sábado, 21 de abril de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 4º DOMINGO DA PÁSCOA - 22.04.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DA PÁSCOA – OS PASTORES MODERNOS – 22.04.2018

Caros Leitores,

Neste 4º domingo da Páscoa, a liturgia nos traz a conhecida imagem do Bom Pastor (Jo 10, 11). A figura romântica do pastor de outrora está muito distante da profissão de pecuarista dos dias atuais. Mesmo nos povoados mais distantes, no sertão mais distante, já não se pastoreia mais como antigamente. Os atuais pastores trabalham andando em motocicleta e os seus rebanhos são enxotados ao ronco dos motores, isto é, aquela figura tradicional do pastor, do vaqueiro, do boiadeiro só existe no nosso folclore e certamente não haverá retrocesso nisso. Devemos, portanto, repaginar essa figura, que já foi tão simbólica no passado, mas que não faz mais qualquer sentido evocá-la no mundo moderno.

Na época de suas pregações, Jesus utilizava, dentro da sua pedagogia catequética, as imagens conhecidas pelas pessoas da região, preferencialmente, as dualidades pescador-peixe e pastor-rebanho. Em diversas ocasiões, ele usou figuras e ações ligadas à profissão do pescador para associar com a missão do cristão; outras vezes, o tema foi a figura do pastor, como no caso da leitura deste domingo. A liturgia de hoje pede orações pelos nossos pastores, pelos vocacionados, religiosos e religiosas. Fico procurando na minha mente associar a imagem do pastor às autoridades eclesiásticas que temos e chego à conclusão de que muito poucas delas poderiam se enquadrar nesse figurino. Com raras exceções, não existem mais nos dias de hoje padres como o Cura d'Ars, como Frei Damião, Frei Inocêncio, Frei Higino, só para citar alguns que conhecemos e que realmente faziam o autêntico pastoreio. Quero fazer aqui uma menção especial a Dom Aloísio Lorscheider, que representava, para mim, a figura típica do pastor dos tempos pós-modernos. O que vemos no comportamento de muitos ordenados dos dias atuais são perfis de profissionais, preocupados com um “salário” que a paróquia lhe possibilita, com um “emprego” paralelo em algum colégio ou faculdade, com um veículo para se locomoverem, com uma casa confortável para morar, ou seja, um profissional liberal, como existem tantos outros na sociedade. O diferencial do autêntico pastoreio fica totalmente esquecido. Sinto-me triste em afirmar isso, mas lamentavelmente é assim a nossa realidade eclesiástica atual. Por isso, não prolongarei os comentários sobre essa figura romântica da catequese tradicional, atendo-me a outros temas postos nas leituras deste domingo.

Na primeira leitura, da carta de João (1Jo 3,2), o Apóstolo, com a sua linguagem carinhosa do pai idoso, diz que o grande presente que recebemos de Cristo foi o de sermos chamados filhos de Deus, “desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos!”. Eu entendo que João quer afirmar que, por ora, mesmo sendo pecadores e frágeis, já temos esse dom de sermos chamados 'filhos de Deus', o que será realizado em plenitude quando Jesus se manifestar em nós, porque então seremos semelhantes a ele. Penso que aqui João está se referindo explicitamente à nossa ressurreição, quando morrermos em Cristo e formos com ele ressuscitados. É como se a situação atual fosse uma antecipação do que acontecerá no futuro, para que, através do nosso testemunho, outras pessoas possam também acreditar em Jesus, filho de Deus. Se o mundo não nos conhece, continua João, é porque não conheceu o Pai. Ora, somente através de Cristo, é possível chegar até o Pai. Nós, enquanto cristãos, temos essa missão de testemunhar Cristo perante o mundo, para que assim o mundo conheça o Pai.

Coerente com este mesmo tema é a primeira leitura, retirada do livro dos Atos dos Apóstolos (At 4,8), que relata um discurso de Pedro perante os membros do Sinédrio judaico, em mais um interrogatório pelo qual passavam, por estarem realizando milagres em nome de Jesus. Muito inspirado pelo Espírito Santo, Pedro diz que não existe, debaixo do céu, nenhum outro nome pelo qual possamos ser salvos. Essa afirmação de Pedro, é a mesma que está presente na carta de Paulo aos Filipenses (2, 10): ao nome de Jesus, todo joelho se dobre... e toda língua confesse que Jesus é o Senhor. Esse tema é muito preferido entre os pregadores não católicos, desde Lutero, quando a catequese tradicional afirmava que fora da Igreja não havia salvação. Eles dizem que o catolicismo distorce a palavra de Cristo, ao transferir para a Igreja uma prerrogativa que é do Senhor. Sob certo aspecto, não lhes tiro a razão, sobretudo no exagerado devocionismo que marca a religião tradicional. No entanto, a Igreja somente poderá ser local de salvação se estiver unida a Cristo, afinal Ele é a única porta, aliás a porta estreita (Mt 7, 13), porque larga e espaçosa é a porta que conduz à perdição.

