COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 22º DOMINGO COMUM – A HUMILDADE – 01.09.2013
Caros Confrades,
Neste 22º domingo
comum, a liturgia nos convida a refletir sobre a humildade como
atitude mais apropriada à conduta do cristão, ensinando que os
favores praticados em benefício dos mais carentes são preferíveis
àquelas homenagens feitas aos poderosos da sociedade. Fazer o bem a
quem não pode nos recompensar gera um crédito no céu; o mesmo não
acontece no outro caso, porque já se operou a compensação terrena.
O Monsenhor Manfredo
Ramos, no sermão da missa deste domingo, recordou que a palava
humilde, do latim “humilis”, está relacionada com o húmus, ou
seja, a nossa origem do limo da terra, para onde iremos retornar,
lembrando com isso que a consciência da nossa finitude deve ser a
maior evidência dessa humildade. Muitas pessoas vivem como se fossem
permanecer para sempre e se utilizam dos bens materiais para adquirir
prestígio e poder. A humildade não é sinônimo de mendicância e
roupa esfarrapada, pois assim como há pessoas abastadas e humildes,
também há pessoas miseráveis que possuem o espírito de ganância.
Ser humilde, pois, é antes de tudo ser pobre de espírito e isso
significa o desprendimento e a generosidade, significa acumular
tesouros que a traça não consome e o ladrão não rouba (Mt 6, 19).
Humildade não é subserviência nem renúncia de si mesmo, mas é
saber administrar os talentos e fazê-los produzir, pondo-os à
disposição dos irmãos.
Logo no início da
primeira leitura, extraída do Livro do Eclesiástico (3, 20), o
escritor sagrado nos adverte: “Na
medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim
encontrarás graça diante do Senhor. Muitos são altaneiros e
ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios.
” Este livro faz parte dos escritos deuterocanônicos, isto é, foi
escrito em época mais recente, não compondo os livros sagrados do
judaísmo, portanto, não lido nas sinagogas judaicas. Seu autor é
um sábio de nome Jesus, filho de Sirac, daí porque também é
conhecido com a denominação de
Ben
Sirac ou Sirácida. Os cristãos primitivos sempre consideraram este
livro como sagrado, mas Lutero não o aceitou. Porém, se compararmos
o seu texto com os ensinamentos de Cristo, podemos perceber
a semelhança dos ensinamentos, especialmente nas ocasiões em que
Ele refuta os comportamento dos fariseus. O autor do livro se põe na
mesma linha de raciocínio do livro da Sabedoria, expondo a tradição
judaica mais autêntica numa época de grandes influências políticas
e culturais estrangeiras sobre Israel. Por isso, mesmo não fazendo
parte da lista dos livros canônicos da antiga lei, os judeus
atribuíam a este livro um valor histórico importante, por causa do
seu esforço em manter o sentido tradicional do judaísmo.
Semelhanças com o texto desta leitura podemos encontrar também no
cântico de Maria, após ouvir a saudação do anjo (Lc 1, 52):
derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes... pôs
os olhos na humildade de sua serva. Não é, portanto, de se admirar
que desde os primeiros tempos do cristianismo este livro, mesmo não
sendo da tradição judaica mais antiga, foi sempre prestigiado e
lido nos templos.
No evangelho deste
domingo, podemos identificar um verdadeiro sermão sobre a humildade,
através das parábolas ditas por Cristo na casa de um dos chefes dos
fariseus. Diz o evangelista Lucas (14, 1), que Jesus fora convidado
para ir almoçar na casa de um importante fariseu, num dia de sábado.
É de supor-se que Ele, como bom judeu, comparecera à sinagoga
naquele dia e provavelmente tenha sido convidado para fazer a leitura
da Torah. Após o culto, um dos lideres fariseus o teria convidado
para ir almoçar na casa dele, certamente com o intuito de o
colocarem em alguma situação embaraçosa. O texto lido neste
domingo omite a primeira parte da visita, passando logo para o
momento de sentarem-se à mesa. Mas nos versículos omitidos, podemos
ver a armadilha que lhe prepararam logo na chegada, colocando diante
dele um homem hidrópico. A hidropisia é uma doença que causa
acúmulo de líquido em certas partes do corpo, como o caso
popularmente chamado de “barriga d'água”, dentre outras
situações mais complexas. Bem, Jesus curou o doente, mas isso é
outra história. Naquela ocasião, Ele observou que os convidados
ficavam disputando os primeiros lugares na mesa, ao que Ele
aproveitou para passar-lhes uma lição acerca da humildade.
