domingo, 3 de agosto de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 18º DOMINGO COMUM - COMPAIXÃO E PARTILHA - 03.08.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 18º DOMINGO COMUM – COMPAIXÃO E PARTILHA – 03.08.2014

Caros Confrades,

A liturgia do 18º domingo do tempo comum nos traz um eloquente exemplo de Cristo aos seus discípulos ensinando-os a solidariedade, que deve estar à frente do egoismo, realizando o milagre da partilha, através da multiplicação dos pães. Neste domingo, o Papa Francisco fez um sermão bem interessante, na sua missa matutina, o qual eu seguirei para ilustrar o presente comentário.

Temos, na primeira leitura, um trecho do livro do profeta Isaías (DeuteroIsaías – 55, 1-3), pelo qual o autor exorta os hebreus que estão no exílio, para que não percam a esperança de que eles terão dias de fartura e prosperidade, nos quais mesmo aqueles que não tiverem dinheiro poderão ter comida e bebida abundante e sem pagar. Sempre com muita precisão de detalhes, a profecia de Isaías antecipa ações que serão realizadas futuramente pelo Messias. Podemos ver, nessa imagem simbólica do Profeta aos hebreus cativos “vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga” uma previsão dos diversos milagres de Cristo, através dos quais Ele propiciou alimento miraculoso aos que O seguiam e ouviam seus ensinamentos. O alimento abundante e gratuito objeto da descrição do profeta Isaías, é uma prefiguração da Eucarista, o pão da vida, que é muito mais vigoroso do que qualquer alimento que traz deleite e revigoramento para o corpo. O Profeta animava os cativos sem esperança, avisando-lhes de que a libertação estava próxima e uma nova vida os esperava, o que de fato aconteceu pouco tempo depois.

Apenas para lembrar aos leitores que os capítulos do livro de Isaías, a partir do cap 45, não foram escrito pelo próprio Profeta, mas por seus discípulos, após a morte daquele. Por isso, chama-se essa parte de DeuteroIsaías (o segundo Isaías). Chegou-se a essa conclusão porque nesses capítulos o texto se refere a acontecimentos sucedidos após a morte do Profeta e, portanto, não podem ter sido comentados por ele. Mesmo assim, a Igreja Católica e as demais instituições cristãs reconhecem a autenticidade desses capítulos como se fossem do próprio profeta Isaías, sem fazer diferença de conteúdo em relação aos capítulos anteriores.

Na segunda leitura, da carta aos Romanos (35, 37-39), o apóstolo Paulo exalta o amor de Cristo, que está acima e além de qualquer força terrena, por mais vigorosa que esta seja. Nem mesmo a morte ou os poderes celestiais podem afastar a intensidade com que Cristo nos amou. São Paulo pregou o evangelho em Roma numa época de grande academicismo, isto é, num tempo em que a influência da cultura grega era forte entre os romanos e o Apóstolo se dirigia à classe culta romana, na qual ele tinha muitos amigos e seguidores do cristianismo. Esses romanos ricos e poderosos muitas vezes ocultavam sua simpatia pela fé cristã, com receio de represálias por parte da sociedade pagã, sobretudo nos períodos de perseguição. Por isso, o apóstolo Paulo os exorta dizendo que nenhuma força, por mais poderosa que seja, poderá nos afastar do amor de Deus, que se manifestou para nós em Jesus Cristo. Nem a perseguição, nem o perigo, nem a espada, nem as tribulações, o amor de Cristo se coloca acima de tudo isso, perpassa todas as dificuldades.

Podemos encontrar um eco dessas palavras de Paulo no evangelho de Mateus (14, 13-21), quando ele diz que Jesus teve compaixão daquela multidão que estivera o dia inteiro a escutá-Lo. Diz o evangelista que Jesus “encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes.” (v. 14) É importante fazer um esclarecimento da palavra “compaixão” nesse contexto, para não misturarmos com o sentido vulgar dessa palavra no nosso idioma, que significa ter pena, ter dó de alguém. No texto latino da vulgata, S. Jerônimo escreveu que Jesus “misertus est”, isto é, teve misericórdia, e no texto grego, o verbo é “eleeô”, que tem a mesma raiz da palavra “esmola” e significa compadecer-se, ajudar. Pois bem, a palavra “compaixão” vem do verbo “compadecer”, que pode ser desdobrado em “padecer+com”, ou seja, sofrer junto com alguém. Portanto, a palavra “compaixão” tem aqui o sentido de solidariedade, não é apenas ficar lastimando “oh, coitadinho”, mas é partilhar de verdade o sentimento de alguém. O Seráfico Papa, no seu sermão da missa de hoje, explicou assim o sentido dessa palavra: “compaixão - o que sente Jesus - não é simplesmente sentir pena; é mais! Significa com-patire, ou seja, identificar-se com o sofrimento dos outros, a ponto de sofrê-los também. Assim é Jesus: sofre conosco, sofre junto conosco, sofre por nós. E o sinal dessa compaixão são as muitas curas realizadas por ele. Jesus nos ensina a colocar as necessidades dos pobres antes das nossas. As nossas necessidades, embora legítimas, não serão nunca urgentes como aquelas dos pobres, que não têm o necessário para viver. ” Na verdade, o significado de compaixão é o oposto do egoísmo, do querer tudo para si. Ao contrário, é querer partilhar, não buscar a própria satisfação em primeiro lugar, mas buscar satisfazer-se em conjunto com o irmão necessitado.