No comentário do domingo passado, fiz referência ao discurso de Gamaliel no Sinédrio, quando Pedro e João eram interrogados por estarem pregando o cristianismo. Nas leituras litúrgicas do meio da semana, foram lidos diversos trechos do livro dos Atos, sempre referindo-se a ações miraculosas feitas pelos apóstolos, logo após a ressurreição de Cristo. Foi o caso de um homem chamado Enéias, que era paralítico e estava acamado fazia 8 anos e Pedro o curou, da mesma forma como Jesus curara outro paralítico, e este também saiu andando e carregando a cama na qual jazia pouco tempo antes. Outro milagre de Pedro foi a ressurreição de uma mulher caridosa, chamada Tabita. A morte dela causou grande comoção na comunidade, porque ela fazia muito bem aos pobres, que lamentaram o fato. Pedro estava na cidade e foi avisado e, dirigindo-se até lá, orou pedindo a Jesus que a ressuscitasse, e isso aconteceu. E diz o texto: todos ficaram maravilhados e muitos habitantes creram em Jesus.

Foi por isso que Pedro foi, mais uma vez, convocado pelo Sinédrio e ali, cheio de coragem, encarou os anciãos e os chefes do povo e disse sem meias palavras: nós estamos sendo perseguidos porque fazemos o bem, pois saibam que fazemos isso em nome daquele Jesus que vós matastes... Imaginemos a cena: Pedro um pescador, uma pessoa rude e sem instrução, falando diante dos mestres e doutores da lei, os donos da sabedoria de Israel. Cumpriu-se aí literalmente aquilo que Jesus predissera, que eles não se preocupassem com o que iriam dizer, porque o Espírito falaria através deles. E o curioso é que Pedro utiliza uma imagem que Jesus havia ensinado aos apóstolos, sobre a pedra angular rejeitada pelos construtores.

Jesus era verdadeiramente um grande pedagogo. O conceito da pedra angular não era propriamente da cultura judaica, mas da engenharia romana, que naquela época era dominante no território da Palestina. Todos conhecem as famosas arcadas de Roma, fruto da engenhosa arte dos construtores romanos que, antes da existência do concreto armado com ferro, conseguiam fazer vãos enormes que se auto sustentavam, pela colocação de uma pedra em formato triangular bem no centro do arco, equilibrando o peso dos semiarcos laterais. Em qualquer foto das construções da Roma antiga é possível ver a sua presença, e a sua importância decorre do fato de que, se ela fosse retirada, toda a construção iria abaixo. Jesus traz para a sua pedagogia uma imagem importada de uma cultura que, embora não sendo nativa da cultura judaica, mas que já se tornara bastante conhecida, por causa da prolongada presença dos romanos na região. E Pedro repete este conceito perante os mestres da lei e chefes do povo, reforçando o seu discurso. É pelo nome de Jesus de Nazaré que este homem está curado diante de vós, conclui Pedro.

Assim como a figura do Bom Pastor ficou esmaecida nos dias atuais e precisa ser repensada, do mesmo modo, o modelo tradicional devocionista da religião não pode mais ser utilizado na formação da nossa juventude. Deixemos isso com os idosos que aprenderam assim, pois eles não irão mais mudar o modo de pensar, mas à juventude deve ser ensinada a religião cristocêntrica. “Em nenhum outro nome há salvação”, continua repetindo Pedro nos nossos dias. Se nos espelharmos em Cristo, iremos refletir a imagem dele para os que nos conhecem. Nesse processo, Cristo se manifestará em nós, como disse João, e seremos semelhantes a ele. Sem desmerecer a virtude e o exemplo dos santos cristãos que se destacaram na autenticidade da fé e na vivência da caridade, a pessoa de Jesus Cristo deve ser o centro da nossa atenção primordial.

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