COMENTÁRIO LITÚRGICO
– EPIFANIA DO SENHOR – 06.01.2013
Caros Confrades:
Celebramos neste
domingo, que casualmente coincide com a data própria, a Epifania do
Senhor. Em outros anos, celebra-se a festa no domingo subsequente. A
epifania é a festa que designa a universalidade da salvação
trazida por Cristo, representada na presença das autoridades vindas
de terras orientais, portanto, de fora do território judaico. O
texto bíblico não informa a cidade de onde eles vieram, mas apenas
que vieram de terras distantes no oriente, guiados pela estrela.
Alguns estudos associam a figura da estrela com o cometa de Halley ou
talvez um outro astro, contudo não há conclusões definitivas. Há
quem afirme que essa história foi um 'arranjo' feito pelo
evangelista, com o objetivo de sintonizar com a profecia de Miquéias,
mas são outras opiniões sem o necessário consenso. O evangelho
fala nos 'magos', mas também não se deve entender esta palavra no
sentido que ela tem hoje. Conforme registros históricos atribuídos
a Heródoto, eles eram sacerdotes eruditos de uma região que hoje
corresponderia ao Irã. Eram pessoas que estudavam os livros sagrados
e costumavam observar os astros no céu, ou seja, eram uma espécie
de astrônomos. Com isso se explica o fato de que notaram uma
“estrela” diferente e tentaram interpretá-la, com o conhecimento
que eles tinham dos antigos sábios. Eles eram provavelmente
sacerdotes do zoroastrismo, religião fundada por Zaratustra, cerca
de 1.500 anos antes de Cristo e originária dessa mesma região. Bem,
o modo como este fato aconteceu, assim como as motivações
envolvidas, fazem parte do universo das controvérsias históricas,
sendo mais amparado por antigas tradições do que por documentos
escritos.
A festa da Epifania,
nas Igrejas católicas gregas, é também a celebração do Natal,
pois eles não comemoram o natal em 25 de dezembro, como na Igreja
romana. Aliás, este foi um dos motivos que levou ao cisma, em 1054,
porque não houve acordo acerca desse e de outros pontos de
discussão. Os orientais acusaram os romanos de terem-se rendido ao
poder do imperador, que estabeleceu a data e a forçou
autoritariamente aos bispos europeus. Com isso, nós concluímos que
a festa da Epifania é mais antiga do que a celebração do Natal,
como nós temos na Igreja romana; como também concluímos que as
Igrejas orientais celebram em conjunto as duas festas: o Natal e a
Epifania, porque na verdade, elas são uma festa só.
Com efeito, o termo
grego “epiphania” é o substantivo derivado do verbo
“epiphainow”, que significa aparecer, mostrar-se, apresentar-se.
A epifania é a festa da manifestação do Salvador, e isso se deu
efetivamente no Natal. Ao separar as datas, e portanto, a comemoração
em duas festas, a Igreja romana celebra, em 25 de dezembro, o Natal –
nascimento de Cristo, e nesta data, 6 de janeiro, o Natal –
manifestação de Cristo às nações do mundo, representados na
pessoa dos “magos” orientais. De fato, eles não eram “reis
magos”, mas sacerdotes, como aludimos acima. Herodes também tinha,
no palácio, o seu conselho de sacerdotes, adivinhos, magos, que além
de chefes religiosos, eram também os cientistas daquele tempo, os
que sabiam ler e estudavam os poucos documentos conhecidos. Tratou
logo de juntá-los ao seu conselho para trocarem opiniões.
A liturgia da Epifania
procura integrar os textos do antigo e do novo testamento, no caso, o
livro de Isaías com o evangelho de Mateus. No livro de Isaías, na
verdade, o deutero-Isaías, cap. 60, 1, o autor conclama Jerusalém
a se alegrar, porque “sobre ti apareceu o Senhor e a sua glória se
manifestou”. E diz mais adiante (60, 6): “será
uma inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te
cobrir; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e
proclamando a glória do Senhor. ”
Por certo, a chegada dos “magos” trouxe uma caravana de camelos e
dromedários, pois pela liderança que eles deviam ter, deviam estar
acompanhados de grande séquito, até por tratar-se de uma viagem de
longa distância.
No evangelho de Mateus
(2, 2), se concretiza o que foi dito pelo profeta Isaías: “eis
que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: 'Onde
está o rei dos judeus, que acaba de nascer?
Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.' ” Até o Salmista (71, 10), faz coro com essa proclamação, ao cantar: “Os reis de Társis e das ilhas hão de vir e oferecer-lhes seus presentes e seus dons; e também os reis de Seba e de Sabá hão de trazer-lhe oferendas e tributos. ” A escritura está permeada de passagens assemelhadas, nas quais essas referências se reproduzem. Os evangelistas, que conheciam, como bons judeus, a Lei e os Profetas, trataram de integrar as profecias nos seus textos, como forma de comprovar que Jesus é o Messias prometido, numa época em que muitos judeus teimavam e duvidavam em admitir isso. Não é, portanto, nenhum fato que mereça ser posto em discussão, como fazem alguns, porque esta é a fé que se construiu desde os primeiros tempos do cristianismo.
Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.' ” Até o Salmista (71, 10), faz coro com essa proclamação, ao cantar: “Os reis de Társis e das ilhas hão de vir e oferecer-lhes seus presentes e seus dons; e também os reis de Seba e de Sabá hão de trazer-lhe oferendas e tributos. ” A escritura está permeada de passagens assemelhadas, nas quais essas referências se reproduzem. Os evangelistas, que conheciam, como bons judeus, a Lei e os Profetas, trataram de integrar as profecias nos seus textos, como forma de comprovar que Jesus é o Messias prometido, numa época em que muitos judeus teimavam e duvidavam em admitir isso. Não é, portanto, nenhum fato que mereça ser posto em discussão, como fazem alguns, porque esta é a fé que se construiu desde os primeiros tempos do cristianismo.
A aliança original de
Javé foi com os judeus, mas estes não reconheceram em Jesus o
Salvador que veio confirmar a promessa, então diante da descrença
deles, o evangelho foi pregado aos gentios, ou seja, àqueles que não
descendem dos antigos patriarcas. A figura dos “magos” colocada
nesse contexto próximo (ou mesmo junto) com o nascimento de Jesus
faz parte do propósito do evangelho de mostrá-Lo como o Salvador de
todas as nações, e não apenas do povo de Israel. Outros episódios
narrados nos evangelhos, como é o caso da mulher samaritana, fazem
parte desse mesmo plano doutrinário, pois para os judeus, os
samaritanos eram considerados 'fora da lei'. Mas através da mulher,
com quem Ele conversou no poço de Jacó, também os samaritanos
foram convidados a ouvir e a aderir à nova aliança, que agora não
se limitava mais a um punhado de israelitas.
A universalidade da
salvação trazida por Cristo é também o tema da carta de Paulo aos
Efésios (3, 2-6), onde ele retoma a ideia da recusa dos judeus e o
anúncio do evangelho aos gentios: “os
pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são
associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.
” Sabemos, pelos estudos históricos, que foi nas colônias gregas
do império romano onde o cristianismo começou a ganhar corpo como
religião, foi lá onde se fundaram as primeiras comunidades e se
ergueram as primeiras igrejas formalmente organizadas, aquelas que
hoje nós chamamos de “Igrejas orientais”. Antioquia, Alexandria,
Filipos, Éfeso, Galácia, Colossos, Esmirna, Tessalônica, só
bastante tempo depois, o cristianismo finalmente chegou a Roma. Foi
por esse motivo que os Patriarcas das Igrejas orientais não
aceitaram a mudança da data do Natal para 25 de dezembro, porque as
suas Igrejas eram muito mais antigas e a sua tradição já muito
consolidada. No ano de 2012, conforme já foi objeto de comentário
aqui, o Papa nomeou dois Patriarcas orientais como Cardeais, buscando
estreitar novamente os laços históricos rompidos entre as duas
bandas da Igreja de Cristo.
No contexto da narração
do diálogo dos “magos” com Herodes, uma pergunta fica no ar: por
que motivo Herodes não mandou, junto com eles, uma 'comissão' de
acompanhantes, para certificar-se se realmente aquilo que eles diziam
era verdade? Aparentemente, ele até duvidou do que os seus próprios
conselheiros informaram, ao relatarem a profecia de Miquéias. Ou
seja, Herodes não deu muito crédito nem à narrativa dos “magos”
nem às escrituras dos judeus. Como romano, aquilo tudo soava para
ele como alguma superstição dos povos bárbaros, que eram
menosprezados pela cultura romana. Limitou-se a pedir a eles uma
confirmação no retorno, o que não aconteceu.
Curioso notar que nem
Lucas nem Marcos se referem ao episódio da visita dos “magos”,
deixando-nos a cogitar se eles não tinham conhecimento desses fatos
ou se não consideraram suficientemente importantes para incluí-los
nos seus textos. O mais provável, conforme explicam os exegetas, é
que esta fonte conhecida por Mateus não tivesse chegado aos outros
dois evangelistas. Uma coisa é certa: os evangelhos de Lucas e
Marcos foram escritos na língua grega, portanto, na região das
colônias gregas do império romano. Enquanto o evangelho de Mateus
foi escrito originalmente em aramaico, a mesma língua falada por
Jesus, e só depois traduzido para o grego. Certamente, o local onde
foi escrito era distante de onde moravam os outros dois evangelistas,
os quais assim não chegaram a conhecer essa tradição dos “magos”.
Meus amigos,
independentemente dessas polêmicas históricas e literárias, o que
nos interessa é destacar o símbolo da universalidade da mensagem
cristã, quando os tempos se completaram e o Verbo se encarnou. Com a
festa da Epifania, a liturgia encerra o ciclo do Natal e passa para o
tempo comum, que irá até a quarta feira de cinzas, quando se inicia
a quaresma.
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