domingo, 16 de outubro de 2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 29º DOMINGO COMUM - ORAR SEMPRE - 16.10.2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 29º DOMINGO COMUM –ORAR SEMPRE – 16.10.2016

Caros Leitores,

Neste 29º domingo comum, as leituras litúrgicas enfocam o tema da oração perseverante. Orar e orar sempre é o ensinamento de Cristo. No domingo passado, comentamos sobre a importância do agradecimento. Neste domingo, a liturgia fala da importância do pedido em forma de oração, lembrando-nos de que devemos orar sempre e sem cessar. Tal como Jesus ensinou no “Pai Nosso”, na oração devemos, em primeiro lugar, louvar e agradecer, em seguida, formular os nossos pedidos.

É bem verdade que o Pai do céu sabe das nossas necessidades, então, vem a pergunta: por que devemos pedir-lhe algo, que ele já sabe que nos falta? Qual o pai que não está sempre pronto para atender às carências dos seus filhos, mesmo sem que eles peçam? Sendo assim, porque Jesus ensina que o Pai do céu quer que sempre peçamos e de forma insistente? Pode parecer uma incoerência no ensinamento de Jesus, mas a verdade é que, embora Ele saiba das nossas necessidades, Deus quer a nossa colaboração, para que sejamos merecedores. Quando Jesus diz “orai sempre, orai sem cessar”, isso não significa ficar o dia todo de joelhos, com o terço na mão ou com um livro devocional, recitando coleções de preces das mais diversas espécies seguindo formulários já prontos, mas sim que a nossa vida toda deve ser uma oração. Nós estamos orando não apenas quando pronunciamos palavras ou quando as temos no pensamento, mas a nossa oração se expande para as nossas atividades rotineiras, quando através do nosso trabalho, dos nossos relacionamentos, estamos manifestando aos irmãos elementos concretos da nossa fé, pelo nosso testemunho de vida do evangelho. Esta é a colaboração que Deus espera de nós. Podemos ver isso nos textos litúrgicos deste domingo.

Na primeira leitura, do livro do Êxodo (17, 8-13), lemos o episódio da batalha dos hebreus com os amalecitas, contando com a participação ativa de Moisés, à distância. Enquanto as tropas lutavam, as mãos de Moisés erguidas para o céu carreavam a vitória para os israelitas; quando Moisés abaixava os braços, os amalecitas levavam vantagem. Contudo, pela idade e pelo longo tempo naquela posição, Moisés não conseguia manter os braços levantados e isso punha em risco o resultado da batalha. Então, seus auxiliares Ur e Aarão apoiaram os braços de Moisés, para que ele conseguisse mantê-los erguidos até a vitória final dos israelitas. Excluindo desse episódio o seu conteúdo violento da batalha, podemos descobrir no ato de Moisés levantar os braços uma atitude de oração, que deve ser contínua e persistente. Abaixar os braços significa fraquejar na oração, o que acontece, muitas vezes, na nossa vida de pessoas imperfeitas. Daí a necessidade que Moisés teve de ser ajudado por seus assessores. Isso significa a necessidade que nós temos de buscar apoio e solidariedade na comunidade dos irmãos. O Papa Francisco, no sermão de hoje aos peregrinos em Roma, chamou a atenção para a importância da oração compartilhada. A oração solitária tem seu valor, sem dúvida, mas para ele ser mais fortalecida, precisa de ser realizada com a comunidade. Daí a importância da liturgia, da oração comunitária, da missa, das atividades devocionais realizadas no templo. Nos momentos desta oração eclesial, os nossos braços simbólicos erguidos ao céu, tais como os de Moisés, são ajudados pela comunidade, para que as nossas forças sejam multiplicadas. Nesses momentos, ocorre uma colaboração recíproca: ao mesmo tempo em que os irmãos nos ajudam a manter os “braços erguidos”, cada um de nós também ajuda o outro no mesmo sentido. Sem deixar de reconhecer a importância da oração individual, interior, devemos também reconhecer a importância da oração comunitária, como forma de exercer uma troca recíproca de energias e um ressoar mais forte do nosso brado orante.

