COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 19º DOMINGO COMUM – A FÉ E O COMPROMISSO – 11.08.2013
Caros Confrades,
A liturgia deste 19º
domingo comum nos convida a refletir sobre o compromisso que a nossa
fé exige de nós. O celebrante da missa deste domingo fez uma
observação interessante: ser cristão não é um “hobby”, um
entretenimento, um modismo, ao contrário, a fé cristã nos engaja
num conjunto de atitudes e atividades que envolve todo o nosso ser
pessoal. Ninguém pode ser cristão apenas pela metade, esse
cristianismo de fachada, praticado por alguns crentes que se
contentam em manifestações exteriores da sua fé, foi combatido por
Cristo na sua catequese aos discípulos, de acordo com o que lemos no
evangelho deste domingo.
A primeira leitura,
retirada do livro da Sabedoria (Sb 18, 6-9), relembra a noite em que
o povo foi libertado do Egito, quando Javeh demonstrou a sua
fidelidade para com as promessas feitas através de Moisés ao povo,
que n'Ele depositou sua fé. A ação miraculosa de Javeh foi, ao
mesmo tempo, salvação para os justos e perdição para os inimigos.
Os que acreditaram n'Ele foram contemplados com a sua força
vencedora e os que não creram experimentaram o peso da sua ira. O
livro da Sabedoria, cuja autoria era tradicionalmente atribuída a
Salomão, é considerado pela crítica literária o escrito mais
recente do Antigo Testamento, tendo sido escrito numa época em que a
cultura grega ganhava espaço dentre os judeus. Então o seu autor
vai recordar ao povo os seus princípios históricos, para deste modo
fortalecer-lhes na fé e não deixá-los se encantar pelas novas
doutrinas que apareciam. O seu objetivo é, portanto, condensar os
ensinamentos básicos adquiridos pelos ancestrais do povo durante
toda a sua caminhada, desde a libertação do Egito.
A segunda leitura é
retirada da carta aos Hebreus (Hb 11, 1-19). Esta carta, por muito
tempo, foi aceita como tendo sido escrita por Paulo, contudo
atualmente a crítica literária já abandonou esta ideia, embora não
se saiba com certeza quem teria sido seu autor. Nas bíblias, ela
ainda consta no final da listagem das cartas de Paulo, mas apenas por
uma questão de organização de capítulos, pois não há certeza de
quem a escreveu. Cogitou-se que poderia ter sido Timóteo ou Clemente
de Alexandria, porém não há elementos históricos que corroborem
essas hipóteses. O certo é que seu autor foi alguém muito
entrosado com a fé judaica, pois a exemplo do livro da Sabedoria,
também procura resgatar esta tradição numa época muito marcada
pela influência grega.
Na leitura deste
domingo, o autor da carta chama a nossa atenção para a
extraordinária fé de Abraão, que superou todas as adversidades
pela sua confiança na promessa de Javeh. Desde a gravidez de Sarah,
em idade avançada, até a peregrinação pelo desconforto do
deserto, morando em tendas precárias, passando pela provação
experimentada quando iria imolar seu único filho, Abraão nunca
vacilou na sua crença na promessa de Javeh, pois sabia que Ele tem
poder até de ressuscitar dos mortos, por isso, não temeu em
entregar-lhe a vida do seu único filho. Pela sua fé inquebrantável,
Abraão foi sempre uma referência para os escritores bíblicos,
quando este assunto estava em pauta, mas lembremo-nos que Cristo, no
episódio do centurião que disse “basta uma palavra tua” (sed
tantum dic verbum), declarou: nunca vi tamanha fé em Israel. Ou
seja, Cristo colocou a fé do centurião acima da fé do próprio
Abraão.
Os exemplos de Abraão,
no Antigo Testamento, e do centurião, no Novo Testamento, demonstram
para nós o tamanho do compromisso que brota da fé. Crer é integrar
a fé na sua vida inteira e não apenas em parte dela ou apenas
quando a ocasião coloca o crente em algum aperto. Fé significa
viver cada dia com aquela mesma confiança e certeza, aconteça o que
acontecer, porque maior do que qualquer adversidade é o Deus da
promessa. As leituras da Sabedoria e de Hebreus reforçam a
importância da fé incondicional como sendo aquela que Deus espera
do fiel. Isso não significa ficar de braços cruzados, sem fazer
nada, esperando que Deus fará seus milagres a todo momento. Nada
disso, mas sim cada um fazendo a sua parte, cumprindo o seu
compromisso, na convicção de que o resultado final será conduzido
pela fidelidade d'Aquele a quem servimos. Nesse contexto, o autor da
carta aos Hebreus nos dá uma definição teológica da fé que tem a
eloquência de um tratado inteiro: “A
fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção
acerca de realidades que não se vêem.”
