sábado, 19 de maio de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE PENTECOTES - 20.05.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 20.05.2018 – ESPÍRITO DE UNIDADE

Caros Leitores,

O domingo de Pentecostes encerra o tempo pascal. Entre o domingo da Ressurreição e o domingo de hoje, a liturgia rememora o período em que Jesus ressuscitado continuou aparecendo e fortalecendo a catequese dos apóstolos, reforçando a preparação deles para a missão de evangelizar. A doutrina teológica considera o evento de Pentecostes como a fundação oficial da igreja de Cristo, dada a repercussão que o fato teve na cidade de Jerusalém, atraindo grande número de moradores e visitantes para a casa onde estavam os apóstolos e que fora alvo de um de grande ruído e tremor. Havia muita gente em Jerusalém nesse dia, porque era uma festa tradicional dos judeus, a Shavuot, que é celebrada também cinquenta dias após a Páscoa e representa o dia em que Javeh outorgou a Moisés as tábuas da lei (os dez mandamentos). A festa judaica é celebrada ainda nos dias de hoje, portanto, é uma festa multimilenar.

Tal como a festa da Páscoa não foi inventada pelo cristianismo, pois ela já existia desde tempos imemoriais, também a festa de Pentecostes era uma festividade tradicional dos judeus, muito anterior ao cristianismo. Ocorre que Cristo aproveitou essas festas que congregavam multidões para conferir-lhes um novo sentido. Assim, depois de Cristo, a Páscoa não é mais a mesma nem Pentecostes é mais o mesmo. A ressurreição de Cristo e a vinda do Espírito se deram no contexto celebrativo dessas festas para que, na infinita sabedoria de Deus, mais pessoas pudessem ter contato com esses fatos marcantes da história da salvação e assim houvesse uma maior divulgação da mensagem de Cristo. Tem ainda a característica de agregar pessoas de diversas nacionalidades, que vinham até Jerusalém a fim de participarem dessas festas, desse modo a pregação dos apóstolos no dia de Pentecostes foi ouvida e admirada por um grande número de estrangeiros presentes em Jerusalém, não apenas por judeus. Esses estrangeiros estavam ali para a celebração do Shavuot tradicional, o 50º dia da Páscoa, mas a vinda do Espírito transformou essa antiga festa em Pentecostes, dando a ela um novo significado. Este novo evento foi testemunhado por todos e marcado indelevelmente pelo milagre da poliglossia (a multiplicação das línguas). De acordo como relato de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, todos os presentes testemunharam aquele milagre: cada um dos estrangeiros ouviam a Palavra de Deus em sua própria língua. Não porque os Apóstolos tivessem, de repente, se tornado poliglotas, eles continuavam sendo os pescadores semianalfabetos de antes, mas pela ação do Espírito, as palavras por eles pronunciadas, em seu idioma natural (eles falavam aramaico), os ouvintes ouviam 'como se' eles estivessem falando a língua deles. Lucas dá uma pequena amostra das diversas etnias e procedências daqueles ouvintes: “partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também romanos” e mais cretenses e árabes, judeus e prosélitos. O fato de todos ouvirem a mensagem de Cristo na própria língua confirma a universalidade do cristianismo e corrobora a missão dada por Cristo aos apóstolos no sentido de que pregassem o evangelho a todos os povos.

Meus amigos, o vocábulo “espírito” usado no nosso idioma não dá a dimensão mais exata do termo grego original “pneuma”, traduzido em português por “espírito” à falta de uma palavra melhor. Com efeito 'pneuma' é o sopro vital, o hálito, a respiração. A palavra 'espírito', chegada até nós através do latim 'spiritus', não tem essa mesma abrangência semântica. Ao receberem o 'pneuma', os Apóstolos ganharam um novo sopro vital, uma nova energia, um novo alento. Eles superaram a timidez inicial e adquiriram uma invejável coragem a ponto de darem a própria vida em testemunho de Cristo. Durante toda a semana passada, as leituras litúrgicas, sempre tiradas de Atos, mostravam as tribulações, as humilhações, as prisões, as condenações dos apóstolos por causa da sua pregação no meio dos judeus. Foi o Espírito que transformou aqueles pescadores de peixes em pescadores de homens, conforme Cristo havia prometido. O Espírito confirmou isso.

