COMENTÁRIO LITÚRGICO – 26º DOMINGO
COMUM – OBEDIÊNCIA E HUMILDADE– 01.10.2017
Caros Leitores,
A liturgia deste domingo deste 26º
domingo comum põe no foco a parábola narrada por Jesus acerca dos
dois filhos, simbolizando os fariseus e os pecadores, destacando que
obedecer não significa cumprir formalmente a lei, mas vivê-la no
seu coração. O próprio Cristo nos deu o mais perfeito exemplo da
obediência, conforme nos lembra o apóstolo Paulo, quando Ele deixou
de lado sua condição divina e assumiu a nossa humanidade,
humilhando-se até a morte, tudo para cumprir com fidelidade o plano
do Pai.
A primeira leitura é retirada do
Profeta Ezequiel, que chama a atenção para a conduta de acordo com
a justiça, como garantia de uma vida longa. É importante lembrar
que Ezequiel profetizou no tempo do exílio da Babilônia junto aos
exilados. Ele era também um deles. Javeh permitiu que o povo hebreu
sofresse essa imensa humilhação de ser levado cativo para uma terra
estrangeira, por causa da desobediência à aliança, porque
abandonaram a promessa dos Patriarcas, porque trocaram Javeh pelos
ídolos e a lei pela vida luxuosa. O Profeta adverte:
“Quando
um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa
do mal praticado que ele morre.” (Ez
18, 26)
Era isso que havia
acontecido ao povo hebreu: desviara-se da justiça, por isso estava
no cativeiro. Todos tinham fé em que Javeh não iria deixar o seu
povo para sempre cativo. No entanto, o Profeta foi enviado para
anunciar que a libertação só ocorrerá quando eles se converterem
e se humilharem, isto é, abandonarem a vida de desobediência e
retornarem para o projeto de Javeh. O estilo de Ezequel é cheio de
imagens fortes, pelas quais ele busca sensibilizar o povo. É muito
conhecida a profecia dele no cap. 36, 26: “tirarei do vosso peito
o coração de pedra, e vos darei um coração de carne ”
O coração do povo estava petrificado e essa era a missão do
profeta: amolecer-lhes o coração. Não é certeza que Ezequiel
tenha retornado do exílio, pois não são conhecidos os detalhes da
sua morte. No entanto, a sua missão profética foi decisiva e seu
trabalho foi completado pelos seus discípulos.
Na
segunda leitura, retirada da carta de Paulo aos Filipenses, lemos
aquela conhecida e nem sempre bem
compreendida
passagem em que ele diz que Cristo
não se prevaleceu
do fato de ser igual a Deus, isto é, não quis ter nenhum
privilégio. A
tradução
da CNBB, já
tive oportunidade de comentar isso alhures,
é infeliz porque fala em “usurpação”, abrindo espaço para
entendimentos fora do contexto, no meu modesto modo de pensar. Com
efeito, Paulo está enfatizando a fidelidade de Cristo ao projeto do
Pai, fazendo-se obediente em tudo e, por isso, o Pai O
exaltou e O
colocou acima de tudo e Lhe
deu um Nome que está acima de todo nome. (Fl 2, 9) Convém sempre
lembrar que a comunidade de Filipos foi a primeira fundada por Paulo
e pela qual ele tinha uma afeição especial,
como se
quisesse tornar esta a comunidade modelo para as outras. Daí ele
dizer: “Se
existe consolação na vida em Cristo, se existe alento no mútuo
amor, se existe comunhão no Espírito, se existe ternura e
compaixão, tornai então completa a minha alegria: aspirai à mesma
coisa, unidos no mesmo amor; vivei em harmonia, procurando a unidade.
” Vê-se o cuidado que ele tinha em manter a comunidade fiel na
observância do evangelho, evitando conflitos, praticando o amor
mútuo e a comunhão fraterna. A
fidelidade ao evangelho era a melhor maneira de conservar a
obediência a Deus.
Temos
no evangelho de Mateus
(21, 28-32) outra daquelas
parábolas
de Cristo dirigidas aos fariseus, no
caso, aos sacerdotes e anciãos. Estes
se consideravam fiéis
a
Deus
porque cumpriam rigorosamente os preceitos da Lei, e
por causa disso, desprezavam os pecadores
(cobradores
de impostos e prostitutas) porque não observavam os
preceitos tanto
quanto os primeiros.
No
domingo passado, tivemos
a parábola dos trabalhadores que chegaram em horários diferentes e
todos receberam o mesmo salário, outra
indireta contra
os fariseus que se julgavam mais merecidos do que os pecadores. Aqui,
Jesus traz
para
a consideração dos líderes farisaicos uma
comparação. Um pai tinha dois filhos e mandou a ambos que fossem
trabalhar na vinha. O primeiro disse: “não vou” mas, depois,
pensou melhor e foi; o segundo disse “vou
já”, mas não foi. E aí faz a pergunta retórica e de resposta
óbvia: qual dos dois realmente obedeceu
ao pai?