Os fariseus eram o
protótipo da religiosidade de aparências, do cumprimento da lei
pela sua literalidade, sem uma atitude de interiorização. Aquela
disputa pelos lugares mais nobres à mesa era um sinal desse
comportamento dúbio deles, que se consideravam cumpridores da lei,
porém suas atitudes eram incoerentes com sua fé. Sem falar
diretamente para eles, mas já mandando o recado, Jesus contou mais
uma das suas historinhas: o convidado que estava sentado no lugar de
honra foi solicitado pelo anfitrião para ceder seu lugar para outro
conviva mais importante do que ele, tendo que ir sentar-se lá atrás.
Para evitar isso, disse Jesus a eles: quando tu fores convidado,
sente nos últimos lugares, porque será honroso para ti ser chamado
para ser chamado mais para a frente e, ao contrário, será
decepcionante para ti ser mandado lá para trás. Essa parábola de
Jesus foi tradicionalmente entendida pelos biblistas no seu sentido
mais literal de uma posição ou local físico. Contudo, podemos
compreendê-la noutro sentido mais simbólico, da busca por elogios,
da necessidade de ser aplaudido, bajulado, da vaidade de ser notado,
reconhecido. Essa procura psicológica pelos “primeiros lugares”
na opinião pública tem o mesmo sentido da disputa pelo melhor lugar
na mesa do banquete. A frustração que daí resulta, quando a
expectativa não se materializa, é semelhante à humilhação
daquele que foi “convidado” a sentar na última fileira. É assim
porque, mais importante do que a pobreza de bens materiais é a
pobreza do espírito, o reconhecimento sincero da nossa fragilidade,
da nossa incompletude. O espírito orgulhoso não percebe isso e
necessita de estar sempre sendo incensado e colocado em alto
pedestal. Ao contrário, o espírito humilde raciocina como Cristo
disse no evangelho: somos servos inúteis, fizemos o que tínhamos de
fazer. (Lc 17, 7)
Daí a complementação
que Jesus faz desta primeira parábola com uma segunda: “Quando
tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus
irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. pois
estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa.
” (Lc 14, 12) É este o sentido do adágio popular “fazer o bem
sem olhar a quem”.
Quem pratica o bem somente
para os semelhantes, os da sua mesma classe social, recusando-se a
fazer o mesmo com as pessoas mais humildes, na verdade, não está
praticando o bem, mas apenas cumprindo uma obrigação. O
profissional que escolhe a sua clientela olhando apenas o poder
aquisitivo e a consequente possibilidade da retribuição material
não está agindo como cristão. Ir à missa dominical e, durante a
semana, tratar mal os empregados, os subordinados é uma atitude
incoerente. Atender com alegria o cliente bem vestido e com aparência
rica, enquanto o cliente de aparência modesta é recepcionado com
frieza e má vontade não é atitude digna de quem se considera
discípulo de Cristo.
Por isso, Jesus diz no
final desta parábola: “quando
deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos.
” (Lc 14, 13) Não é a literalidade do texto que deve nos
impressionar, mas o sentido da advertência de Cristo: quando tu
convidas os iguais a ti, aqueles que podem também te convidar para
algo semelhante, a tua recompensa já foi dada, através dos elogios
que recebes e das promessas que ouves. Ao contrário, quando convidas
aqueles que não podem te retribuir, a recompensa será dada pelo
Senhor, justo juiz. E de nada nos adiantaria cumprir a literalidade
desse texto, promovendo banquetes para os indigentes, os excluídos,
os moradores de rua, se o nosso espírito, a nossa atitude interior
demonstrar superioridade, distanciamento, ojeriza ou indiferença. A
humildade não está nas práticas exteriores, mas no sentimento de
solidariedade que deve acompanhá-las. Esta é a diferença entre
praticar a humildade e ser humilde. Alguém pode praticar atos
exteriores de humildade e manter o espírito soberbo, isso de nada
adianta. A humildade não é medida pela quantidade de bens materiais
que alguém possui, mas pelo grau de desapego que tal pessoa
demonstrará em relação a esses bens. Vale lembrar, nesse contexto,
o inspirado comentário de Paulo sobre Jesus, na carta a Filipenses
(2, 5-7): sendo de condição divina, Jesus não se prevaleceu disso,
mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a forma de servo e tornando-se
semelhante a nós. A narração metafórica das tentações que Jesus
sofreu no deserto significam isso mesmo: Ele, sendo Deus, não
precisava passar por todos aqueles tormentos. No entanto, Ele optou
pela humildade até as últimas consequências, para nos dar o maior
exemplo de capacidade de renúncia, quando Ele se desapegou até de
sua condição divina, para sacrificar-se por nós homens, que nada
temos para dar-Lhe em recompensa.
Que o exemplo de Jesus
esteja sempre na nossa mente para que, com Ele, aprendamos a ser e
viver de forma mais plena a humildade de espírito.
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