COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 21º DOMINGO COMUM – A SALVAÇÃO UNIVERSAL – 25.08.2013
Caros Confrades,
As leituras litúrgicas
deste 21º domingo comum nos convidam a refletir sobre o tema da
salvação, que é universal, ou seja, Deus não escolheu apenas um
grupo, ainda que numeroso, para distribuir com este a sua graça. A
graça divina é infinita e está disponível para todas as pessoas
de boa vontade, todos os que procuram a Deus com o coração sincero.
A primeira leitura,
retirada do livro de Isaías (66, 18-21- deuteroIsaías) é de uma
clareza extraordinária. É impressionante a visão de futuro do
profeta Isaías, a precisão dos detalhes com que ele aponta os
acontecimentos da salvação: “virei
para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha
glória.” (Is 66, 18) E
mais adiante: “Escolherei
dentre eles alguns para serem sacerdotes e levitas.”
(Is 66, 21) Apenas para recordar outros comentários que fiz aqui, o
deutero Isaías é a parte do livro que narra os fatos após o
retorno dos hebreus da Babilônia, quando foram libertados do
cativeiro. Então, o profeta anuncia como será o futuro da
humanidade. Obviamente, ele escrevia para as pessoas do seu tempo.
Porém, numa perspectiva escatológica, o profeta se refere a todos
nós, quando diz: “...para
as terras distantes, e, para aquelas que ainda não ouviram falar em
mim e não viram minha glória.”
(Is 66, 19) Com isso, o profeta estava anunciando ao povo hebreu que
a aliança de Javeh com Abraão não se referia apenas a eles, ou
seja, quando Ele disse que a descendência de Abraão seria mais
numerosa do que as estrelas do céu, isso significava o alcance
universal da promessa, ultrapassando os limites da nação hebraica.
E o profeta complementa: dentre estes estrangeiros, escolherei alguns
para serem sacerdotes e levitas, ou seja, esses que ainda não Me
conhecem também serão meus anunciadores. É curioso como alguns
pregadores fundamentalistas insistem em contar o número de pessoas a
quem Javeh dirigiu a mensagem da salvação, ligando essa ideia aos
144.000 assinalados do Apocalipse (Ap 7,1). A imagem transcrita por
João contém um enigma a ser decifrado e comporta divergências. Ao
contrário, a profecia de Isaías é clara e direta: a mensagem da
salvação é dirigida a todos os povos, inclusive àqueles que ainda
não conhecem Javeh, mas que virão a conhecê-lo, através dos seus
mensageiros. O momento histórico vivido pelo povo de Israel,
retornando à pátria após livrar-se do cativeiro babilônico, era
de grande euforia e isso se refletia no desejo de levar a todos os
povos a misericórdia e a fidelidade de Javeh.
Na segunda leitura,
retirada da Carta aos Hebreus, este tema da salvação universal
também está presente, embora não numa perspectiva de ufania, como
em Isaías, mas numa dimensão do castigo disciplinar, da correção
educativa. Os confrades já devem saber, só para recordar, essa
Carta era, antigamente, atribuída a São Paulo, mas após estudos
recentes, a autoria do apóstolo foi excluída, embora não se tenha
certeza de quem a escreveu. Por isso, na Bíblia, ainda consta no fim
da listagem das cartas de Paulo, mas com a ressalva acima. O seu
autor exorta os hebreus sobre a hospitalidade, a fraternidade, a
tolerância com todos. Havia entre os hebreus uma tradição antiga
que interpretava o sofrimento como castigo divino, de modo que uma
pessoa desventurada era tida como alguém que não gozava da amizade
de Javeh. Vemos diversas passagens no evangelho em que Cristo
recrimina os fariseus por causa dessa ideia (por ex: Jo 9, 1-3). O
autor da Carta aos Hebreus vem repetir essa mesma lição de Cristo
em outro contexto, dizendo que quando Deus castiga alguém, isso não
significa que Deus não ame aquela pessoa, mas Ele faz isso como um
recurso pedagógico, para reconduzi-la ao caminho da verdade. Assim
diz: “não
te desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem
ele ama e castiga a quem aceita como filho'.”
(He 12, 6) E complementa: qual o filho a quem o pai não corrige,
quando aquele erra? Por outras palavras, o sofrimento não deve ser
entendido como sinal de que alguém foi excluído da graça divina,
pois esta é dirigida a todas as pessoas. Daí a advertência em He
12, 13: “acertai
os passos dos vossos pés', para que não se extravie o que é manco,
mas antes seja curado.”