Na leitura do evangelho, extraído de João 20, 22, lemos que Jesus “soprou sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' ”É curioso o fato de João não se referir às línguas de fogo, logo ele que era um dos presentes no Cenáculo naquele dia memorável de Pentecostes. João relata de um modo diferente o recebimento do Espírito pelos Apóstolos: foi um 'sopro' de Cristo sobre eles. Sopro é exatamente um 'pneuma'. Soprando, Cristo conferiu aos Apóstolos o Espírito (Pneuma), que tinha como objetivo nesta ocasião, a transmissão do poder de perdoar. O Papa Francisco, como sempre nos surpreendendo, no sermão para os peregrinos presentes na Praça de São Pedro, em Roma, explicou que os apóstolos receberam duas vezes o Espírito. A primeira, foi na tardinha do mesmo domingo da ressurreição, quando Jesus apareceu e soprou sobre eles, de acordo com o relato de João. Essa foi uma forma privada. A segunda vez foi de uma forma pública. Depois de subir ao céu, Jesus pediu aos apóstolos que não se ausentassem de Jerusalém e aguardassem porque, dentro de poucos dias, eles receberiam a confirmação de tudo o que haviam aprendido, através da vinda solene do Espírito do Pai. E assim deu-se naquele domingo da festa judaica de Shavuot, com grande alarde de modo a chamar a atenção de muitos, a descida do Espírito. Maria estava com eles naquele evento histórico que marca o início oficial da Igreja de Cristo, significando assim o papel fundamental de Maria como mãe da Igreja, conforme é celebrado na teologia e na liturgia.

Então, como lemos em João 20, 22, é através da transmissão do Espírito que Cristo dá aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados, sendo este relato de João o fundamento teológico do sacramento da penitência. Portanto, quando o padre confere a absolvição ao pecador que confessa e se arrepende de seus pecados, na verdade, é o Espírito que confere o perdão. E por que o Espírito é o vetor do perdão? Porque o Espírito é o Amor de Deus. Deus é tão infinitamente enorme que a sua Palavra, poderosíssima, se converte em uma outra Pessoa divina, o Filho; e o Amor de Deus é tão desmedido e poderosíssimo que se converte em outra Pessoa divina, o Espírito. Então, o arrependimento é o sintoma do amor. Quem não se arrepende, é porque não ama, e a esses os pecados não serão perdoados, ficarão retidos. É o Amor do Pai, em forma de Pessoa divina, que nos reinsere no convívio com Ele, quando nos arrependemos, isto é, quando nos abrimos ao Amor de Deus. E ninguém ama a Deus se não ama também o próximo. Portanto, não basta o amor a Deus, mas esse amor tem que se replicar no amor dos irmãos. A falta de amor é a essência da falta de arrependimento e essa atitude bloqueia o Amor de Deus, que não consegue penetrar o coração de quem não ama, para livrá-lo das culpas, por isso, os pecados de quem não se arrepende ficam retidos, permanecem consumindo o pecador, escravizando-o.

Na leitura da primeira carta aos Coríntios (1 Cor 12, 3) Paulo faz uma exposição bastante didática sobre a ação do Espírito enquanto amor do Pai quando afirma que não existe apenas uma forma de amar, mas diversas formas válidas. “Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus ” (1 Cor 12, 4-5). São os carismas e os dons próprios de cada pessoa, que são inerentes à sua natureza mas são potencializados com a presença e a ação do Espírito. Houve uma época em que a teologia afirmava que somente na Igreja Católica se realizava a verdadeira comunhão com Cristo. Mas com o advento das doutrinas ecumênicas, embora a doutrina continue afirmando que a 'ekklesia' tutelada pelo sucessor de Pedro seja a genuína, no entanto, reconhece que as diversas comunidades que vivenciam os ensinamentos de Cristo formam uma grande 'comum unidade', porque o Espírito é um só. Se ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” senão no Espírito, concluímos que todos aqueles que professam sua fé em Cristo de modo legítimo, através do seguimento de sua doutrina e do cumprimento de seus mandamentos, fazem isso por obra do mesmo Espírito. E mesmo aquelas pessoas que não professam publicamente uma fé religiosa, mas que agem de acordo com os valores éticos e humanos, também estes, mesmo sem saber, estão na comunhão do Espírito.


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