domingo, 9 de outubro de 2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 28º DOMINGO COMUM - A SOLIDARIEDADE - 09.10.2016

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 28º DOMINGO COMUM – A SOLIDARIEDADE – 09.10.2016

Caros Leitores,

Neste 28º domingo comum, as leituras da liturgia estão sintonizadas com o tema do atual ano da misericórdia, instituído pelo Papa, enfocando a solidariedade com os sofredores. Compadecer-se e emprestar apoio às pessoas que passam por dificuldades ou necessidades é uma das obras de misericórdia ensinadas no catecismo. E, ao mesmo tempo, devemos nos lembrar de agradecer os favores recebidos e sentir a felicidade de poder ser útil aos irmãos, porque a vida de cada dia é uma grande dádiva que Deus nos concede a cada amanhecer.

Na primeira leitura, do segundo livro dos Reis (5, 14-17), lemos o episódio da cura de um estrangeiro, o sírio Naaman. O profeta Eliseu compadeceu-se daquele homem enfermo, que veio de um país distante pedir ajuda e, através do seu dom profético, receitou-lhe um “plano de cura”, demonstrando com isso que Javeh é Deus não apenas dos hebreus, mas também dos povos estrangeiros. A misericórdia de Deus não alcança apenas aqueles que o louvam e lhe oferecem sacrifícios, mas a todas as pessoas de coração sincero. Naaman representa todas as raças e nações que não nasceram sob o signo da aliança com Javeh, ou seja, ele é um exemplo precoce da nossa situação de cristãos, que não somos descendentes dos povos da aliança, no entanto, estamos todos alcançados por ela.

Duas particularidades chamam a nossa atenção no episódio da cura de Naaman. Primeiro, o fato de ele não ter acreditado de início. Na leitura de hoje, não há esse trecho, mas nos versículos anteriores, o autor sagrado narra que Naaman teria se recusado, quando o profeta Eliseu mandou que ele fosse tomar banho sete vezes no rio Jordão. Ora, disse ele, na minha terra há rios de águas mais límpidas e cristalinas, porque tenho eu de tomar banho nesse rio sujo daqui? Foi quando um servo ponderado o repreendeu: se o profeta tivesse mandado fazer algo difícil, tu farias, então por que não fazes isso, que é tão fácil? Naaman, que era uma pessoa sensata, compreendeu e obedeceu. E por que sete banhos? Porque Deus, quando faz sozinho as coisas para nós, ele quer a nossa participação, não entrega o objeto já pronto. Naaman precisou cumprir os sete banhos para, no final, ficar sarado. Se ele não tivesse colaborado com a sua parte integralmente, banhando-se as sete vezes, a cura não teria ocorrido. Nós também precisamos fazer a nossa parte completamente, para ficarmos em condições de receber a misericórdia divina.

A segunda particularidade que destacarei no episódio de Naaman é o seu agradecimento. Tão logo percebeu que estava curado, ele retornou ao profeta Eliseu para agradecer. Na verdade, ele queria pagar pela cura e o profeta recusou-se totalmente a receber qualquer pagamento. Os dons de Deus não estão à venda, não são objeto de comércio. Naaman tinha a mentalidade pagã de que a divindade deve ser agraciada com bens em troca dos favores recebidos. Mas o profeta fê-lo perceber que a cura dele foi uma manifestação da solidariedade de Javeh para com o sofrimento dele, mesmo não sendo ele um dos seus fiéis. Em agradecimento, Naaman levou consigo uma porção da terra de Israel, para que pudesse louvar a Javeh em sua terra distante, fazendo um altar com aquele material. Sem esquecer ainda que o banho miraculoso de Naaman no rio Jordão foi uma antecipação do batismo de Jesus, que ocorreria naquele mesmo rio, séculos depois. Foi como se o profeta Eliseu estivesse antecipando o que seria a pregação futura de João Batista naquele local.

Na segunda leitura, prosseguindo a carta a Timóteo que vem sendo lida nesses últimos domingos, o apóstolo Paulo, sofrendo as agruras da prisão por causa do evangelho, busca a solidariedade do discípulo no seu infortúnio, destacando a fidelidade de Deus, mesmo quando nós somos infiéis a ele (2Tim 2, 13). Certamente, Paulo temia que a prisão dele pudesse arrefecer os ânimos dos cristãos que ele convertera e era necessário que o ânimo de todos não se abatesse. E se ele não podia, naquelas circunstâncias, continuar pregando a palavra, era dever de Timóteo e de todos os fiéis fazê-lo. As orações da comunidade e os relatos do seu testemunho de “suportar qualquer coisa pelos eleitos, para que eles também alcancem a salvação, que está em Cristo Jesus” eram uma demonstração de solidariedade recíproca: do Apóstolo e dos discípulos dele.

