terça-feira, 15 de maio de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - ASCENSÃO DO SENHOR - 13.05.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA ASCENSÃO - A ELEVAÇÃO DE JESUS– 13.05.2018

Caros Confrades,

Neste domingo, celebramos a festa da Ascensão do Senhor. Convém lembrar que o dia litúrgico próprio é na quinta feira passada, dia 15, quando se completaram os 40 dias após a ressurreição. Segundo o testemunho de Lucas, nos Atos (1, 3): Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus. E convém sempre lembrar também que a simbologia do número 40, repetida em diversas passagens da Escritura, não significa que a ascensão de Jesus tenha sido exatamente 40 dias de calendário após a ressurreição. Na verdade, Jesus passou um tempo fazendo uma espécie de reciclagem com os apóstolos, recordando as lições transmitidas na sua pregação e confirmando com prodígios perante eles, de modo a fortalecer-lhes sempre mais a fé. Jesus sabia que eles eram homens rudes e não tinham assimilado bem a catequese estudada no período de três anos. Por isso, foi necessário esse “reforço escolar”, como se faz com os alunos que têm dificuldade de aprendizagem.

Na primeira leitura, temos o relato de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, contando detalhadamente a ocorrência da despedida de Jesus. Depois daqueles dias de aulas de reforço, Jesus compreendeu que estava concluída a sua missão e pediu para os apóstolos que não se afastassem de Jerusalém, porque em breve eles iriam ser batizados com o Espírito, conforme a promessa do Pai. Eu fico imaginando a sua decepção quando um dos apóstolos, naquele momento, ainda perguntou se era agora que ele iria restaurar o reino em Israel... Acho que foi por isso que Jesus resolveu chamar Saulo e operar o milagre de sua conversão. Com aquele grupo de pescadores, a pregação do evangelho não teria ido muito além de algumas cidades do Oriente Médio. Jesus Cristo respondeu a essa ingênua pergunta de forma gentil e ao mesmo tempo enigmática: não vos cabe saber o dia nem a hora que o Pai determinou. E novamente confirmou a promessa da vinda do Espírito, que lhes traria o verdadeiro 'conhecimento' da doutrina, tal como dirá depois Paulo, na carta aos Efésios, que está na segunda leitura de hoje (Ef 1, 17): o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer. Foi exatamente isso que ocorreu com os apóstolos.

Junto com a confirmação dessa promessa do Pai, Cristo reafirmou aos apóstolos o motivo para o qual tinham eles sido chamados para o convívio mais próximo com Ele: (Atos 1, 8): para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e na Samaria, e até os confins da terra'. Na ocasião, eles provavelmente estavam em Jerusalém e foi lá também que aconteceu o Pentecostes poucos dias depois. Mas é digna de nota a citação da Judéia e da Samaria, pelo seguinte: a Judéia foi onde Jesus desenvolveu a sua catequese, andando por diversas cidades da região. E a Samaria era aquele grupo de judeus dissidentes, que eram inimigos do pessoal da Judéia. Um judeu mudava de lado da rua, se viesse ao encontro dele um samaritano. Mas Jesus foi lá, conversou com a mulher na beira do poço, aceitou o convite de ir até a cidade dela e realizou ali muitas conversões. Se nós trouxermos essa rivalidade para os dias de hoje, podemos interpretar que Jesus estaria se referindo aos cristãos dissidentes, que formam outras igrejas e também se reúnem em nome de Cristo. Tal como era no tempo de Cristo, a religião nem sempre é uma atividade que congrega, algumas vezes também desagrega. Mas é preciso ir em busca, não relegar, mas conviver, tal como Jesus deu o exemplo na sua convivência com os samaritanos. E a referência aos confins da terra certamente diz respeito a nós, que não somos nem judeus nem samaritanos, mas fomos convidados e aceitamos participar da boa nova da salvação.

