COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 25º DOMINGO COMUM – BONS E MAUS ADMINISTRADORES – 22.09.2013
Caros Confrades:
As
leituras selecionadas para a liturgia deste 25º domingo comum
colocam para a nossa reflexão um tema muito atual e preocupante: a
honestidade dos administradores, daqueles que dirigem a sociedade. Em
tempo de mensalão, de protestos e de constante presença na mídia,
a probidade dos administradores nunca tinha sido tão discutida e
vigiada na na sociedade brasileira. E não apenas na esfera pública,
mas também na atividade privada, saber administrar os bens materiais
é um critério para reconhecimento do verdadeiro cristão.
Na
primeira leitura, retirada do livro do Profeta Amós, observa-se o
puxão de orelhas que ele faz com aqueles que oprimem os pobres com o
dinheiro, diminuindo medidas, aumentando o preço, fraudando
balanças. Tudo isso para vender a mercadoria por um melhor preço e
assim obter maiores lucros. Lembremo-nos de que, naquele tempo, ainda
não havia o capitalismo nem o comunismo, nem a economia de mercado
nem a globalização, mas o sistema comercial arcaico, fundado em
grande parte na prática do escambo. O dinheiro circulante ainda era
escasso e compunha-se de moedas do verdadeiro metal (ouro, prata,
cobre), ou seja, com valor real e não apenas simbólico, como se
tornou a partir do mercantilismo, no século XVI. De todo modo, já
se praticavam técnicas reprováveis de fraudar balanças, diminuir
medidas, inflacionar o preço para conseguir lucrar sempre mais.
Lembremo-nos também de que, desde essa época, a cobrança de juros,
denominada de usura, era considerada injusta e Cristo também
reprovou isso, o que continuou mais tarde no cristianismo medieval,
quando essa prática era proibida de ser feita pelos cristãos.
Portanto, desde os tempos do Profeta Amós, cerca de 800 anos antes
de Cristo, a cobiça dos governantes já era alvo de reprovação
pelos arautos de Javeh. Mesmo entre os romanos, que não seguiam a
tradição hebraica e antes do cristianismo, a cobrança de juros só
era lícita nos negócios com estrangeiros, sendo proibida quando as
transações ocorriam entre cidadãos. No livro de Amós, o profeta
condena a injustiça social e a exploração gananciosa dos mais
humildes. Fazendo-se as contas, podemos avaliar há quanto tempo esse
tipo de prática vem sendo condenada e apesar disso nunca deixou de
ser repetida.
Na
segunda leitura, retirada da carta de Paulo a Timóteo, o Apóstolo
exorta à comunidade para que reze pelos administradores, pelos
governantes, pelos que ocupam altos cargos, pois Deus quer que todos
sejam salvos. Verifica-se, nas entrelinhas das palavras de Paulo, que
os administradores públicos eram tidos por pessoas inescrupulosas,
cuja ação não era agradável a Deus, daí porque era necessário
orar por eles, para que cheguem ao conhecimento da verdade e sejam
salvos. A preocupação de Paulo com os dirigentes da comunidade se
faz sentir na necessidade de que os cristãos que ocupam cargos
elevados devem dar exemplo aos não cristãos, para que a sua virtude
seja imitada por estes. E para que isso aconteça, é importante a
oração da comunidade em seu apoio. Naquela antiga oração que
rezávamos após a bênção do Santíssimo Sacramento, tinha um
trecho que dizia assim, depois de orar pelo Papa, pelos Bispos, pelos
administradores eclesiásticos: rezemos por todas as pessoas
constituídas em dignidade, para que governem com justiça. E os
vários documentos expedidos pelo Magistério da Igreja ao longo dos
últimos séculos, desde o Papa Leão XIII, com a encíclica Rerum
Novarum, tem dado continuidade a essa missão iniciada por Paulo no
sentido de orientar os governantes no caminho da verdadeira justiça
social. O Papa Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio (1967)
escreveu uma frase emblemática sobre a situação econômica do
final do século XX: o desenvolvimento é o novo nome da paz. A
situação das nações em relação ao desenvolvimento de cada uma é
o mecanismo de equilíbrio para a manutenção da paz mundial. De um
modo indireto, isso quer dizer que a consciência dos administradores
públicos, sobretudo dos países mais ricos, será determinante para
que todas as nações vivam em paz. E podemos ver diariamente isso,
na prática, e constatar o quanto o Papa estava com a razão.
