segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DO ADVENTO – PREVISTO E ESPERADO – 23.12.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DO ADVENTO – PREVISTO E ESPERADO – 23.12.2012

Caros Confrades,

Neste quarto domingo do Advento, a liturgia comemora a visita de Maria à sua prima Isabel, que foi um momento marcante na economia da nossa salvação, como dizem os teólogos.

Antes de abordar o tema mariano, eu gostaria de ressaltar aqui a espetacular previsão do profeta Miquéias, com um grau de acerto de cem por cento, sobre o local onde nasceria o Messias: Belém de Judá. Miquéias era natural também do reino de Judá, mas de outra cidade, Mirasti, não tão distante de Belém e era contemporâneo do profeta Isaías, tendo vivido por volta de 700 anos antes de Cristo. Ele é um dos chamados 'profetas menores', porque o seu livro tem apenas sete capítulos, por isso nos cursos de teologia, o seu estudo é feito apenas superficialmente, dedicando-se mais tempo aos 'profetas maiores'. Contudo, foi Miquéias o único dos profetas a afirmar que Belém seria o berço terreno do Messias.

Há fatos notórios e intrigantes contidos nos diversos livros da Bíblia, escritos por pessoas diferentes e que se encaixam com grande precisão, demonstrando bem o dedo de Javé conduzindo as ações humanas para a realização de suas promessas a Abraão. Consideremos que cerca de 700 anos antes, Miquéias profetizou a chegada do Messias em Belém. No entanto, José e Maria moravam em Nazaré, onde casaram e ela estava grávida. Entra então o dedo de Javé através do governador da Síria, Quirino (Lc 2,2), determinando mais um recenseamento. Sim, mais um recenseamento, porque era comum naquela época, quando um novo território era conquistado, o conquistador convocava todos os habitantes para fazer a 'contabilidade pública', saber quantos eram, quantos bens possuíam, quanto de impostos poderiam pagar, onde estavam residindo... Assim aconteceu quando o rei Arquelau, da Síria, foi vencido pelos romanos e Quirino era o magistrado supremo na região da Ásia, tendo ordenado o recenseamento, o qual, conforme estudos históricos, se deu entre os anos 8 e 6 a. C. Os historiadores até comentam que há uma imprecisão na referência do evangelista Lucas, porque quem executou este recenseamento teria sido Herodes, o governador local, mas Lucas se refere a Quirino, porque era a autoridade romana máxima da região. Bem, esses detalhes são apenas para esclarecer, porque o que interessa é a intervenção de Javé na história dos homens, para possibilitar o cumprimento da profecia de Miquéias.

A esse fato, associa-se a visita dos magos do oriente, que chegaram ao palácio do rei Herodes e perguntaram onde estava o rei dos Judeus recém-nascido... para Herodes aquilo foi um choque, pois ele não tivera nenhum filho e ele ali era o 'rei'. De todo modo, reuniu os sacerdotes e adivinhos para saber do que se tratava, porque Herodes estava em terra estranha e aquilo podia ser um sinal de alguma insurreição popular, cultuando um descendente real da tradição daquele povo, e ele tinha toda razão. Logo logo os sacerdotes lembraram da profecia de Miquéias e então os magos foram orientados para irem até lá. Essa história dos magos é permeada de controvérsias, as quais não nos interessam aqui nesse contexto. Aqui destacamos apenas a intervenção de Javé na história humana, conduzindo os destinos do povo no rumo da salvação, conforme a aliança, fato que Santo Agostinho destacou muito bem na sua teologia da história.

Na segunda leitura, da carta aos Hebreus, o escritor sagrado faz referência ao nascimento de Cristo, dizendo que Javé não se satisfazia com os holocaustos e oferendas, sacrifícios do pecado, por isso mandou seu próprio Filho para tornar-se a oferenda definitiva, sacrificando-se de uma vez por todas e suprimindo todos os demais holocaustos. Ele veio para cumprir a promessa: “Eis que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade.' ” (Heb 10, 7) O “livro” onde isso está escrito não é outro senão “to biblos”, simplesmente “o livro” escrito pelos profetas. São vários os profetas, mas o livro é um só, porque todos os seus escritores colocaram ali um conteúdo que se integra e se correlaciona, daí que não interessam os nomes dos autores materiais, já que um só é o seu autor intelectual: Javé. Apenas para esclarecer aos colegas, esta carta era antigamente atribuída a Paulo e se dizia “carta de São Paulo aos Hebreus”, mas atualmente os biblistas chegaram à conclusão de que não foi Paulo o seu autor, e visto que não se sabe quem foi, diz-se apenas 'carta aos Hebreus”.