Na leitura do evangelho de Lucas (17,11-19), temos aquele conhecido episódio da cura dos dez leprosos, dos quais apenas um retornou para agradecer. E Jesus cobra essa desatenção perante a comunidade que assistiu ao retorno daquele estrangeiro agradecido. Convém recordar que a lepra era, desde tempos remotos e até tempos recentes, uma moléstia segregativa. Os doentes eram obrigados a sair da cidade e viver à distância, às margens das estradas, única forma que tinham para não morrerem de fome, já que também não podiam trabalhar. Na sua caminhada para Jerusalém, Jesus deve ter encontrado vários grupos deles, assim como todos os viajantes encontravam e, em geral, os socorriam com bens materiais. Mas no caso do episódio narrado pelo evangelista, eles queriam do viajante Jesus algo mais valioso do que o alimento: a cura. As notícias sobre o poder de Jesus corriam de boca em boca, impossível não saber de quem se tratava naquela comitiva passante. O evangelista não menciona o nome de nenhum dos dez enfermos curados, nem mesmo daquele que retornou para agradecer, porque o seu intuito era destacar a solidariedade de Jesus para com os sofredores, inclusive com os estrangeiros, pois a misericórdia divina não se destina apenas a um grupo de eleitos, mas a todos os povos. No caso específico, o fato de somente um samaritano ter retornado para agradecer possui um simbolismo especial. Para os hebreus, samaritano era mais do que um estrangeiro, era um inimigo. O destaque que Jesus dá ao samaritano, assim como aos estrangeiros em geral, significa que todas as pessoas de boa vontade, mesmo não pertencendo ao “povo da aliança”, têm garantida a solidariedade divina.

O agradecimento demonstrado pelo leproso samaritano curado, posto em evidência por Jesus, nos proporciona diversas lições. Primeiro, que sempre devemos nos lembrar de agradecer. Não é que Jesus precisasse daquele agradecimento, porque ele sempre fez tudo de forma absolutamente gratuita e às vezes até proibia que as pessoas saíssem falando a respeito dele. Portanto, o elogio pelo agradecimento daquele que retornou, e ao mesmo tempo a crítica pelos que não retornaram, não significa que Jesus quisesse isso, esperasse por isso, mas vem nos ensinar que devemos ser agradecidos com os que nos são solidários. Segundo, tal como no caso de Naaman, Jesus também não curou os dez leprosos imediatamente, mas mandou que antes eles fizessem alguma coisa, no caso, mandou que eles fossem se apresentar ao sacerdote. E, enquanto caminhavam, eles observaram que estavam curados. Novamente aqui está presente a mesma lição de que, para recebermos as graças divinas, nós precisamos fazer a nossa parte e não ficarmos de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam automaticamente. Terceiro, Jesus chamou a atenção para os outros nove curados, que eram hebreus e, tal como os fariseus, tinham o coração insensível, eram incapazes de reconhecer os favores recebidos e de saber agradecer por eles. Já o samaritano, que era odiado pelos hebreus, soube demonstrar o reconhecimento que os outros não tiveram. E Jesus louva a fé daquele estrangeiro, pois for por ela que ficou curado. Não só neste caso, mas em diversos outros momentos, Jesus sempre repetiu o mesmo bordão: vai em paz, a tua fé te salvou.

Meus amigos, se nós nos acostumarmos a observar os acontecimentos do dia a dia, iremos enxergar que Deus nos cumula de favores a todo momento, até mesmo sem que nós mereçamos ou peçamos. Deus é sempre solidário conosco, pedindo de nós o mesmo espírito de solidariedade para com os irmãos, especialmente os mais necessitados. Ser solidário significa fornecer ajuda sem nenhum interesse. O exemplo do profeta Eliseu ao recusar o presente oferecido por Naaman nos indica a conduta correta a ser seguida, quando Deus se serve de nós para prestar auxílio a alguém: os dons divinos não são mercadorias, são recebidos de graça e são distribuídos gratuitamente. E a atitude de Jesus, ante aquele samaritano agradecido, prostrado aos pés dele em pose de subserviência, é também significativa e modelar: levanta-te e vai em paz, foi a tua fé que te salvou. Quando nós prestamos a solidariedade a alguém, estamos agindo como intermediários dos dons divinos e aquelas pessoas beneficiadas nada nos devem, nem um favor. Na verdade, nós é que estamos retribuindo, porque fomos antes favorecidos.

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