domingo, 15 de outubro de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 28º DOMINGO COMUM - CONVIDADOS AUSENTES - 15.10.2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 28º DOMINGO COMUM – CONVIDADOS AUSENTES – 15.10.2017

Caros Leitores,

As leituras da liturgia deste domingo seguem o tema predominante dos domingos anteriores, mostrando as parábolas que Jesus Cristo falava aos fariseus e anciãos do povo, sempre chamando a atenção deles, que estavam cegos para a sua mensagem de salvação e não o reconheciam como o Messias da promessa. Desta vez, o cenário da narrativa é o grande banquete, promovido por um grande rei, para o qual mandou convidar os seus amigos, no entanto, estes fizeram pouco-caso do convite e inventaram as mais singelas desculpas para não comparecer. Como nos exemplos já comentados, os fariseus não compreenderam que aquela história era sobre eles próprios.

Na primeira leitura, do profeta Isaías (25, 6-10), observamos que já existia a figura do banquete que o Senhor dos exércitos ofereceria, naquele monte, a todos os povos, composto de ricas iguarias de pratos deliciosos, acompanhados do vinho mais puro. Sobre aquele monte, o Senhor eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todos os povos da terra. O monte simbólico é a prefiguração de Jerusalém, para onde voltariam os exilados e, em cujos arredores, por sua crucificação, Cristo expiou os pecados da humanidade e atraiu para si todos os povos. A mensagem cristã e os sacramentos instituídos por Ele, como sinais da continuidade de sua presença são a confirmação da promessa do Senhor dos exércitos, através do Profeta, de que a mão do Senhor repousará sobre esse monte para sempre. Vemos, mais uma vez, Jesus se servir de uma imagem extraída da profecia de Isaías para transformá-la numa nova história, transferi-la para um novo contexto. Curioso é que, mesmo fazendo essa extraordinária demonstração não apenas de conhecimento das Escrituras, mas também relacionando diretamente com a sua pessoa divina, nem assim os chefes dos fariseus e anciãos do povo conseguiam captar as entrelinhas das parábolas de Cristo, dirigidas especificamente a eles.

Na segunda leitura (Fl 4, 12-20), o apóstolo Paulo dirige aos Filipenses uma mensagem de agradecimento por terem eles se preocupado com a sua situação pessoal, com as dificuldades pelas quais ele passava, encontrando-se preso pelos romanos. Os estudiosos não conseguem identificar o local onde Paulo estaria preso, mas supõe-se que era numa cidade próxima (talvez Éfeso), pois ele fora preso diversas vezes. Nessa ocasião, a comunidade de Filipos angariou donativos que foram enviados a Paulo por um mensageiro, para minorar as carências de suas precárias condições de vida na prisão e Paulo devolveu a eles, por meio do portador, a carta em agradecimento. Provavelmente, com os donativos recebidos, Paulo tivesse usufruído de um verdadeiro “banquete” naquela prisão, onde ele estaria passando fome. Numa extraordinária demonstração de sua fé, Paulo menciona nessa carta uma frase, que talvez seja a mais conhecida e repetida pelos cristãos: “tudo posso naquele que me dá forças”, quando diz que já se acostumou a viver na pobreza e na riqueza, na abundância e na miséria, tudo suportando pela causa do evangelho.

No evangelho de Mateus (22, 1-14), o hagiógrafo coleciona mais uma das parábolas ditas por Jesus como indireta/direta aos fariseus, que o acompanhavam por curiosidade ou com o intuito de apanhá-lo em algum deslize. A história é muito parecida com a parábola da vinha, lida no domingo anterior, quando ele se refere aos “empregados” do rei, porém, desta vez Cristo não falou que o rei mandou, por fim, o seu próprio filho. Um outro detalhe que chama a atenção do leitor é o fato de que Ele faz referência a uma festa de casamento, mas não menciona quem seriam os noivos, concentrando a sua narrativa nas atitudes dos convidados. Hoje, tanto quanto naquela época, um convite de casamento era recebido como uma honra, como uma deferência especial por parte dos promotores da festa, significando uma grave desatenção ou uma ofensa o não comparecimento do conviva. Sobretudo porque, naquele tempo, essas festas eram realizadas sempre em grande estilo de riqueza e fartura, sendo algo a que as pessoas sempre faziam questão de ser convidadas. Ou seja, a situação era, em si mesma, emblemática e impactante para a cultura do povo hebreu.

