mensagem forte: eu não sou digno
de desamarrar os cadarços da Suas sandálias (Lc 3, 16) e Ele vos
batizará no espírito santo e no fogo. E arrepia: Ele virá com uma
peneira para limpar sua eira e separar o trigo do carrapicho.
Chamou-me a atenção a tradução do texto da CNBB, ao dizer que
“Ele virá com uma pá na mão”, então fui consultar os
textos originais. No texto latino de São Jerônimo, a palavra é
“ventilabrum” e no texto grego original a palavra é “ptyon”,
verifiquei nos dicionários e nada tem a ver com o que nós chamamos
de “pá”, aquele instrumento de cavar o solo ou de juntar o
basculho. A tradução mais próxima do original seria “joeira”,
palavra que não é comum na nossa cultura, então a mais parecida é
a peneira. É aquilo que os produtores rurais fazem com o feijão, o
milho, o arroz depois que eles põem pra secar, para separar os grãos
quebrados dos inteiros, separar as palhas dos grãos. Quem colheu
café em Guaramiranga se lembra do local onde se punham os grãos
maduros para que secassem, espalhando todos os dias com aquele grande
rodo de madeira. Depois que seca, a casca começa a largar. No nosso
meio sertanejo, além da peneira, faz-se também “ventilar” o
feijão, o milho, ou seja, passar pelo vento, pra separar os grãos
das cascas, é outra técnica rudimentar que tem o mesmo objetivo.
Então, no caso do
discurso de João Batista, Ele virá com uma peneira pra separar os
grãos perfeitos das cascas, os grãos inteiros dos quebradiços. Os
grãos selecionados serão recolhidos ao celeiro, enquanto as palhas
serão lançadas ao fogo (Lc 3, 17). Neste caso, portanto, “o que
devemos fazer” é tornar-nos grãos maduros e perfeitos, para
sermos selecionados na hora do peneiramento.
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