COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 18º DOMINGO COMUM – A ADMINISTRAÇÃO DOS BENS – 04.08.2013
Caros Confrades,
A liturgia deste 18º
domingo do tempo comum nos leva a refletir sobre a posse e o usufruto
dos bens materiais, dos quais não somos donos, mas apenas
administradores. As leituras mostram exemplos de apego demasiado às
coisas terrestres, situação que obstacula a nossa mente de observar
o nosso verdadeiro destino.
Na primeira leitura, do
livro do Kohelet (Eclesiastes), temos aquele bordão, que nos foi
repetido incontáveis vezes no período de formação: vaidade das
vaidades, tudo é vaidade. O Monsenhor Manfredo Ramos, no sermão da
missa de hoje, explicou que a palavra hebraica que é traduzida por
“vaidade” significa “sopro”, ou seja, a vaidade é como um
sopro de vento, fugaz, transitório, que levanta poeira e se desfaz.
E observemos o quanto a vaidade mexe com a cabeça das pessoas. Por
causa da vaidade, as pessoas praticam atos reprováveis, fazem
inimigos e até se autodestroem. Por causa da vaidade, as pessoas
tentam apresentar uma figura que de fato não são e tentam diminuir
o brilho dos irmãos, a fim de que possam aparecer com destaque. Eu
arriscaria dizer que a vaidade é o maior pecado da humanidade.
O livro do Kohelet,
cuja autoria é atribuída a Salomão, faz uma advertência que
continua muito atual, quando vemos pessoas cujos pais tiveram vida
próspera, como fruto do trabalho, enquanto os herdeiros, com pouco
tempo, puseram tudo a perder. Nos meios de comunicação, é
frequente lermos notícias de pessoas que ganharam elevadas quantias
em loterias e outros negócios, jogadores e artistas que fizeram
muita fama e tiveram invejável fortuna terminarem os seus dias,
muitas vezes, em instituições de amparo, quando não na mais
lamentável penúria. Existe uma frase do Dalai Lama, que circula
pela internet, a qual reproduz no nosso contexto contemporâneo a
advertência do Kohelet: os homens gastam a saúde trabalhando demais
para angariar muita riqueza e depois gastam toda a riqueza que
adquiriram para restabelecerem a saúde. E vejamos que, no mais das
vezes, não conseguem essa reversão.
Na carta aos
Colossenses (3, 1-2), o apóstolo Paulo lhes ensina a aspirar às
coisas do alto, a concentrar-se nas coisas celestes, já que, pelo
batismo, todos ressuscitaram em Cristo. Isso significa que o “homem
velho” morreu e no seu lugar surgiu o “homem novo”, fruto do
evangelho.
No versículo 5, Paulo não poderia ser mais claro, quando fala das
coisas terrestres, que devem ser abominadas: “Portanto,
fazei morrer o que em vós pertence à terra: imoralidade, impureza,
paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria.
” Os conceitos utilizados pelo apóstolo são, na verdade, todos
sinônimos da vaidade, de que fala o Kohelet, tudo que faz redemoinho
na alma e passa como um sopro de vento, rápido e irretornável. Ao
morrermos para o pecado e ressuscitarmos para a vida nova em Cristo,
todo o nosso mundo se transforma. Então, não teremos mais apego aos
bens materiais nem às honrarias nem às benesses terrestres, isto é,
“Aí
não se faz distinção entre grego e judeu, circunciso e
incircunciso, inculto, selvagem, escravo e livre, mas Cristo é tudo
em todos ” (Col 3, 11).
Naturalmente, meus
amigos, essas palavras não significam que seja incoerente para um
cristão possuir bens materiais, porque estes fazem parte da vida e
são conquistados por nós com o nosso trabalho, o nosso esforço, a
nossa produtividade, com eles podemos ter uma vida mais confortável
e isso não é vedado ao cristão. Mesmo nas comunidades religiosas,
se recordarmos a vetusta regra de São Francisco (“que os frades
não recebem dinheiro ou pecúnia”), compreendemos que essas
palavras devem ser entendidas simbolicamente, porque é impossível
aos padres, religiosos e pessoas consagradas em geral uma existência
sem a dependência da pecúnia, sem ter uma conta bancária, sem
possuir uma casa para residir, um veículo para se transportar. A
questão não é ter ou não ter, mas administrar essa posse e
propriedade, de modo que não contradiga o nosso testemunho diante do
evangelho de Cristo. Na sua recente visita ao Brasil, o Seráfico
Papa deu uma declaração que deve ter caído como uma bomba na
cabeça de algumas autoridades eclesiásticas, mais ou menos com
essas palavras: o padre precisa ter um veículo, é um meio
indispensável para a realização do seu ministério, mas não
precisa ser da melhor marca e do último modelo... Ele próprio
recusou diversas “mordomias” que os papas anteriores assumiram
sem qualquer objeção. Penso que essa declaração do Seráfico Papa
ilustra de modo poderoso o que significa ter o objeto sem pertencer a
ele. Sim, porque quando somos apegados aos bens materiais, não são
eles que nos pertencem, somos nós que pertencemos a eles.
