COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 24º DOMINGO COMUM – A LÓGICA DE DEUS – 15.09.2013
Caros Confrades,
Na liturgia deste
domingo, aqui na Paróquia da Glória, todas as celebrações foram
voltadas para o tema do dízimo, como forma de incentivar os fiéis a
participarem da contribuição para a manutenção do culto e das
atividades assistenciais prestadas. Esta prática milenar dentro da
Igreja passou tempos desativada, sendo substituída pela fórmula das
espórtulas, como se as pessoas estivessem pagando pelos sacramentos.
Sabemos o quanto isso já provocou terríveis questões históricas.
As paróquias agora estão tentando tornar-se autossuficientes com a
contribuição genérica dos fiéis, ao invés daquele “pagamento”
por serviços prestados. O Pároco afirmou que nesta Paróquia assim
acontece.
Nas leituras do 24º
domingo comum, sobressai o tema da misericórdia divina. O discurso
do Papa aos peregrinos em Roma, na oração do ângelus deste
domingo, concentrou-se nesse assunto, afirmando ele que a alegria de
Deus é perdoar. Isso me fez lembrar daquele oráculo do profeta
Isaías, quando disse sobre Javeh que “os meus pensamentos não são
os vossos pensamentos” (Is 55, 8), querendo dizer que a lógica de
Deus é diferente da nossa. Para nós, seres humanos, perdoar nunca é
uma alegria, ao contrário, o perdão é uma atitude dolorosa, que
mesmo quando é exercitada, deixa uma sensação estranha de que algo
está faltando. Precisamos evoluir muito para compreender essa lógica
do perdão e mais ainda para conseguirmos pô-la na prática.
Na primeira leitura, do
livro do Exodo (32, 7), Javeh se enfurece com os hebreus, que O
substituiram por um bezerro de ouro e, na sua ira, quer exterminar o
povo, mas recua dessa pretensão ante as ponderações de Moisés. Se
observarmos bem, temos aí dois comportamentos bem curiosos e
atípicos. De um lado, a figura de um Javeh irado e violento, bem
diferente do Pai que Jesus veio revelar na sua pregação. Para os
hebreus, Javeh aparecia sempre como um chefe
raivoso, com o chicote na mão, mas mesmo assim, o povo não evitava
desobedecê-lo, era preciso que os profetas estivessem, a todo
momento, recordando a promessa e o compromisso. Mas, por outro lado,
Javeh aparece também como manso e compassivo, dando ouvidos aos
argumentos de Moisés. Chega a ser um comportamento contraditório,
pois Javeh, o todo poderoso, acima do qual não existe nenhum, no
entanto, amolece diante de um subordinado. É uma lógica totalmente
diferente da nossa, como bem explicou o profeta Isaías.
Na
segunda leitura, da carta a Timóteo (1, 12), Paulo se penitencia por
ter sido perseguidor da Igreja e agradece a misericórdia de Cristo,
que o escolheu para aquela missão. E diz: eu encontrei misericórdia
porque agia com a ignorância de quem não tem fé, para em seguida
se classificar como o pior de todos os pecadores, aquele que está na
cabeceira da fila. Do mesmo modo como Javeh, no Antigo Testamento,
teve misericórdia para com o povo pecador, Cristo teve misericórdia
para com ele, Paulo, para demonstrar a grandeza do Seu coração.
Paulo tenta explicar, com outras palavras, a mesma lição de Isaías
acerca dos pensamentos de Deus, que não seguem a lógica humana.
