COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE
PENTECOSTES – 20.05.2018 – ESPÍRITO DE UNIDADE
Caros Leitores,
O domingo de Pentecostes encerra o
tempo pascal. Entre o domingo da Ressurreição e o domingo de hoje,
a liturgia rememora o período em que Jesus ressuscitado continuou
aparecendo e fortalecendo a catequese dos apóstolos, reforçando a
preparação deles para a missão de evangelizar. A doutrina
teológica considera o evento de Pentecostes como a fundação
oficial da igreja de Cristo, dada a repercussão que o fato teve na
cidade de Jerusalém, atraindo grande número de moradores e
visitantes para a casa onde estavam os apóstolos e que fora alvo de
um de grande ruído e tremor. Havia muita gente em Jerusalém nesse
dia, porque era uma festa tradicional dos judeus, a Shavuot, que é
celebrada também cinquenta dias após a Páscoa e representa o dia
em que Javeh outorgou a Moisés as tábuas da lei (os dez
mandamentos). A festa judaica é celebrada ainda nos dias de hoje,
portanto, é uma festa multimilenar.
Tal como a festa da Páscoa não foi
inventada pelo cristianismo, pois ela já existia desde tempos
imemoriais, também a festa de Pentecostes era uma festividade
tradicional dos judeus, muito anterior ao cristianismo. Ocorre que
Cristo aproveitou essas festas que congregavam multidões para
conferir-lhes um novo sentido. Assim, depois de Cristo, a Páscoa não
é mais a mesma nem Pentecostes é mais o mesmo. A ressurreição de
Cristo e a vinda do Espírito se deram no contexto celebrativo dessas
festas para que, na infinita sabedoria de Deus, mais pessoas pudessem
ter contato com esses fatos marcantes da história da salvação e
assim houvesse uma maior divulgação da mensagem de Cristo. Tem
ainda a característica de agregar pessoas de diversas
nacionalidades, que vinham até Jerusalém a fim de participarem
dessas festas, desse modo a pregação dos apóstolos no dia de
Pentecostes foi ouvida e admirada por um grande número de
estrangeiros presentes em Jerusalém, não apenas por judeus. Esses
estrangeiros estavam ali para a celebração do Shavuot tradicional,
o 50º dia da Páscoa, mas a vinda do Espírito transformou essa
antiga festa em Pentecostes, dando a ela um novo significado. Este
novo evento foi testemunhado por todos e marcado indelevelmente pelo milagre da poliglossia (a multiplicação das línguas). De acordo
como relato de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, todos os presentes
testemunharam aquele milagre: cada um dos estrangeiros ouviam a
Palavra de Deus em sua própria língua. Não porque os Apóstolos
tivessem, de repente, se tornado poliglotas, eles continuavam sendo
os pescadores semianalfabetos de antes, mas pela ação do Espírito,
as palavras por eles pronunciadas, em seu idioma natural (eles
falavam aramaico), os ouvintes ouviam 'como se' eles estivessem
falando a língua deles. Lucas dá uma pequena amostra das diversas
etnias e procedências daqueles ouvintes: “partos,
medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia
e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do
Egito e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também romanos”
e mais cretenses e árabes, judeus e prosélitos. O fato de todos
ouvirem a mensagem de Cristo na própria língua confirma a
universalidade do cristianismo e corrobora a missão dada por Cristo
aos apóstolos no sentido de que pregassem o evangelho a todos os
povos.
Meus amigos, o vocábulo “espírito”
usado no nosso idioma não dá a dimensão mais exata do termo grego
original “pneuma”, traduzido em português por “espírito” à
falta de uma palavra melhor. Com efeito 'pneuma' é o sopro vital, o
hálito, a respiração. A palavra 'espírito', chegada até nós
através do latim 'spiritus', não tem essa mesma abrangência
semântica. Ao receberem o 'pneuma', os Apóstolos ganharam um novo
sopro vital, uma nova energia, um novo alento. Eles superaram a
timidez inicial e adquiriram uma invejável coragem a ponto de darem
a própria vida em testemunho de Cristo. Durante toda a semana
passada, as leituras litúrgicas, sempre tiradas de Atos, mostravam
as tribulações, as humilhações, as prisões, as condenações dos
apóstolos por causa da sua pregação no meio dos judeus. Foi o
Espírito que transformou aqueles pescadores de peixes em pescadores
de homens, conforme Cristo havia prometido. O Espírito confirmou
isso.
