COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO
DA PÁSCOA – A TRINDADE DA UNIDADE – 28.04.2018
Caros Confrades,
A liturgia deste 5º domingo da Páscoa
nos convida a refletir sobre a nossa inserção na Trindade Santa, a
partir da parábola da parreira e seus ramos. Cristo é a parreira,
nós somos os ramos e o Pai é o agricultor (Jo 15, 1). Se o ramo não
estiver conectado na parreira, vai secando até morrer. A primeira
leitura, retirada do livro dos Atos (At 9, 26) falando da conversão
de Saulo, mostra que, de início os cristãos o rejeitaram, por causa
da sua fama de perseguidor, sendo necessária a intervenção de
Barnabé, para que ele foi inserido no grupo dos discípulos. E a
Carta de João nos lembra que é através do Espírito que nós
sabemos da nossa inserção em Deus.
A parábola da parreira ou da videira
não se encontra nos outros evangelhos, apenas no de João, o que
indica que foi uma lembrança que o próprio evangelista guardou e
não era conhecida dos outros escribas. Visto que o evangelho de João
foi escrito só no final do primeiro século, o exemplo da parreira
reflete também o amadurecimento teológico da doutrina cristã, e se
encaixa bem na teologia joanina, exposta nas suas cartas, como se vê
no texto da segunda leitura deste domingo (1 Jo 3, 18). Falar na
imagem da parreira e dos seus ramos não é algo muito familiar para
a nossa cultura, pois poucos nordestinos têm experiência própria
desse tipo de cultivo, o qual é mais comum no sul do Brasil. Essa
imagem bíblica, trazida para a nossa realidade regional, bem se que
se assemelha com um pé de tomate ou de maracujá, que estende seus
ramos para as estruturas de apoio, que comumente os agricultores
colocam. Mantém-se assim a mesma simbologia da união que deve haver
entre os ramos e o tronco, sem o que a produção é impossível e
sem o que o ramo desgarrado resseca e morre. Se Cristo tivesse sido
nordestino, teria usado a imagem do tomateiro ou o maracujazeiro,
adaptando a parábola evangélica aos padrões da nossa cultura
regional.
Então, Cristo diz que Ele é a
parreira (e nós diríamos, o tomateiro) e o Pai é o agricultor. E
depois completa: e vós sois os ramos. Assim como é necessário que
o ramo permaneça unido ao tronco para que produza frutos, também
nós precisamos permanecer unidos a Cristo, para que possamos
produzir frutos de santidade. A imagem da parreira, usada por Cristo,
portanto, representa a ideia da inserção. Os ramos da planta são a
imagem simbólica da comunidade, ensinando-nos que nenhum de nós
pode viver a religião de forma isolada. A planta não possui um ramo
só e nem esses ramos se espalham isoladamente, mas totalmente
entrelaçados. Nenhum de nós pode estar unido a Cristo, se não
fizer parte ativa na comunidade eclesial. A inserção na comunidade,
por sua vez, se faz através da participação nos momentos
celebrativos, em que toda a igreja se reúne para rezar. Ninguém
desconhece o valor da oração individual, particular, mas a oração
que nos une verdadeiramente a Cristo e, através dele, ao Pai e ao
Espírito, alçando-nos à comunhão da Trindade Santa, é a oração
coletiva da comunidade reunida.
É lamentável que alguns católicos considerem que ir à missa é
uma obrigação. Na
verdade, essa mentalidade é fruto da pedagogia religiosa
tradicional, que impôs a ideia
do “preceito” dominical, em
vez de ressaltar a importância da oração comunitária, A
antiga pedagogia catequética
colocava em primeiro plano a missa como uma obrigação, um
preceito, por isso, quanto
mais rápida a celebração, melhor. Podemos perceber o peso
do efeito prejudicial que esse ensinamento deixou na cultura
religiosa do nosso povo.
Pois
bem, nós não nascemos já
agarrados no tronco da parreira, nós nascemos como ramos
desgarrados,
que precisam ser enxertados no tronco, donde iremos receber a seiva
da vida. É pelo batismo que somos enxertados nesse tronco vivo e é
pela vivência do evangelho que nele
devemos permanecer. E Cristo, pela boca do evangelista, nos diz
textualmente: “Como
o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na
videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não
permanecerdes em mim.”
(Jo 15,4) Porque todo ramo que, enxertado a Ele, não der fruto, o
Pai o arrancará; e aquele que dá fruto, o Pai cuidará,
para que dê mais fruto ainda. Então, a nossa missão de cristãos é
permanecer enxertados no tronco vivo, como ramos produtivos,
que o Pai limpa e poda para aumentar sempre mais a produtividade.