Pois bem, a parábola é bastante conhecida e o seu desfecho também: o banquete foi preparado com todo requinte, mas os convidados não compareceram. Além de apresentarem as desculpas mais esfarrapadas, alguns ainda maltrataram os emissários do rei (na simbologia, seriam os profetas). Então, diz o rei: os convidados não foram dignos, por isso, vão chamar os pobres, os desocupados, os malandros, as prostitutas, todos aqueles que estão por aí à toa. Novamente, Jesus Cristo passa na cara dos fariseus que os estrangeiros estão sendo convidados para o reino porque eles (fariseus) desdenharam do convite, que lhes foi dirigido em primeiro lugar, eles que formavam o povo da promessa. E fazendo aqui a remissão com a primeira leitura de Isaías (25, 6), vemos que se repete a imagem de um grande banquete que seria oferecido em Jerusalém, comemorando a libertação do povo. No contexto de Isaías, a comemoração se referia à libertação sociopolítica do povo hebreu, mas, no sentido trans histórico, a referência se dá com a salvação trazida pelo sacrifício de Cristo, na mesma Jerusalém.

Há uma particularidade interessante nessa leitura de Mateus, em 22, 11, quando ele emenda a história do banquete com a do convidado que está sem traje próprio para a festa (antigamente, a tradução era ‘sem a veste nupcial’). Eu me lembro que o Padre Uchoa, nosso professor de Bíblia no Seminário da Prainha, explicava isso dizendo tratar-se de uma contradição do texto sagrado, porque se o rei mandou chamar os que estavam pelas esquinas, pelos becos, pelas favelas, etc, como iria depois exigir que todos estivessem com traje de festa (ou com veste nupcial, como se dizia antes)? Era compreensível que fosse exigido o traje próprio daqueles que tinha sido convidados com antecedência, mas daqueles que foram apanhados nas ruas e chamados ali, como exigir deles que estivessem com roupa de festa? A explicação exegética para isso, segundo o Padre Uchoa, é que se trata de dois textos justapostos. Vamos tentar explicar melhor essa contradição literária.

Se bem observarmos, a narrativa da parábola do banquete termina no versículo 22, 10: "e a sala do banquete ficou cheia". O trecho seguinte, iniciando no versiculo 11, deve ser um acréscimo feito por Mateus (ou por algum copista posterior) e que não faz parte originalmente desta parábola. Como é que se sabe disso? Pela análise comparada dos evangelhos sinóticos. A mesma parábola é contada em Lucas 14, 15, e a história termina quando Lucas diz: "nenhum daqueles que foram convidados primeiro degustará a minha comida" (refere-se aos fariseus, os convidados ausentes). E logo muda para outro assunto. Então, conclui-se que Mateus usou a mesma fonte de Lucas, mas acrescentou um pedaço de outro escrito que tem certa relação com a história do banquete, mas não foi pronunciado naquela mesma ocasião por Jesus Cristo. Assim, fica explicada a contraditória atitude do rei que, ao mesmo tempo, convidou e desconvidou e ainda mandou açoitar o conviva que não usava o traje adequado.

Meus amigos, transportando para a nossa realidade a parábola narrada por Cristo, compreendemos facilmente que o banquete continua sendo o Reino de Deus, mas os “empregados” que o rei mandou para chamar as pessoas que estavam nos becos e favelas, os profetas de hoje, somos nós, cristãos e missionários do Reino. Com isso, Jesus Cristo ensina que a nossa missão cristã não se realiza plenamente dentro do templo, mas na comunidade, no dia a dia, no trabalho, nas relações sociais, em todo lugar onde nos encontrarmos, pois nós somos desafiados a testemunhar o Reino de Deus com nosso exemplo, com a nossa fé ativa, mais do que com nosso discurso, mais do que com uma cruz pendurada no pescoço ou o terço na mão. A messe é o mundo todo e os operários da messe, isto é, os “messionários” ou missionários, como queiram, somos nós. E ao fazermos isso, estaremos simbolicamente demonstrando que estamos sempre com a veste nupcial, aquela que distingue e identifica os verdadeiros cristãos, em qualquer lugar onde nos encontremos.

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