(Hb 11, 1).
No evangelho de Lucas
(12, 32-48), temos uma catequese particular de Jesus para os
discípulos. Em geral, Ele catequizava os discípulos ao mesmo tempo
em que ensinava também as multidões. Mas em outros momentos, Ele se
dirigia especificamente ao pequeno grupo, como é o caso da leitura
de hoje: “Não
tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós
o Reino.”
(Lc 12, 32) O pequenino rebanho, no caso, é o seu grupo de
escolhidos para continuarem o Seu trabalho, depois que Ele retornasse
ao Pai. Então, Jesus vai ministrar-lhe lições bem diretas: vocês
devem ser como empregados que esperam o patrão, que pode chegar a
qualquer momento, para abrir-lhe imediatamente a porta. Por outras
palavras, o verdadeiro crente é aquele que está sempre em
prontidão, aquele cuja fé não tira férias, cuja fidelidade nunca
esmorece ou dormita. Este é o primeiro aspecto do compromisso que
Cristo exige daqueles que aderiram ao Seu chamado e fizeram a opção
de viver segundo os Seus ensinamentos. Para estes, o patrão vai
oferecer um banquete no qual ele próprio será o serviçal. Esta
será a retribuição aos que crerem de todo o coração e
perseverarem inabaláveis na sua fé.
Porém, Jesus faz outra
advertência aos discípulos, para que eles não ajam como servos
“confiados”, ou seja, o patrão os deixou como administradores e
na ausência do patrão, eles passam a espancar os outros empregados,
passam a regalar-se de comida e bebida até se embriagaram e, quando
o patrão retorna, os encontra embriagados. Meus amigos, observemos
bem essa advertência de Jesus, que se dirige também para nós. A
nossa condição de cristãos não deve nos levar a tirar proveito da
situação, de nos considerarmos antecipadamente
salvos e desprezar a fé das pessoas de outras
crenças religiosas, arvorando-nos em condição de superioridade. O
ser cristão para nós deve acarretar o compromisso de dar o exemplo
para que os irmãos nos vejam e sejam estimulados a nos imitarem,
isto é, eles devem ser convencidos pelo nosso testemunho e pelo
nosso exemplo, e não ser tratados com desdém ou menosprezo. Quem
exerce uma função de destaque na comunidade eclesial (por exemplo,
coordenador de alguma atividade paroquial, ministro da Eucaristia)
não deve bancar a autoridade de um chefe, mas exercer a humildade de
um servidor, da mesma forma como o patrão que colocou o avental e
foi servir o jantar dos empregados vigilantes.
Este é outro
compromisso que Jesus exige de nós, seus seguidores, tanto os fiéis
leigos quanto os fiéis ordenados. Quantas vezes, infelizmente,
encontramos sacerdotes e bispos autoritários e prepotentes, que
estão longe do modelo traçado por Cristo no evangelho deste
domingo. Quantos personagens, ao longo da história eclesiástica
(papas, bispos, purpurados) se comportaram como autênticos chefes
políticos e não como aqueles que foram escolhidos para servirem ao
povo de Deus. Outrora como nos dias atuais, não é raro encontrarmos
exemplos de “empregados confiados” que esqueceram a palavra de
Cristo: “'Meu
patrão está demorando', e começar a espancar os criados e as
criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele
empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o
partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis.”
(Lc 12, 45-46). Vejamos que a consequência desse comportamento é
terrível: o empregado será partido ao meio e irá participar do
destino dos infiéis. E Jesus complementa dizendo que a exigência da
fé será proporcional ao conjunto dos favores recebidos, ou seja, a
quem muito foi dado, muito será pedido. “Aquele
empregado que, conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem
agiu conforme a sua vontade, será chicoteado muitas vezes.”
(Lc 12, 47) Se não me engano, era o Frei Higino que dizia algo
assim: o padre que vai para o inferno fica no lugar mais quente que
tem lá – embaixo do rabo do capeta.
Deus quer de nós
fidelidade sempre, não apenas no comparecimento da missa aos
domingos e na participação dos sacramentos, não apenas em
determinadas horas do dia ou em determinados dias da semana, mas a
cada minuto de vida que Ele nos dá. Que nós aprendamos a agir
sempre como os empregados vigilantes, elogiados pelo Senhor.
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