COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 4º DOMINGO DO ADVENTO – PREVISTO E ESPERADO – 23.12.2012
Caros Confrades,
Neste quarto domingo do
Advento, a liturgia comemora a visita de Maria à sua prima Isabel,
que foi um momento marcante na economia da nossa salvação, como
dizem os teólogos.
Antes de abordar o tema
mariano, eu gostaria de ressaltar aqui a espetacular previsão do
profeta Miquéias, com um grau de acerto de cem por cento, sobre o
local onde nasceria o Messias: Belém de Judá. Miquéias era natural
também do reino de Judá, mas de outra cidade, Mirasti, não tão
distante de Belém e era contemporâneo do profeta Isaías, tendo
vivido por volta de 700 anos antes de Cristo. Ele é um dos chamados
'profetas menores', porque o seu livro tem apenas sete capítulos,
por isso nos cursos de teologia, o seu estudo é feito apenas
superficialmente, dedicando-se mais tempo aos 'profetas maiores'.
Contudo, foi Miquéias o único dos profetas a afirmar que Belém
seria o berço terreno do Messias.
Há fatos notórios e
intrigantes contidos nos diversos livros da Bíblia, escritos por
pessoas diferentes e que se encaixam com grande precisão,
demonstrando bem o dedo de Javé conduzindo as ações humanas para a
realização de suas promessas a Abraão. Consideremos que cerca de
700 anos antes, Miquéias profetizou a chegada do Messias em Belém.
No entanto, José e Maria moravam em Nazaré, onde casaram e ela
estava grávida. Entra então o dedo de Javé através do governador
da Síria, Quirino (Lc 2,2), determinando mais um recenseamento. Sim,
mais um recenseamento, porque era comum naquela época, quando um
novo território era conquistado, o conquistador convocava todos os
habitantes para fazer a 'contabilidade pública', saber quantos eram,
quantos bens possuíam, quanto de impostos poderiam pagar, onde
estavam residindo... Assim aconteceu quando o rei Arquelau, da Síria,
foi vencido pelos romanos e Quirino era o magistrado supremo na
região da Ásia, tendo ordenado o recenseamento, o qual, conforme
estudos históricos, se deu entre os anos 8 e 6 a. C. Os
historiadores até comentam que há uma imprecisão na referência do
evangelista Lucas, porque quem executou este recenseamento teria sido
Herodes, o governador local, mas Lucas se refere a Quirino, porque
era a autoridade romana máxima da região. Bem, esses detalhes são
apenas para esclarecer, porque o que interessa é a intervenção de
Javé na história dos homens, para possibilitar o cumprimento da
profecia de Miquéias.
A esse fato, associa-se
a visita dos magos do oriente, que chegaram ao palácio do rei
Herodes e perguntaram onde estava o rei dos Judeus recém-nascido...
para Herodes aquilo foi um choque, pois ele não tivera nenhum filho
e ele ali era o 'rei'. De todo modo, reuniu os sacerdotes e adivinhos
para saber do que se tratava, porque Herodes estava em terra estranha
e aquilo podia ser um sinal de alguma insurreição popular,
cultuando um descendente real da tradição daquele povo, e ele tinha
toda razão. Logo logo os sacerdotes lembraram da profecia de
Miquéias e então os magos foram orientados para irem até lá. Essa
história dos magos é permeada de controvérsias, as quais não nos
interessam aqui nesse contexto. Aqui destacamos apenas a intervenção
de Javé na história humana, conduzindo os destinos do povo no rumo
da salvação, conforme a aliança, fato que Santo Agostinho destacou
muito bem na sua teologia da história.
Na segunda leitura, da
carta aos Hebreus, o escritor sagrado faz referência ao nascimento
de Cristo, dizendo que Javé não se satisfazia com os holocaustos e
oferendas, sacrifícios do pecado, por isso mandou seu próprio Filho
para tornar-se a oferenda definitiva, sacrificando-se de uma vez por
todas e suprimindo todos os demais holocaustos. Ele veio para
cumprir a promessa: “Eis
que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus,
para fazer a tua vontade.' ”
(Heb 10, 7) O “livro” onde isso está escrito não é outro senão
“to biblos”, simplesmente “o livro” escrito pelos profetas.