É a lição que Cristo
nos dá, na leitura do evangelho de hoje (Lc 12, 13-21): “Tomai
cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém
tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância
de bens.” Não é esta a única
passagem em que Cristo chama a atenção para a correta administração
dos bens materiais, mas esta é uma das mais eloquentes, quando Ele
dá o exemplo do latifundiário que obteve abundante colheita e,
longe de pensar em repartir aquele excesso de produção, favorecendo
os irmãos, lembrou-se apenas de si mesmo, mandando construir
armazéns maiores para assim guardar tudo só para ele. E o rico
pensa consigo: tenho o suficiente para viver folgado por muitos anos,
aproveitando a vida. Porém, ele não é dono da própria vida, que a
Deus pertence, e por isso de nada adiantará o seu esforço egoísta.
Meus amigos, essa parábola é por demais robusta, ela nos convida a
refletir sobre o modo como estamos administrando os nossos bens, se
estamos utilizando-os a serviço dos irmãos ou se estamos
escondendo-os para o nosso único benefício. A ilusão de ter sempre
mais facilmente escurece a razoabilidade da existência e afasta as
pessoas, ao invés de aproximá-las. A prática generalizada da
violência urbana, que amedronta diariamente a todos nós, decorre
dessa tentação de ter muito, ter sempre mais e, de preferência,
ter sem ser necessário fazer esforço, sem precisar trabalhar, de
forma rápida para ser esbanjado mais rapidamente ainda.
E Cristo complementa o
exemplo com a advertência: quem ajunta tesouros para si mesmo não é
rico diante de Deus (Le 12, 21). Essa é uma expressão sinônima
daquela outra que está no sermão da montanha, referente aos pobres
de espírito. Está na mesma sintonia daquele outro desafio feito ao
jovem que queria seguir a Cristo, mas tinha muitos bens e foi instado
a livrar-se deles, mas não aceitou a oferta. Tem uma lição análoga
àquela metafórica separação dos que ficam à esquerda e dos que
ficam à direita, quando aqueles reclamam: quando foi que Te vimos
com fome, ou com sede, ou maltrapilho e não Te atendemos? Quem
procede igual ao fazendeiro da parábola narrada hoje não é capaz
de reconhecer a figura de Cristo na pessoa do irmão necessitado. E
recordando mais uma vez as eloquentes palavras do Seráfico Papa, na
sua visita ao Brasil, certo diz ele disse algo mais ou menos com
essas palavras: um cristão pode estar sempre na Igreja, participar
dos sacramentos, colaborar no dízimo, rezar o terço mariano todos
os dias e, ao morrer, ir para o inferno, porque estar na Igreja não
significa necessariamente estar em Cristo. Meus amigos, eu achei essa
dicção do Papa um primor de catequese, em linguagem simples e
profundamente teológica. Tem tudo a ver com a frase do evangelho de
Lucas: quem ajunta tesouros para si não é rico diante de Deus.
Estar na igreja é viver burocraticamente a religião, cumprir a
obrigação por mera convenção social, realizar práticas
devocionais apenas na aparência, que não brotam do íntimo da
pessoa. Estar em Cristo é levar essas atitudes para a vida concreta,
no trato diário com os familiares, com os do seu nível, com os seus
subordinados, com o irmão necessitado que vem em busca de auxílio.
Obviamente, estar na igreja deveria ser uma consequência de estar em
Cristo, e vice versa, no entanto, essa não é uma correspondência
automática, ela deve ser buscada e aperfeiçoada em cada gesto e em
cada atitude. Foi nesse mesmo sentido que, em ocasião anterior, o
mesmo Seráfico Papa havia dito (e isso causou furor na Cúria) que
um ateu praticante do bem também obtém a salvação, por ser rico
diante de Deus, o que alguns cristãos não conseguem ser.
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