A propósito da partilha, disse ainda o Papa: “É útil confrontar a reação dos discípulos diante das pessoas cansadas e famintas, com aquela de Jesus. São diferentes. Os discípulos pensaram que era melhor mandá-los embora, para que pudessem procurar alimento. Jesus, em vez disso, disse: dai-lhes vós mesmos de comer. Duas reações diferentes, que refletem duas lógicas opostas: os discípulos pensam de acordo com o mundo, onde cada um deve pensar em si mesmo; pensam como se dissessem: “Se virem sozinhos”. Jesus pensa com a lógica de Deus, que é aquela da partilha. Quantas vezes olhamos para o outro lado com o olhar de não ver os irmãos necessitados! E esse olhar para outro lado é um modo educado de dizer, com luvas brancas, “Se virem sozinhos”. E isso não é de Jesus: isso é egoísmo. Se tivesse mandado embora as multidões, muitas pessoas teriam ficado sem comer. Pelo contrário, aqueles poucos pães e peixes, compartilhados e abençoados por Deus, foram suficientes para todos. E atenção! Não é uma magia, é um “sinal”: um sinal que convida a ter fé em Deus, Pai providente, que não nos deixa faltar o “nosso pão de cada dia”, se nós o sabemos compartilhar como irmãos.” Achei simplesmente notável essa catequese papal e resolvi trazer para cá, porque talvez todos não tenham tido oportunidade de ler a homilia do Papa. Os discípulos, mesmo bem intencionados, pensam com a lógica do mundo: se virem para arranjar comida pra vocês. Jesus pensa com a lógica de Deus: deem vocês comida para essas pessoas. Como fazer isso? Ora, partilhando. É óbvio que um de nós isoladamente não pode fazer o milagre da partilha, isso vai depender da ação conjunta de todos. Cada cristão fazendo a sua parte, então teremos o milagre da partilha se tornando realidade no dia a dia da nossa sociedade.

Não precisa grande esforço mental para compreender que a figura dos pães e dos peixes partilhados com a multidão é uma prefiguração da eucaristia, o pão que alimenta toda a humanidade. O Papa também referiu-se à eucaristia no seu sermão: “o milagre dos pães anuncia a Eucaristia. Isto pode ser visto no gesto de Jesus que "recitou a bênção" (v. 19), antes de partir os pães e distribuí-los ao povo. É o mesmo gesto que fará Jesus na Última Ceia, quando vai instituir o memorial perpétuo do seu Sacrifício redentor. Na Eucaristia, Jesus não dá um pedaço de pão, mas o pão da vida eterna, dá a Si mesmo, oferecendo-se ao Pai por amor a nós. Mas nós temos que ir à Eucaristia com aqueles sentimentos de Jesus, ou seja, a compaixão e aquela vontade de compartilhar. Quem vai à Eucaristia sem ter compaixão dos necessitados e sem compartilhar, não se encontra bem com Jesus.” Diz o evangelista que eram cerca de cinco mil homens, afora mulheres e crianças, todos comeram e ficaram saciados e os pedaços que sobraram encheram ainda doze cestos. Vemos nesta cena uma concretização da profecia de Isaías (vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga) referida acima. O Profeta estava prognosticando os tempos messiânicos, vividos por aquela multidão de seguidores de Cristo na Galiléia e, por extensão, por nós seguidores de Cristo nos dias atuais. A todos nós é dado o pão que alimenta e sacia de forma livre e gratuita, aliás, não é totalmente gratuito, o seu pagamento é o amor de Cristo para conosco, que custou muito caro, tem um preço inestimável, mas para nós é totalmente entregue, desde que nós tenhamos no coração essa mesma moeda: o amor.

E concluo tomando emprestadas novamente as palavras do Papa: “Compaixão, partilha, Eucaristia. Este é o caminho que Jesus nos mostra neste Evangelho. Um caminho que nos leva a encarar com fraternidade as necessidades deste mundo, mas que nos leva para além deste mundo”.

OBS: A homilia papal foi distribuída pelo serviço de notícias Zenit (www.zenit.org).
***

Nenhum comentário:

Postar um comentário