sábado, 21 de setembro de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 24º DOMINGO COMUM - 15.09.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 24º DOMINGO COMUM – A LÓGICA DE DEUS – 15.09.2013

Caros Confrades,

Nas leituras deste 24º domingo comum, sobressai o tema da misericórdia divina. O Papa Francisco, dirigindo-se aos peregrinos em Roma, abordou esse tema, afirmando ele que a alegria de Deus é perdoar. Isso me fez lembrar daquele oráculo do profeta Isaías, quando disse sobre Javeh que “os meus pensamentos não são os vossos pensamentos” (Is 55, 8), querendo dizer que a lógica de Deus é diferente da nossa. Para nós, seres humanos, perdoar nunca é uma alegria, ao contrário, o perdão é uma atitude dolorosa, que mesmo quando é exercitada de forma consciente, nem por isso deixa de passar uma sensação estranha de que algo está faltando. Precisamos evoluir muito na vivência dos ensinamentos de Jesus, para compreendermos essa lógica do perdão e mais ainda para conseguirmos pô-la na prática.

Na primeira leitura, do livro do Exodo (32, 7), Javeh se enfurece com os hebreus, que O substituiram por um bezerro de ouro e, na sua ira, quer exterminar o povo. Essa era a “personalidade” do Deus hebreu do Antigo Testamento, mas ele recua dessa pretensão ante as ponderações de Moisés. Se observarmos bem, temos aí dois comportamentos bem curiosos e atípicos. De um lado, a figura de um Javeh irado e violento, bem diferente do Pai que Jesus veio revelar na sua pregação. Para os hebreus, Javeh aparecia sempre como um pai raivoso, com o chicote na mão, mas mesmo assim, o povo teimava em desobedecê-lo, por isso era preciso que os profetas estivessem, a todo momento, recordando a promessa e o compromisso. Mas, por outro lado, Javeh aparece também como manso e compassivo, dando ouvidos aos argumentos de Moisés, atitude que lembra a figura do Pai amoroso, apresentada por Jesus Cristo. Chega a ser um comportamento contraditório, pois Javeh, o todo poderoso, acima do qual não existe nenhum, no entanto, amolece diante de um subordinado. É uma lógica totalmente diferente da nossa, como bem explicou o profeta Isaías.

Na segunda leitura, da carta a Timóteo (1, 12), Paulo humildemente se penitencia por ter sido perseguidor da Igreja e agradece a misericórdia de Cristo, que o escolheu para a missão de pregador. E diz: “eu encontrei misericórdia porque agia com a ignorância de quem não tem fé”, para em seguida se classificar como o pior de todos os pecadores, aquele que está na cabeceira da fila do perdão. Do mesmo modo como Javeh, no Antigo Testamento, teve misericórdia para com o povo pecador, Cristo teve misericórdia para com ele, Paulo, para demonstrar a grandeza do Seu coração. Paulo tenta explicar, com outras palavras, a mesma lição de Isaías acerca dos pensamentos de Deus, que não seguem a lógica humana.

Porém, o exemplo mais perfeito dessa lógica diferenciada está no evangelho de Lucas (15, 1-32), em especial naquela conhecida história do filho esbanjador. Como em diversas outras ocasiões, Jesus usava figuras alegóricas para exemplificar o comportamento dos fariseus, que agiam assim como o filho mais velho da parábola, e não conseguiam entender o comportamento de Jesus, voltado para os pecadores (figura do filho esbanjador), algo totalmente diferente da lógica deles. Como é que Jesus, sendo filho de Deus (como se auto apresentava), ia reunir-se com os publicanos e pecadores, deixando de lado eles, fariseus, os verdadeiros cumpridores da Lei, que nunca haviam abandonado a casa do Pai? Dentro da compreensão judaica, publicanos e prostitutas eram pecadores públicos, ou seja, todo mundo peca, mas faz isso sigilosamente, de modo que as outras pessoas não ficam sabendo. Mas os publicanos e as prostitutas fazem isso abertamente, sem se incomodar que os outros saibam disso. As prostitutas, pela prática aberta da sexualidade, que sempre foi um tabu entre os hebreus e até o cristianismo, por muito tempo, também ensinava que o sexo existia apenas para a finalidade procriativa, não com finalidade recreativa. Os publicanos, pela natureza do seu ofício de cobrador de impostos, eram pessoas reconhecidamente corruptas, mesmo aqueles que não recebiam propinas mas arrecadavam apenas o percentual regular, porque eles tiravam o dinheiro do povo hebreu para beneficiar os invasores romanos. Só isso já era o suficiente para eles serem considerados pecadores públicos. Para os judeus, o ato de tocar fisicamente nessas pessoas os deixava impuros, era necessário fazer as abluções rituais, a fim de purificarem-se. O simples fato de estar junto com essas pessoas no mesmo ambiente físico, mesmo que involuntariamente, era também causa de impureza, havendo a necessidade das abluções purificadoras. Não obstante isso, Jesus se reunia com esse povo, comia com eles, conversava com eles sem qualquer cerimônia e não fazia as abluções purificadoras (nem Jesus nem seus discípulos), os fariseus não entendiam como é que alguém, que se dizia cumpridor da lei, agisse assim. Sabendo do que se passava nos seus pensamentos, Jesus começou a contar as parábolas conhecidas como “da misericórdia”, que relatam a alegria pela recuperação de algo perdido (a ovelha perdida, a moeda perdida) ou de alguém que havia se perdido (o filho inconsequente). Jesus estava dizendo claramente, embora numa metáfora, para eles que o filho obediente, que se considerava justo e cumpridor dos deveres, eram eles próprios, os fariseus. Mas eles não conseguiam perceber isso, isso era muito difícil para eles compreenderem, e assim como aconteceu com eles, muitas vezes também os nossos pensamentos se embotam e nos impedem de descobrir o verdadeiro sentido das ações de Deus na nossa vida.