Na
Primeira Carta (3, 24), João complementa o texto do seu
evangelho, ao
ensinar
qual o modo de permanecermos como ramos vivos e produtivos: “Quem
guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com
ele.”
E a conduta concreta que nos
mantém enxertados no tronco da vida, João explica no vers. 18-19:
não
amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade! Aí
está o critério para saber que somos da verdade e para sossegar
diante dele o nosso coração.
Portanto, a condição para que nós,
ramos, permaneçamos enxertados na parreira e produzindo frutos é
uma só: amar de verdade, com ações concretas e não apenas da boca
para fora. Para guardar
os mandamentos, a única receita é a prática do amor ao próximo,
pois o amor faz parte da
essência desse mandamento
(Jo 3,
23): “Este
é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo,
e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos
deu.”
Ou seja, meus amigos, a condição para permanecermos atrelados a
Cristo-tronco é a fé nEle, que se expressa no amor aos irmãos. Não
são duas coisas distintas, mas
são duas atitudes que se
complementam e, ao final, se transformam numa só. A fé que não se
manifesta em obras é morta, portanto, não basta crer. E todo o que
crê em Cristo, ama os irmãos, por quem Ele deu a Sua vida. O João
ainda diz mais: como vamos saber se guardando os mandamentos, Deus
permanece em nós e nós permanecemos nEle? Resposta de João: é
pelo Espírito que sabemos disso. Vemos aqui, portanto, que
permanecer unido a Cristo equivale a estar inserido na Trindade
Santa.
Aqui podemos
encaixar a primeira leitura, que narra a inserção de Saulo na
comunidade dos discípulos, depois de sua conversão. Os Apóstolos
ficaram com receio de recebê-lo, porque ele era conhecido como feroz
perseguidor do cristianismo. De repente, ele chega querendo se
aproximar, a reação natural dos apóstolos foi de recusa, porque
essa podia ser uma nova estratégia de perseguição. Foi preciso que
Barnabé advogasse em favor de Saulo e testemunhasse todo o processo
de mudança ocorrido em sua pessoa, para que os discípulos então
acreditassem e o aceitassem. Na verdade, Cristo precisava de um
pregador da estirpe de Saulo, com formação intelectual e arrojo
para enfrentar as dificuldades da missão evangélica. Em Atos (9,
19), o escriba fala que ele discutia com os judeus de língua grega,
isto é, com os judeus intelectuais, coisa que os outros apóstolos
não tinham cacife para fazer e que colocava em risco a sua própria
vida, por isso, ele precisou mudar de cidade. Sem a competência de
Saulo, a propagação do cristianismo na comunidade grega teria sido
um fracasso. Para mim, uma das maiores provas históricas da
divindade de Cristo é a conversão de Saulo.
Saulo
tornou-se companheiro de
Barnabé e foi por intermédio
deste que decidiu trocar seu nome para Paulo. Os estudiosos não são
unânimes na explicação do por que Saulo tomou essa decisão, mas a
razão mais provável deve ter sido para que a mudança de nome
representasse externamente a sua mudança íntima, a sua conversão,
e ele queria que isso ficasse bem notório para todos. O nome Saulo é
judeu, o nome Paulo é romano. O nome Saulo tem a mesma raiz do nome
do rei Saul, primeiro rei de Israel, que perseguiu Davi. Ora, Cristo
era descendente de Davi e Saulo não era mais um perseguidor. Além
disso, era costume que os judeus convertidos mudassem seu nome
judaico para um nome grego ou romano, assim como nós mudávamos o
nome ao entrar no Seminário, como forma de simbolizar uma mudança
no modo de vida. A mudança
do nome de Saulo para Paulo significou, para ele, concretamente a sua
inserção entre o discipulado de Cristo e, por
via de consequência,
sua inserção na Trindade Santa. E
diz Lucas, em Atos (11, 26), que Barnabé e Paulo passaram um ano
inteiro pregando e dando assistência à igreja de Antioquia e “Em
Antioquia os discípulos foram, pela primeira vez, chamados com o
nome de cristãos.”
Temos aí também a origem histórica
do nome de 'cristãos'
atribuída aos seguidores de Cristo.
Que o exemplo de
Paulo nos inspire a permanecer unidos à parreira-Cristo, guardando
os seus mandamentos e amando os irmãos com ações de verdade.
Com um cordial
abraço a todos.
Antonio Carlos
Nenhum comentário:
Postar um comentário