domingo, 10 de agosto de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 19º DOMINGO COMUM - A FÉ VACILANTE - 10.08.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 19º DOMINGO COMUM – A FÉ VACILANTE – 10.08.2014

Caros Confrades,

A liturgia deste 19º domingo comum aborda dois extremos possíveis na nossa postura de fé: o apego exagerado à tradição, de um lado, e a fé vacilante, de outro. A primeira figura está no desabafo de Paulo, na carta aos Romanos, onde ele lamenta pela atitude rígida dos judeus, os legítimos herdeiros da promessa, que não reconheceram o Filho de Deus. A segunda figura está na fraqueza de Pedro diante do perigo, duvidando de si próprio e sucumbindo na sua vacilação. São duas situações para as quais precisamos estar atentos, porque facilmente elas nos atraem e nos iludem. A nossa fé deve estar num constante processo de crescimento e amadurecimento, superando todas as ameaças que a afligem.

Na primeira leitura, retirada do livro dos Reis (1Rs 19, 9-13), o autor sagrado nos ensina a reconhecer Deus nos acontecimentos, mostrando o exemplo do profeta Isaías. Ele subiu o monte Horeb, a fim de ter um encontro com Javeh, e pernoitava numa caverna, quando recebeu o aviso: espera lá fora, que o Senhor vai passar. Então, o profeta viu chegar um grande vendaval, mas não se abalou porque não viu o Senhor naquele vento; depois, veio um terremoto medonho, mas também não se aproximou porque não viu o Senhor no terremoto; depois, viu um fogo devastando as árvores, mas o Senhor também não estava no fogo; por fim, veio uma leve brisa, então, ele saiu para esperar a chegada de Javeh. O que devemos entender com isso? Que a ação de Deus acontece de forma suave, natural, sem alarde, mansamente. Deus não precisa fazer grande barulho para mostrar-se a nós, Ele não necessita de ser anunciado com toque de tambores ou som de cornetas, como faziam as autoridades daquele tempo, a fim de serem notados pela população. Deus age na nossa vida de forma quase imperceptível, nós precisamos estar atentos à sua presença na mais simples rotina, na mais costumeira tarefa. Isso me faz lembrar as atitudes espalhafatosas de alguns pregadores, sobretudo aqueles que aparecem nas igrejas eletrônicas, cujos canais enchem a lista das transmissões na TV aberta, caprichando nas mímicas e nos trejeitos, utilizando-se até de encenações pagas (isso já foi comprovado), com o intuito de auferirem maior credibilidade. A lição do Profeta está ali: Deus não está nesses eventos teatralizados, nesses terremotos psicológicos, nos anúncios fantasiosos. Deus está presente na simplicidade, na leveza do contato, na naturalidade do encontro pessoal. Quão proveitoso seria se todos os que buscam a Deus aprendessem a lição ensinada pelo profeta Isaías nessa leitura. Rapidamente, os ilusionistas da religião seriam desmascarados e os verdadeiros pregadores da Palavra seriam identificados.

A segunda leitura, dando continuidade à carta aos Romanos (Rm 9, 1-5), traz a queixa e o desabafo de Paulo em relação aos seus “irmãos de raça”, os judeus e mais ainda os fariseus, aquele grupo de judeus mais radicais e apegados às filigranas do texto da lei do que ao seu espírito de sabedoria. Diz ele: “Tenho no coração uma grande tristeza e uma dor contínua, a ponto de desejar ser eu mesmo segregado por Cristo em favor de meus irmãos, os de minha raça.” Paulo oferece a sua própria vida pela conversão dos judeus, para libertá-los daquele fechamento mental, que os impede de reconhecerem a verdade da Palavra de Deus humanizada em Jesus Cristo. “ A eles pertencem a filiação adotiva, a glória, as alianças, as leis, o culto, as promessas e também os patriarcas,” ou seja, eles são os chamados em primeiro lugar, os que deveriam estar na frente da fila, eles é que deveriam estar no trabalho de conversão dos gentios, no entanto, ao contrário, os gentios é que estão servindo de exemplo para eles, pela sua adesão à fé em Cristo, que eles renegam. E Paulo lamenta porque é um deles, foi educado como eles, sabe o que eles pensam, sabe o que eles esperam. Paulo pensava como eles e despertou para uma nova visão, daí a profunda dor que o Apóstolo sente pelo fato de seus irmãos de raça não serem também irmãos na fé cristã. A radicalidade da sua compreensão das escrituras impede que eles aceitem o evangelho. Eles são fiéis à sua tradição, sem dúvida, são cumpridores de suas obrigações religiosas, no entanto, fecham-se num casulo intransponível, criado por eles próprios, e ficam impossibilitados de ver os novos rumos para onde a religião caminha.