Na segunda leitura, da carta aos Efésios (1, 17-23), Paulo repete uma lição que está presente nos evangelhos e que denota ser expressão comum nas comunidades cristãs primitivas: depois de concluir sua missão, Jesus voltou para se assentar à direita do Pai, bem acima de toda autoridade e potência. Era o costume nas sociedades antigas que o lugar à direita do rei era o da maior confiança e dava a idéia de igual poder. Todos nós sabemos que, na dimensão da eternidade, não há tempo nem lugar, de modo que sentar à direita ou à esquerda, ou atrás ou na frente, não faz qualquer sentido. Mas essa simbologia demonstra que a fé dos cristãos em Jesus, desde os primeiros tempos, era de que ele tinha idêntica situação com o Pai e idêntico poder. E nesta mesma carta, Paulo ensina a sua doutrina do corpo místico, que é a Igreja, da qual Cristo é a cabeça e está ao lado do Pai. Em verdade, Jesus não mandou os apóstolos fundarem uma igreja (ekklesia=comunidade), isso foi uma decorrência natural da necessidade de organização das atividades para as quais Jesus lhes havia enviado em missão. A questão é que, com o passar do tempo e sob a influência da cultura medieval, a comunidade tornou-se uma entidade cheia de burocracia... mas isso é outra história. Retorno ao tema inicial.

No evangelho de Marcos lido neste domingo (Mc 16, 15-20), está a mesma imagem de Jesus sentado à direita do Pai: “Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus. ” Aqui há um outro conceito que eu pretendo explicitar, além de sentar-se à direita, que é a imagem da elevação de Jesus. De acordo com a tradição, a elevação de Jesus teria sido em Jerusalém, onde existe até uma capela erguida no local do fato. Porém, no evangelho de Lucas, consta que teria sido em Betânia: “Ele os levou até Betânia e, levantando as mãos, os abençoou. Enquanto os abençoava, apartou-se deles e foi elevado ao céu. Eles, tendo-o adorado, voltaram para Jerusalém com grande gozo». (Lucas 24, 50-52) Nos outros, não há referência ao local, Contudo, o mesmo Lucas, em Atos 1, 12, diz: “Então voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras, o qual está perto de Jerusalém, à distância do caminho de um sábado”, sugerindo que a elevação se deu no monte das Oliveiras, aonde Jesus gostava de ir com os discípulos. Não deixa de ser curioso que o mesmo escritor (Lucas), em duas narrações distintas, refira-se a lugares diferentes, dando a entender que ou ele não conhecia a região ou não teve o devido cuidado de organizar os textos que lhe serviram de fonte. Deve ser a primeira hipótese, pois Lucas era um médico grego, natural de Antioquia, provavelmente ele não conhecia mesmo os locais por onde Jesus havia passado.

Em verdade, esse é apenas um detalhe de pouca importância. A grande verdade que se extrai dessa narrativa é que Jesus, ao elevar-se para o céu com um corpo visível, elevou com ele a sua condição humana, isto é, a nossa humanidade que ele assumiu também foi sentar-se à direita do Pai. Com a ascensão de Jesus, restaurou-se a união entre Deus e os homens, rompida pelo pecado, união esta simbolizada nas duas naturezas de Cristo. Ao elevar-se e assentar-se à direita do Pai, Jesus levou consigo a humanidade redimida, dando-nos uma visão antecipada daquilo que ocorrerá com todo aquele que crer nele. Esta promessa está descrita assim no evangelho de Marcos (16, 16): Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. Não devemos entender nessa afirmação, como querem alguns, que basta ser batizado para ser salvo, nem também o oposto, isto é, quem não for batizado estará condenado. Na verdade, crer em Jesus não é uma decisão momentânea e isolada, apenas para receber o batismo, mas é uma atitude que se renova a cada dia, quando damos testemunho da nossa fé nas nossas vivências sociais, nas obras que realizamos. Então, a fé será superior ao batismo, na medida em que este é a confirmação externa daquela. A salvação está prometida para aquele que crê na prática, não apenas na teoria, pois o simples batismo não conduz automaticamente à salvação, se não for confirmado com as obras coerentes e exemplares. Isso quer dizer que o batismo é um ritual para o crente ser admitido na Igreja, mas isso não significa que o não batizado estará ipso facto fora da salvação. O Papa Francisco, a contragosto dos burocratas do Vaticano, vem repetidamente ensinando que a salvação é alcançada por todas as pessoas que têm Deus no coração, independentemente de sua opção religiosa. A meu ver, isso representa a superação de uma antiga doutrina de que fora da Igreja Católica não há salvação. A fé em Deus deve ficar acima das diversas religiões, porque um só é o rebanho e um mesmo é o Pastor.

Com um cordial abraço a todos.
Antonio Carlos

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