Isso quer dizer que as pessoas que sofrem, as mais necessitadas não
devem ser alijadas, mas trazidas para o convívio fraterno, para que
não se percam, mas sejam socorridas. “É
para a vossa educação que sofreis, e é como filhos que Deus vos
trata. ” (He 12, 7)
Exemplo dessa linha pedagógica nós encontramos também nas cartas
de Paulo, quando trata da questão dos judaizantes (por ex: Romanos
14, 5), pois o povo hebreu tinha aquela ideia de que, por serem
descendentes de Abraão e, portanto, os legítimos herdeiros da
promessa, eles eram os primeiros da fila, ou seja, eles serviam de
exemplo para os demais. A Carta aos Hebreus, assim como as outras
lições de Paulo, vêm mostrar que esse raciocínio é ilegítimo,
pois pode até ocorrer o oposto, isto é, os últimos serem os
primeiros, conforme está no evangelho de Lucas (13, 30).
A terceira leitura é
exatamente do evangelista Lucas (13, 22-30), no trecho em que narra a
pergunta feita por alguém a Jesus: é verdade que são poucos os que
se salvam? Curiosamente, o evangelista não identifica quem foi o
autor da pergunta, mas por se tratar de um tema muito preocupante
para os fariseus, podemos supor que tenha sido um deles. E também
pelo estilo da resposta dada por Jesus, deve ter sido um fariseu o
perguntador, por causa dos exemplos que Ele dá. Como costuma
acontecer, Jesus nunca responde diretamente às perguntas, mas faz
isso através de exemplos e de situações ilustrativas. Neste caso,
Ele usa o exemplo da porta estreita, afirmando indiretamente que não
existe um número determinado de pessoas aptas à salvação, mas que
quem quiser salvar-se deverá escolher a porta estreita. Ele diz
ainda que muitos tentarão entrar por essa porta e não conseguirão.
Isso quer dizer que a salvação é um dom divino dirigido a todos,
mas embora seja gratuito, exige atitude de quem quer salvar-se.
Portanto, a salvação não alcança quem fica de braços cruzados,
pensando que já foi escolhido, e não cuida de fazer a sua parte.
Por isso, Ele cita uma situação hipotética: o patrão fechou a
porta e quando o servo pede para abrir, o patrão responde que não o
conhece. O servo insiste: eu comi e bebi junto contigo... mas o
patrão continua dizendo: não sei de onde sois.
Vemos assim Cristo
ensinando que a salvação é dada por Deus a todas as pessoas de
forma gratuita, no entanto, o interessado tem de cumprir algumas
condições, daí a imagem da porta estreita, ou seja, a prática da
justiça, o exercício da caridade. A porta larga seria aquela dos
que pensam estarem salvos a priori, apenas pela fé, sem precisar
fazer mais nada. Quem acredita já estar salvo pelo sangue de Cristo
e se firma nessa presunção, descuidando-se dos seus deveres de
cristão, de testemunhar o amor de Cristo através das suas ações
ouvirá do Mestre, diante da porta fechada: não sei de onde sois.
Foi por isso que Jesus advertiu que muitos tentarão entrar na porta
da salvação e não conseguirão, estes são os que se contentam com
uma religião de exterioridades, como acontecia com os fariseus.
Estes entendiam que bastava o cumprimento da lei, bastava jejuar, dar
esmolas, ir ao templo nos dias de preceito, fazer suas orações e
pronto. Isso é o que Jesus exemplifica como a porta larga. As
pessoas que possuem o coração cheio de orgulho, inchado pela
prática da injustiça, obeso pelo desprezo para com os irmãos,
esses não conseguirão passar pela porta estreita. Esse puxão de
orelhas de Jesus era dirigido contra os fariseus naquele tempo e hoje
é dirigido também a nós. A nossa participação nesse projeto se
encontra descrito na passagem de Lc 13, 29: Virão
homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar
à mesa no Reino de Deus.
Aqui está, novamente, o conceito da salvação universal, do convite
dirigido a nós para sentarmos à mesa do evangelho, cujo lugar foi
recusado por aqueles a quem o convite foi feito em primeiro lugar.
A porta estreita,
então, não significa sofrimento, privação, tristeza, escassez,
como outrora se interpretou, como se fosse necessário padecer e
privar-se das coisas materiais a fim de obter a salvação. Os bens
materiais são dons divinos e eles somente atrapalham a nossa vocação
para o Reino de Deus quando servem para o nosso egoísmo e para a
nossa ganância, porém se forem colocados ao serviço da comunidade,
se forem objeto da partilha e instrumentos da prática do bem, eles
não causarão embaraço ao projeto de Deus. Que o Divino Mestre nos
ajude a encontrar sempre a porta estreita do amor ao próximo, por
onde chegaremos à salvação, a que todos almejamos.
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