Meus amigos, esta fé enclausurada em si própria, nos dias de hoje, é ainda muito mais frequente do que se imagina. Diversos grupos se apegam ao tradicionalismo religioso e rejeitam sumariamente qualquer nova abordagem da fé. O medo da heresia, mais ainda, o medo de uma possível infidelidade e de um castigo por causa isso levam muitos católicos a refugiarem-se nas velhas práticas e nas antigas doutrinas, criando uma clausura mental de pseudo segurança, tal como os judeus ainda hoje fazem, em relação ao segundo mandamento. O receio de chamar o nome de Deus em vão é tão grave e patológico que, no lugar da palavra Javeh eles pronunciam Elohim, o Eterno, o Nome, mas não dizem Javeh, por causa da possibilidade de transgressão do segundo mandamento. Não devemos assimilar tal atitude. O nosso Deus é Amor, sua benevolência e compaixão são ilimitadas, não devemos criar obstáculos onde eles não existem. Lamentavelmente, existem em nossa Igreja clérigos e leigos submissos a essa idéia anacrônica de um Deus terrível, ameaçador, com o chicote permanentemente na mão pronto para castigar o fiel a qualquer deslize. No meu modo de entender, esses comportamentos podem ser identificados com a estreiteza religiosa dos antigos fariseus, que transformaram a lei de Moisés num conjunto de torturas físicas e mentais, que lhes obstruía o entendimento e a sensibilidade. Basta uma leitura mais atenta dos evangelhos para percebermos que não foi isso que Cristo nos ensinou.

No evangelho de Mateus (14, 22-33), vemos na imagem de Pedro a atitude oposta da fé petrificada em rígidos preceitos, isto é, a fé vacilante. Ao menor desafio, diante do menor obstáculo alguns cristãos sucumbem vítimas de suas próprias dúvidas. Se prestarmos atenção, podemos verificar na nossa própria vida situações em que agimos iguais a Pedro, vencidos pela insegurança e a incerteza daquilo em que cremos. Quando Jesus se identificou para os discípulos, andando em direção ao barco como se estivesse em terra firme, Pedro, na sua costumeira impetuosidade, disse logo: também quero fazer isso. E foi. Mas logo o vento forte se agitou contra o corpo dele e ele duvidou de si próprio. Sim, ele não duvidou de Jesus que lhe havia dito: vem! Ele duvidou da sua própria capacidade de realizar aquela tarefa extraordinária, que era pisar na água sem afundar. Era a sua fé que o mantinha flutuando. Quando ele pensou mais nos seus defeitos do que na força que Cristo havia lhe dado, então começou a afundar. Não foi a falta de fé em Cristo que se abateu sobre Pedro, mas ele duvidou de si mesmo, ele pensou que não seria capaz de fazer algo tão difícil, mesmo tendo recebido a ordem de Cristo: vem!

Meus amigos, esse comportamento de Pedro nos toca muito de perto, porque é muito possível que nós venhamos a padecer dessa mesma fraqueza, nos momentos em que somos desafiados. A fé cristã exige de nós certos compromissos que, às vezes, nós temos dúvida se poderemos levá-los adiante. O maior deles, talvez, seja o nosso compromisso de ser sal da terra e luz do mundo, isto é, de sermos exemplos para as outras pessoas. Não se acende uma luz para pô-la dentro do armário, nem se toma o sal para jogá-lo fora. Penso que nenhum de nós discorda disso e cada um se diz disposto a colocar em prática. Porém, quando somos desafiados numa situação concreta, muitas vezes agimos em desacordo com esse compromisso. Se eu critico os políticos corruptos (o que é muito comum, tanto uma coisa quanto outra, ou seja, a crítica e a corrupção), porém, eu cometo pequenos desvios de conduta social (por exemplo, avançar um sinal de trânsito, jogar papel no chão, deixar de pagar um tributo, tirar vantagem de uma situação em detrimento de alguém), fatos considerados banais para algumas pessoas, então eu estou fazendo igualmente a Pedro, isto é, estou fraquejando na minha fé, estou sendo incoerente na minha crítica aos que agem desonestamente. A nossa fé deve se manifestar não somente quando vamos à missa, quando rezamos o terço, quando pagamos o dízimo, quando ensinamos a reza aos nossos filhos, isso tudo é muito importante, sem dúvida. Contudo, mesmo nas ações mais corriqueiras do dia a dia, somos constantemente desafiados para darmos o exemplo da nossa fé e, nessas ocasiões, não podemos agir deste ou daquele modo justificando que “todo mundo faz assim”, porque o nosso compromisso de cristão é ser luz, e não sombra. Não é raro ouvirmos comentário do tipo: “fulano vive na igreja, no entanto, quando sai de lá...” Precisamos vigiar sempre, para não sucumbirmos a tal incoerência.

Deus quer de nós fidelidade sempre, não apenas no comparecimento da missa aos domingos e na participação dos sacramentos, não apenas em determinadas horas do dia ou em determinados dias da semana, mas a cada minuto de vida que Ele nos dá. Que o mergulho de Pedro nos sirva de alerta para nos mantermos firmes na nossa caminhada acima das águas turbulentas da sociedade.

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