No evangelho de Lucas (Lc 1, 39-45), lemos o relato muito popular da visita de Maria a Isabel, um dos fatos bíblicos mais retratados pelos pintores e artistas em geral, ao longo da história. A narração de Lucas é bastante rica em detalhes, o que estimula a imaginação dos artistas dos mais variados modos. E Lucas foi aquele agente privilegiado, pela sua convivência com Maria após a morte de Cristo, tendo sido escolhido por Deus para recolher d'Ela os segredos mais reveladores da vinda de Cristo, que não teriam sido conhecidos pela humanidade se não fosse essa situação privilegiada de ser ele uma pessoa letrada e da total confiança de Maria. Imagino que Maria deve ter confidenciado esses fatos aos poucos, ao longo de muito tempo, porque tudo indica que Ela era uma pessoa super reservada e introvertida. Só a graça de Deus fez com que Lucas assumisse essa função de confidente e cuidador de Maria, para ilustração de todos nós.

Bem, diz Lucas que Maria foi apressadamente à região das montanhas, para visitar sua prima Isabel, que estava nos dias próximos do parto. Maria também estava grávida, embora de pouco tempo, mas uma viagem longa e com as condições de transporte daquela época não pode ter sido assim tão rápida. Penso que Lucas se refere 'apressadamente' para significar que Maria tinha receio de chegar lá já depois do nascimento do filho de Isabel, João Batista. Tem aquela tradição que diz que Isabel mandou acender uma grande fogueira em frente da sua casa lá no alto, para que Maria e os parentes, que moravam no vale fossem avisados, algo como os sinais de fumaça usados pelos indígenas de algumas nações. Evidentemente isso não tem embasamento documental, mas de qualquer modo, deu origem às fogueiras juninas, que ainda hoje costumamos fazer.

Ao se encontrarem, Isabel fez aquele célebre discurso teológico, que se tornou o tema da oração mais típicamente mariana: bendita es tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Com certeza, Lucas relata esses detalhes para destacar o reconhecimento da divindade de Cristo, mesmo antes do seu nascimento. Isabel, como as mulheres daquele tempo, não era uma pessoa letrada e devia frequentar a sinagoga como todos os judeus, mas devia ser uma dona de casa simples, como era também Maria. Por certo, o discurso teológico de Isabel foi recomposto por Lucas, a partir de sucintas narrações feitas por Maria, que na sua humildade e tendo sido ela e Isabel as únicas pessoas a testemunharem o evento, não iria fazer de si mesma um cântico de exaltação, mesmo colocando as palavras na boca de Isabel. Diz Lucas que Isabel ficou cheia do Espírito Santo ao proferir essas palavras, mas nós sabemos que esse texto foi escrito muito tempo depois da morte de Cristo e que a primeira manifestação do Espírito Santo foi no batismo de Cristo, quando ele já era adulto, nas águas do Jordão. Portanto, podemos concluir que foi, de fato, Lucas quem ficou cheio do Espírito Santo e se incorporou na figura de Isabel ao compor o quadro literário da visita das primas.

Meus amigos, são muitas as simbologias que acompanham a festa do Natal, desvirtuada pela cultura capitalista em direção ao ideal do consumo. No entanto, a liturgia procura nos concentrar nos verdadeiros acontecimentos que ilustram a história da nossa salvação. Já foi comentada a imposição de Constantino acerca da data de 25 de dezembro para a celebração do Natal, como forma de encobrir com o manto cristão a festa pagã do deus saturno (saturnalia), que acontecia nesta época da passagem do solstício de verão, entre os dias 17 e 23 de dezembro, festas acompanhadas de lautos banquetes e distribuição de presentes. Independentemente dessa origem, para nós cristãos, o que interessa é nos voltarmos para o nascimento de Cristo, que aconteceu uma vez para sempre na história, mas que se repete constantemente em nossos corações, quando renovamos nosso compromisso de viver segundo o evangelho.

Nesse espírito, quero renovar sinceros votos de Feliz Natal a todos.

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