Os
próprios sumos sacerdotes (fariseus) responderam corretamente, porém
não compreenderam que, novamente,
Jesus estava
contrapondo os pecadores, representados pelo filho que, a princípio,
desobedeceu ao pai, mas depois arrependeu-se e foi fazer o que o pai
mandara, com a conduta dos fariseus, representados pelo filho que
aceitou o compromisso, porém não o cumpriu. Os fariseus, além de
se considerarem automaticamente
salvos
porque obedeciam fielmente os preceitos da Lei, ainda desdenhavam dos
pecadores (cobradores de impostos, prostitutas) que estariam assim
condenados a priori. Por isso, Jesus usa um linguajar mais do que
direto: “João
veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes
nele. Ao contrário, os cobradores de impostos e as prostitutas
creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes
para crer nele”.”
(Mt 21, 32) Ora, os fariseus achavam que não tinham do que se
arrepender, pois afinal eles se consideravam puros e fiéis, eles
eram os cumpridores da lei, não os outros. O que mais admirava aos
fariseus nas
atitudes de Jesus é que Ele, em vez de ficar na sinagoga, no meio
deles, andava nas praças, nas montanhas, nas beiras dos lagos junto
com os pecadores. Ora, se eles, fariseus, eram os herdeiros da
promessa, então por que a prioridade de Jesus não fora dada a eles?
Essa foi a questão que eles nunca entenderam e
por isso não viram em Cristo
o Messias.
Meus
amigos, é
muito comum observarmos essa
atitude dos fariseus na conduta de muitos cristãos de hoje. No
comentário
anterior,
eu fiz a alusão às duas senhoras que discutiam no estacionamento da
igreja logo após a missa. Mas esse é um exemplo entre muitos,
infelizmente. Nos
ambientes internos dos diversos serviços paroquiais encontramos
cristãos que estão longe de praticarem o conselho de Paulo aos
Filipenses (2, 3): “Nada
façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um
julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é
seu, mas também do que é do outro.”
Existe
mesmo uma
competição indisfarçada, uma busca insensata pelo “poder”
dentro da comunidade, prática de bajulação como forma de
conquistar a confiança do Pároco, domínio de espaços e locais
(por ex: essa é a “minha” missa, essa
é a “minha” pastoral),
e o que é pior, chegam ao ponto de travarem discussões e agressões,
gerando um clima de rivalidade e desconfiança. Provavelmente cada um
dos leitores já se deparou com situações dessa espécie. Quanto
maior visibilidade tem a função em
referência,
maior é a disputa por ela no ambiente paroquial. Muitas vezes, a
situação se torna tão instável, a ponto de comprometer até a
permanência do próprio Pároco, porque as “conversas” chegam
até o Bispo em
forma distorcida.
Fico a imaginar que essas pessoas, se tivessem vivido no tempo de
Cristo, estariam ali gritando: solta Barrabás.
Oportuno
destacar, nesse contexto, que estamos em tempo de novena preparatória
para
a festa de São Francisco em
muitas comunidades.
Ele
foi
o modelo da obediência, legado que deixou para todos os seus
seguidores. São Francisco ensinava
aos frades o que ele chamava “obediência de cadáver”, algo como
se a pessoa obediente não devesse
ter vontade própria, mas comportar-se exatamente como lhe ordena
o superior. Obviamente, esse
conceito
de obediência deve ser contextualizado para seu melhor entendimento
e, se considerado no sistema de vida de São Francisco,
podemos
considerá-lo compatível com o mundo do seu tempo. Essa era a
pedagogia da época mas
esse ensinamento, com
essa
mesma perspectiva radical, não se coaduna com a sociedade
contemporânea, na qual a norma oficial proíbe até castigos
educativos que os pais antes aplicavam aos filhos. Nos dias atuais,
ninguém repetiria mais a tese da “obediência do cadáver”, no
entanto, devemos sempre lembrar que a obediência é sinônimo de
humildade, não de mero cumprimento de uma ordem. O exemplo de Cristo
na parábola já ensinava isso: obediente não é aquele que diz
“sim” e não pratica,
ou seja, aquele que cumpre sua obrigação só da boca para fora.
Obediência
não é fazer somente porque estão todos observando ou “para não
dar o que falar”. Obediência é agir com o coração, mesmo que às
vezes ocorram imperfeições nesse agir. O profeta Ezequiel já
advertia aos cativos da Babilônia: “Quando
um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e
a justiça, conserva a própria vida.”
(Ez 18, 27) Eventuais
falhas na ação fazem parte da condição humana de seres pecadores,
que somos nós. Foi para que tenhamos forças de superar as fraquezas
da nossa natureza imperfeita que Cristo nos deixou os seus
ensinamentos e os seus sacramentos, por meio dos quais permanece
conosco. A humildade para reconhecer os próprios pecados e
arrepender-se deles é o caminho que leva o cristão à perfeição.
Os fariseus nunca entenderam isso, nem
antes, nem agora.
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