Pois bem. Não irei repetir aqui a história do filho aventureiro, porque todos a conhecem bem. Quero concentrar-me no diálogo entre o pai e o filho resmungão, porque encontramos ali dois padrões de pensamento completamente antagônicos. O filho mais velho não gostou nada daquela festa e passou na cara do pai: Tu nunca me deste nem um cabritinho sequer para eu festejar com meus amigos. Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado'.” Vejam bem: ele não disse “quando chegou esse meu irmão”, disse “esse teu filho”, ou seja, não reconhecia aquele viajante como seu irmão, da mesma forma como os fariseus não reconheciam os publicanos e pecadores como irmãos deles. Mas o pai, em suprema compreensibilidade, não recriminou a raiva do filho mais velho e lhe respondeu mais ou menos assim: você tem razão de estar zangado, masera preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado'.” Por outras palavras: foi o teu irmão que retornou, isso já é motivo bastante para alegria. O perdão e a misericórdia devem estar acima de qualquer rancor.

Se nós observarmos pelo aspecto da lógica humana, o pai estava sendo injusto, porque afinal o filho mais novo havia recebido a parte dele na herança e, teoricamente, havia renunciado a tudo mais. Do ponto de vista estritamente jurídico, ele não tinha mais direito a nada da parte do pai, por isso, ele chegou pedindo para ser admitido como empregado. Foi também nesse sentido o raciocínio do irmão mais velho: ele já recebeu a parte dele e ainda voltou pra levar mais, aquela parte que me pertence, eu estou sendo injustiçado. Era mais ou menos assim que os fariseus se sentiam, em relação aos pecadores (pois fariseus não se consideravam pecadores, e sim observantes da lei). Esses pecadores se refestelam com coisas que eles (fariseus) renunciam em nome da lei, beneficiam-se das coisas erradas (esbanjam os bens) e depois vêm querer se beneficiar também das promessas contidas na lei, que eles não cumprem.

Se observarmos agora pelo aspecto da lógica daquele pai misericordioso, a totalidade dos bens materiais passou a ter um valor insignificante diante do arrependimento do filho pecador. A parcela dos bens que ele recebeu e esbanjou não tem comparação com o seu reencontro, com a mudança que se operou na sua personalidade. É uma mensagem semelhante àquela que está também em Lucas (7, 6), a respeito da pecadora que beijava os pés de Jesus na casa de outro fariseu: muito lhe foi perdoado porque muito amou. Aqui nos lembramos do discurso do Papa aos peregrinos: a alegria de Deus é perdoar. Para aquele pai que recuperou o filho, a alegria do seu retorno é infinitamente superior ao valor material dos bens que ele desperdiçou. O fato de ele ter retornado já demonstra o grau de arrependimento e de amor que lhe passava na alma. “Eu não sou digno de ser chamado de teu filho, trata-me como um de teus empregados...”, que conversa mais besta, pensou o pai, o teu retorno é o que de fato interessa.

Meus amigos, precisamos nos acautelar para não fazermos igual aos fariseus, quando estamos em situação de aparente superioridade em relação a alguém. Não devemos repetir como o filho mal criado “esse teu filho”, mas devemos imitar a resposta do pai “esse teu irmão”... O irmão necessitado que nos procura deve ser para nós motivo de alegria, pela oportunidade que temos de praticar o bem.

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