São vários os profetas, mas o livro é um só, porque todos os seus
escritores colocaram ali um conteúdo que se integra e se
correlaciona, daí que não interessam os nomes dos autores
materiais, já que um só é o seu autor intelectual: Javé. Apenas
para esclarecer aos colegas, esta carta era antigamente atribuída a
Paulo e se dizia “carta de São Paulo aos Hebreus”, mas
atualmente os biblistas chegaram à conclusão de que não foi Paulo
o seu autor, e visto que não se sabe quem foi, diz-se apenas 'carta
aos Hebreus”.
No evangelho de Lucas
(Lc 1, 39-45), lemos o relato muito popular da visita de Maria a
Isabel, um dos fatos bíblicos mais retratados pelos pintores e
artistas em geral, ao longo da história. A narração de Lucas é
bastante rica em detalhes, o que estimula a imaginação dos artistas
dos mais variados modos. E Lucas foi aquele agente privilegiado, pela
sua convivência com Maria após a morte de Cristo, tendo sido
escolhido por Deus para recolher d'Ela os segredos mais reveladores
da vinda de Cristo, que não teriam sido conhecidos pela humanidade
se não fosse essa situação privilegiada de ser ele uma pessoa
letrada e da total confiança de Maria. Imagino que Maria deve ter
confidenciado esses fatos aos poucos, ao longo de muito tempo, porque
tudo indica que Ela era uma pessoa super reservada e introvertida. Só
a graça de Deus fez com que Lucas assumisse essa função de
confidente e cuidador de Maria, para ilustração de todos nós.
Bem, diz Lucas que
Maria foi apressadamente à região das montanhas, para visitar sua
prima Isabel, que estava nos dias próximos do parto. Maria também
estava grávida, embora de pouco tempo, mas uma viagem longa e com as
condições de transporte daquela época não pode ter sido assim tão
rápida. Penso que Lucas se refere 'apressadamente' para significar
que Maria tinha receio de chegar lá já depois do nascimento do
filho de Isabel, João Batista. Tem aquela tradição que diz que
Isabel mandou acender uma grande fogueira em frente da sua casa lá
no alto, para que Maria e os parentes, que moravam no vale fossem
avisados, algo como os sinais de fumaça usados pelos indígenas de
algumas nações. Evidentemente isso não tem embasamento documental,
mas de qualquer modo, deu origem às fogueiras juninas, que ainda
hoje costumamos fazer.
Ao se encontrarem,
Isabel fez aquele célebre discurso teológico, que se tornou o tema
da oração mais típicamente mariana: bendita es tu entre as
mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Com certeza, Lucas
relata esses detalhes para destacar o reconhecimento da divindade de
Cristo, mesmo antes do seu nascimento. Isabel, como as mulheres
daquele tempo, não era uma pessoa letrada e devia frequentar a
sinagoga como todos os judeus, mas devia ser uma dona de casa
simples, como era também Maria. Por certo, o discurso teológico de
Isabel foi recomposto por Lucas, a partir de sucintas narrações
feitas por Maria, que na sua humildade e tendo sido ela e Isabel as
únicas pessoas a testemunharem o evento, não iria fazer de si mesma
um cântico de exaltação, mesmo colocando as palavras na boca de
Isabel. Diz Lucas que Isabel ficou cheia do Espírito Santo ao
proferir essas palavras, mas nós sabemos que esse texto foi escrito
muito tempo depois da morte de Cristo e que a primeira manifestação
do Espírito Santo foi no batismo de Cristo, quando ele já era
adulto, nas águas do Jordão. Portanto, podemos concluir que foi, de
fato, Lucas quem ficou cheio do Espírito Santo e se incorporou na
figura de Isabel ao compor o quadro literário da visita das primas.
Meus amigos, são
muitas as simbologias que acompanham a festa do Natal, desvirtuada
pela cultura capitalista em direção ao ideal do consumo. No
entanto, a liturgia procura nos concentrar nos verdadeiros
acontecimentos que ilustram a história da nossa salvação. Já foi
comentada a imposição de Constantino acerca da data de 25 de
dezembro para a celebração do Natal, como forma de encobrir com o
manto cristão a festa pagã do deus saturno (saturnalia), que
acontecia nesta época da passagem do solstício de verão, entre os
dias 17 e 23 de dezembro, festas acompanhadas de lautos banquetes e
distribuição de presentes. Independentemente dessa origem, para nós
cristãos, o que interessa é nos voltarmos para o nascimento de
Cristo, que aconteceu uma vez para sempre na história, mas que se
repete constantemente em nossos corações, quando renovamos nosso
compromisso de viver segundo o evangelho.
Nesse espírito, quero
renovar sinceros votos de Feliz Natal a todos.
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