Na leitura do evangelho, extraído de
João 20, 22, lemos que Jesus “soprou
sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os
pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles
lhes serão retidos'
”É curioso o fato de João não se referir às línguas de fogo,
logo ele que era um dos presentes no Cenáculo naquele dia memorável
de Pentecostes. João relata de um modo diferente o recebimento do
Espírito pelos Apóstolos: foi um 'sopro' de Cristo sobre eles.
Sopro é exatamente um 'pneuma'. Soprando, Cristo conferiu aos
Apóstolos o Espírito (Pneuma), que tinha como objetivo nesta
ocasião, a transmissão do poder de perdoar. O Papa Francisco, como
sempre nos surpreendendo, no sermão para os peregrinos presentes na
Praça de São Pedro, em Roma, explicou que os apóstolos receberam
duas vezes o Espírito. A primeira, foi na tardinha do mesmo domingo
da ressurreição, quando Jesus apareceu e soprou sobre eles, de
acordo com o relato de João. Essa foi uma forma privada. A segunda
vez foi de uma forma pública. Depois de subir ao céu, Jesus pediu
aos apóstolos que não se ausentassem de Jerusalém e aguardassem
porque, dentro de poucos dias, eles receberiam a confirmação de
tudo o que haviam aprendido, através da vinda solene do Espírito do
Pai. E assim deu-se naquele domingo da festa judaica de Shavuot, com
grande alarde de modo a chamar a atenção de muitos, a descida do
Espírito. Maria estava com eles naquele evento histórico que marca
o início oficial da Igreja de Cristo, significando assim o papel
fundamental de Maria como mãe da Igreja, conforme é celebrado na
teologia e na liturgia.
Então, como lemos em João 20, 22, é
através da transmissão do Espírito que Cristo dá aos Apóstolos o
poder de perdoar os pecados, sendo este relato de João o fundamento
teológico do sacramento da penitência. Portanto, quando o padre
confere a absolvição ao pecador que confessa e se arrepende de seus
pecados, na verdade, é o Espírito que confere o perdão. E por que
o Espírito é o vetor do perdão? Porque o Espírito é o Amor de
Deus. Deus é tão infinitamente enorme que a sua Palavra,
poderosíssima, se converte em uma outra Pessoa divina, o Filho; e o
Amor de Deus é tão desmedido e poderosíssimo que se converte em
outra Pessoa divina, o Espírito. Então, o arrependimento é o
sintoma do amor. Quem não se arrepende, é porque não ama, e a
esses os pecados não serão perdoados, ficarão retidos. É o Amor
do Pai, em forma de Pessoa divina, que nos reinsere no convívio com
Ele, quando nos arrependemos, isto é, quando nos abrimos ao Amor de
Deus. E ninguém ama a Deus se não ama também o próximo. Portanto,
não basta o amor a Deus, mas esse amor tem que se replicar no amor
dos irmãos. A falta de amor é a essência da falta de
arrependimento e essa atitude bloqueia o Amor de Deus, que não
consegue penetrar o coração de quem não ama, para livrá-lo das
culpas, por isso, os pecados de quem não se arrepende ficam retidos,
permanecem consumindo o pecador, escravizando-o.
Na leitura da primeira carta aos
Coríntios (1 Cor 12, 3) Paulo faz uma exposição bastante didática
sobre a ação do Espírito enquanto amor do Pai quando afirma que
não existe apenas uma forma de amar, mas diversas formas válidas.
“Há
diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de
ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades,
mas um mesmo Deus ”
(1 Cor 12, 4-5). São os carismas e os dons próprios de cada pessoa,
que são inerentes à sua natureza mas são potencializados com a
presença e a ação do Espírito. Houve uma época em que a teologia
afirmava que somente na Igreja Católica se realizava a verdadeira
comunhão com Cristo. Mas com o advento das doutrinas ecumênicas,
embora a doutrina continue afirmando que a 'ekklesia' tutelada pelo
sucessor de Pedro seja a genuína, no entanto, reconhece que as
diversas comunidades que vivenciam os ensinamentos de Cristo formam
uma grande 'comum unidade', porque o Espírito é um só. Se ninguém
pode dizer “Jesus é o Senhor” senão no Espírito, concluímos
que todos aqueles que professam sua fé em Cristo de modo legítimo,
através do seguimento de sua doutrina e do cumprimento de seus
mandamentos, fazem isso por obra do mesmo Espírito. E mesmo aquelas
pessoas que não professam publicamente uma fé religiosa, mas que
agem de acordo com os valores éticos e humanos, também estes, mesmo
sem saber, estão na comunhão do Espírito.
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