Porém,
o exemplo mais perfeito dessa lógica diferenciada está no evangelho
de Lucas (15, 1-32), em especial naquela conhecida história do filho
esbanjador. Os fariseus eram os tais que não conseguiam entender o
comportamento de Jesus, totalmente diferente da lógica deles. Como é
que Jesus, sendo filho de Deus (como se auto apresentava), ia
reunir-se com os publicanos e pecadores? Dentro da compreensão
judaica, publicanos e prostitutas eram pecadores públicos, ou seja,
todo mundo peca, mas faz isso sigilosamente, de modo que as outras
pessoas não ficam sabendo. Mas os publicanos e as prostitutas fazem
isso abertamente, sem se incomodar que os outros saibam disso. As
prostitutas, pela prática aberta da sexualidade, que sempre foi um
tabu entre os hebreus e até o cristianismo, por muito tempo, também
ensinava que o sexo existia apenas para a finalidade procriativa, não
com finalidade recreativa. Os publicanos, pela natureza do seu ofício
de cobrador de impostos, eram pessoas reconhecidamente corruptas,
mesmo aqueles que não recebiam propinas mas arrecadavam apenas o
percentual regular, porque eles tiravam o dinheiro do povo hebreu
para beneficiar o invasor romano. Só isso já era o suficiente para
eles serem considerados pecadores públicos. Para
os judeus, o ato de tocar fisicamente nessas pessoas os deixava
impuros, era necessário fazer as abluções rituais, a fim de
purificarem-se. O simples fato de estar com essas pessoas no mesmo
ambiente físico, mesmo que involuntariamente, era também causa de
impureza, havendo a necessidade das abluções purificadoras. Apesar
disso, Jesus se reunia com esse povo, comia com eles, conversava sem
qualquer cerimônia, os fariseus não entendiam como é que alguém,
que se dizia cumpridor da lei, agisse assim. Sabendo do que se
passava nos seus pensamentos, Jesus passou a contar as parábolas
conhecidas como “da misericórdia”, que relatam a alegria pela
recuperação de algo perdido (a ovelha, a moeda) ou de alguém que
havia se perdido (o filho inconsequente). Jesus estava dizendo
claramente para eles que o filho obediente, que se considerava justo
e cumpridor dos deveres, eram eles próprios, os fariseus. Mas isso
era muito difícil para eles compreenderem, e assim como aconteceu
com eles,
muitas vezes também os nossos pensamentos se
embotam e nos impedem de descobrir o verdadeiro sentido das ações
de Deus na nossa vida.
Pois
bem. Não irei repetir aqui a história do filho aventureiro, porque
todos a conhecem bem. Quero concentrar-me no diálogo entre o pai e o
filho resmungão, porque encontramos ali dois padrões de pensamento
completamente antagônicos. O filho mais velho não gostou nada
daquela festa e passou na cara do pai: Tu
nunca me deste nem um cabrito para eu festejar com meus amigos.
“Quando
chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas
para ele o novilho cevado'.”
Vejam bem: ele não disse “quando
chegou esse
meu irmão”, disse “esse teu filho”, ou seja, não reconhecia
aquele viajante como seu irmão, da mesma forma como os fariseus não
reconheciam os publicanos e pecadores como irmãos deles. Mas o pai,
em suprema compreensibilidade,
não recriminou a raiva do filho mais velho e lhe respondeu: “era
preciso festejar e alegrar-nos, porque este
teu irmão
estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado'.”
Por outras palavras: foi o teu irmão que retornou, isso já é
motivo bastante para alegria.
Se
nós observarmos pelo aspecto da lógica humana, o pai estava sendo
injusto, porque afinal o filho mais novo havia recebido a parte dele
na herança e, teoricamente, havia renunciado a tudo mais. Do ponto
de vista estritamente jurídico, ele não tinha mais direito a nada
da parte do pai. Foi nesse sentido o raciocínio do irmão mais
velho: ele já recebeu a parte dele e ainda voltou pra levar mais,
aquela parte que me pertence, eu estou sendo injustiçado. Era mais
ou menos assim que os fariseus se sentiam, em relação aos pecadores
(pois fariseus
não
eram pecadores, e sim observantes da lei). Esses pecadores se
refestelam com coisas que eles (fariseus) renunciam em nome da lei,
beneficiam-se das coisas erradas e depois vêm querer se beneficiar
também das promessas contidas na lei, que eles não cumprem.
Se
observarmos agora pelo aspecto da lógica daquele pai misericordioso,
a totalidade dos bens materiais passou a ter um valor insignificante
diante do arrependimento do filho pecador. A parcela dos bens que ele
recebeu e esbanjou não tem comparação com o seu reencontro, com a
mudança que se operou na sua personalidade. É uma mensagem
semelhante àquela que está também em Lucas (7, 6), a respeito da
pecadora que beijava os pés de Jesus na casa de outro fariseu: muito
lhe foi perdoado porque muito amou. Aqui nos lembramos do discurso do
Papa aos peregrinos: a alegria de Deus é perdoar. Para aquele pai
que recuperou o filho, a alegria do seu retorno é infinitamente
superior ao valor material dos bens que ele desperdiçou. O fato de
ele ter retornado já demonstra o grau de arrependimento e de amor
que lhe passava na alma. “Eu não sou digno de ser chamado de teu
filho, trata-me como um de teus empregados...”, que conversa mais
besta, pensou o pai, o teu retorno é o que de fato interessa.
Meus
amigos, precisamos nos acautelar para não fazermos igual aos
fariseus, quando estamos em situação de aparente superioridade em
relação a alguém. Não devemos repetir como o filho mal criado
“esse teu filho”, mas devemos imitar a resposta do pai “esse
teu irmão”... O irmão necessitado que nos procura deve ser para
nós motivo de alegria, pela oportunidade que temos de praticar o
bem.
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