Na segunda leitura, prosseguindo com o texto da 2a carta de Paulo a Timóteo, que vem sendo lida já há vários domingos, temos hoje o trecho em que o Apóstolo adverte o seu discípulo sobre a leitura orante da Sagrada Escritura: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça.” (2Tim 3, 16) A oração da comunidade sempre deve ter como ponto de referência a Escritura, pois é dela que retiramos os conteúdos mais próprios para compor a nossa oração e os ensinamentos mais eficazes para se transformarem em ações na nossa vida cotidiana. É esse o sentido da liturgia da palavra, que compõe a primeira parte da celebração da missa. Além disso, a Palavra também tem o dom de aconselhar diante de situações problemáticas da vida e de repreender o nosso comportamento, quando ele se distancia daquilo que Deus quer de nós. Por isso, Paulo exorta a Timóteo: “eu te peço com insistência – proclama a palavra” (4,1), insiste, admoesta quer agrade, quer desagrade, usando de toda paciência e doutrina. As Sagradas Escrituras “têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus.” (2Tim 3, 15) Mais do que simplesmente ler a Bíblia, deve-se meditar a Bíblia, compreender a Bíblia, esta é a oração mais produtiva para o direcionamento das nossas práticas cristãs. Eu diria que a leitura do Novo Testamento deve ser preferida, dado o seu conteúdo cristológico mais explícito.

Na leitura do evangelho de Lucas (18, 1-8), Jesus recorre à sua conhecida pedagogia das parábolas para explanar de forma bem didática a sua doutrina sobre a oração. O próprio evangelista diz que o objetivo desta parábola é demonstrar a necessidade de orar sempre e nunca esmorecer. Mas antes de adentrar nesse conteúdo, eu gostaria de destacar a figura do juiz injusto, uma contradição em si mesma. Todos sabemos que o objetivo da função do juiz é distribuir a justiça. Assim pensando, um juiz injusto seria um antijuiz. Dentro das tribulações de cada dia, é bem possível que um juiz cometa injustiças, mas certamente isso não seria intencional, ao menos, não se espera isso de nenhum juiz. Pois bem, mas prescindindo do ofício de julgar típico da sociedade organizada, podemos também considerar que nós, que não somos juízes por profissão, por vezes nos tornamos juízes das ações dos nossos irmãos, quando avaliamos e tiramos conclusões sobre o comportamento das pessoas e podemos até ofendê-las com a falta de equilíbrio nos nossos julgamentos. Se para um juiz profissional a prática de atos injustos acarreta uma autocontradição, assim também para nós, quando nos tornamos juízes inescrupulosos das atitudes do nosso próximo, estamos contradizendo o significado mais profundo da fraternidade, que deve ser a marca registrada do cristão.

Passando agora ao tema da oração sem cessar, através da parábola do juiz injusto, Jesus nos ensina que devemos orar sempre e nunca perder a confiança. A viúva retratada na parábola insistiu por muito tempo com o juiz ímprobo, pedindo que ele lhe fizesse justiça. Por fim, o juiz resolveu atendê-la, ainda que não pelo seu amor à justiça, mas ao menos para livrar-se da importunação. Daí, Jesus conclui: se até um juiz injusto, diante da insistência de uma viúva, acaba por atendê-la, quanto mais o vosso Pai do céu, que é sempre justo, nunca deixará de atender os pedidos dos seus filhos. Ou seja, Jesus destaca nesse contexto o poder da oração para fazer acontecer na nossa vida aquilo do que nós realmente necessitamos. Isso não quer dizer que devamos todos os dias pedir a Deus para acertar sozinho na mega sena, até que um dia Deus vai atender, nem que seja para se livrar da importunação. Não se trata disso, claro. O que devemos pedir na oração é para sermos pessoas melhores, para conseguirmos superar as nossas fraquezas e imperfeições, para sermos sempre fiéis à nossa vocação de cristãos. A oração de quem simplesmente pede a Deus que lhe conceda bens materiais não se enquadra no conceito de orar sempre, que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Para conseguir obter bens materiais o que é preciso é ter disposição para trabalhar com afinco e dedicação na sua labuta profissional e, aí sim, vamos pedir a Deus que abençoe o nosso trabalho, para que os seus frutos sejam férteis e se multipliquem.

Uma prática devocional que é muito corriqueira no meio do nosso povo é “fazer promessas” aos santos para obter isso e aquilo. É uma espécie de “comércio” sagrado: dá-me isso que eu te darei aquilo. Certamente, não é esse o modelo de oração que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Tal como no caso de Moisés com os braços elevados ou no caso da viúva que insistia perante o juiz, o que Deus espera de nós é que façamos a nossa parte. Não se trata de desafiar Deus com uma promessa, pois Deus não precisa de nenhum favor nosso, ao contrário, nós é que precisamos dos favores divinos. Não se trata de fazer o pedido e ficar com os braços cruzados, esperando que um milagre aconteça simplesmente. O milagre vai acontecer se nós fizermos a nossa parte com fé, seriedade, sinceridade e persistência. O milagre vai acontecer na proporção do tamanho da nossa fé, da qual a oração deve ser a fiel expressão.

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