No
evangelho de Lucas, lemos hoje a conhecida parábola do administrador
infiel. Esta parábola contém um forte paradoxo, pois ao mesmo tempo
em que Cristo elogia o comportamento do administrador inescrupuloso,
Ele está querendo nos dizer: não façam assim. No tempo de Cristo,
a
parábola
se dirigia, como na maioria das vezes, aos fariseus e aos chefes do
povo, que agiam de forma perdulária e opressora, transformando a
religião judaica num emaranhado de regras e proibições, em que a
prática exterior da religião era mais valorizada do que a
intencionalidade do crente. No evangelho de Mateus (cap 23), Cristo
faz essa mesma advertência com outras palavras, dizendo que os
fariseus atam pesadas cargas e as colocam nos ombros do povo,
enquanto eles mesmos não ajudam nem com o dedo para aliviar o peso.
Noutro contexto, vemos repetida aí a mesma reprovação feita pelo
Profeta Amós contra os administradores do tempo dele. E podemos
encontrar semelhante atitude de reprovação no episódio em que
Jesus expulsa do templo aqueles que vendiam rolinhas e carneiros para
o sacrifício, chicoteando-os e quebrando suas bancas. Vós não
podeis servir a Deus e ao dinheiro, diz o evangelista Lucas (16, 13).
Apesar
dessa atitude de reprovação, Jesus utiliza o argumento do
raciocínio inverso para elogiar o mau administrador, destacando a
sua criatividade e inteligência: os filhos das trevas são mais
hábeis nos seus negócios do que os filhos da luz (Lc 16, 8). E diz
mais: usai o dinheiro injusto para fazer o bem... pois se não fordes
fiéis no uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro
bem? (Lc 16, 9-11). Jesus está contrapondo as coisas da terra
(dinheiro injusto) com as coisas do céu (verdadeiro bem). Aquele que
possui bens materiais e/ou desfruta de poder social tem em mãos um
'dinheiro injusto', porque toda acumulação de bens nas mãos de
alguém é resultado da falta daqueles bens nas mãos de outrem.
Contudo, isso não é de todo mau, desde que a administração desses
bens injustos esteja voltada para a satisfação das necessidades dos
irmãos carentes. Este é o grande desafio que se põe para o cristão
que administra bens particulares ou públicos. Jesus sabia que a
sociedade sempre seria desigual, quando ele disse em João (12, 8):
pobres sempre tereis entre vós. Ele sabia que nem a continuidade da
sua doutrina iria acabar com as desigualdades sociais entre as
pessoas e que isso não seria empecilho para que os cristãos
tivessem em suas mãos a responsabilidade de administrar bens
materiais. Daí Ele diz em Lucas (16, 8) que o dono do negócio
elogiou a esperteza do seu administrador. Deus quer que nós tenhamos
essa mesma esperteza não para sermos maus administradores, mas para
que saibamos, mesmo quando temos em mãos o dinheiro injusto,
utilizá-lo com sabedoria e disponibilizá-lo em benefício dos
pobres da comunidade.
A
advertência de que “ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro”
não significa que existe uma incompatibilidade absoluta entre amar a
Deus e administrar bens materiais, mas sim que o amor a Deus não
pode competir com o amor desses bens, ou seja, o amor a Deus não
pode ter concorrência. Vemos aqui a lição do desapego ou da
pobreza de espírito, a que Jesus se refere no Sermão da Montanha. A
propriedade e a administração de bens materiais não deve nos
desviar do amor a Deus, mas sim fazer-nos amá-lo ainda mais e isso
ocorre quando os bens possuídos são postos a serviço da caridade e
do amor ao próximo. Aquele cujo Deus é a riqueza ou o poder, este
sim estará desvirtuando os bens recebidos e colocando-os a serviço
do próprio egoísmo, tal como fez o mau administrador. Podemos
dizer, em resumo, que a diferença entre o bom e o mau administrador
está sintetizada naquele critério que Jesus já ensinara aos
apóstolos e a todos nós, através da palavra do evangelista Mateus
(6, 21): porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o
vosso coração. Se o nosso tesouro estiver em Deus, o nosso coração
não se apegará ao dinheiro injusto, mas nós saberemos utilizá-lo
e administrá-lo para fazer amigos que nos receberão, depois, na
morada eterna.
Que assim
saibamos compreender a esperteza dos filhos deste mundo para
conseguirmos colocá-la em prática no exercício da nossa fé.
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