sábado, 21 de setembro de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 25º DOMINGO COMUM - 22.09.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 25º DOMINGO COMUM – SERVIR A DOIS SENHORES – 22.09.2019

Caros Confrades:

As leituras litúrgicas deste 25º domingo comum colocam para a nossa reflexão um tema político muito atual que, nos últimos anos, tem movimentado a sociedade brasileira mais do que em outros tempos: a honestidade dos dirigentes públicos, em todas as esferas do poder estatal. Isso ocorre não apenas no Brasil, mas é uma consequência da tecnologia de comunicação global, através da qual os cidadãos de todo o mundo discutem e exigem a probidade dos seus representantes nas casas legislativas. A liturgia deste domingo põe em destaque um tipo censurável de conduta que, embora lamentável, é bastante frequente nos homens e mulheres ligados à administração pública: aproveitar-se do mandato eletivo para promover a locupletação própria. Daí a advertência de Jesus: ninguém poderá servir de modo digno a dois interesses – o público e o privado.

Na primeira leitura, retirada do livro do Profeta Amós (Am 8, 4-7), o discurso do profeta até parece que se refere ao estereótipo do “político profissional” dos nossos dias, mais interessados em esfolar os concorrentes e enganar os eleitores, em proveito próprio. Tudo vale para conseguir maior número de sufrágios, até mesmo eliminar o adversário moralmente ou até fisicamente. No tempo do profeta Amós, ainda não havia os modelos políticos do capitalismo nem do comunismo, nem a economia de mercado nem a globalização, mas um sistema social arcaico, baseado na teocracia, e um sistema econômico também arcaico, fundado em grande parte na prática do escambo. Mas lamentavelmente as práticas de corrupção e de engodo da população já existiam, assim como as práticas comerciais escusas de fraudar balanças, diminuir medidas, inflacionar o preço para conseguir lucrar sempre mais. Portanto, desde os tempos do Profeta Amós, cerca de 800 anos antes de Cristo, a cobiça dos governantes e dos comerciantes já era alvo de reprovação pelos arautos de Javeh. Isso mesmo continuou a ocorrer nos séculos seguintes, dominados pela tradição romanista e depois pelo mercantilismo, que se instalou a partir do Renascimento. As mesmas práticas reprováveis de certos líderes sociais, que frequentemente são noticiadas nos dias de hoje, já ocorriam naqueles tempos. No livro de Amós, o profeta condena a injustiça social e a exploração gananciosa dos mais humildes. Fazendo-se as contas, podemos avaliar há quanto tempo esse tipo de prática vem sendo condenada e apesar disso nunca deixou de ser vergonhosamente replicada.

Na segunda leitura, retirada da carta de Paulo a Timóteo (1Tim 2, 1-8), o Apóstolo exorta à comunidade para que reze pelos administradores, pelos governantes, pelos que ocupam altos cargos, pois Deus quer que todos sejam salvos. Verifica-se, nas entrelinhas das palavras de Paulo, que os administradores públicos eram tidos por pessoas inescrupulosas, cuja ação não era agradável a Deus, daí porque era necessário orar por eles, para que cheguem ao conhecimento da verdade e sejam salvos. A preocupação de Paulo com os dirigentes da comunidade se faz sentir na necessidade de que os cristãos que ocupam cargos elevados devem dar exemplo aos não cristãos, para que a sua virtude seja imitada por estes. E para que isso aconteça, é importante a oração da comunidade em seu apoio. Naquela antiga oração que rezávamos após a bênção do Santíssimo Sacramento, havia um trecho que dizia assim, depois de orar pelo Papa, pelos Bispos, pelos administradores eclesiásticos: “rezemos por todas as pessoas constituídas em dignidade, para que governem com justiça”. E os vários documentos expedidos pelo Magistério da Igreja ao longo dos últimos séculos, desde o Papa Leão XIII, com a encíclica Rerum Novarum, tem dado continuidade a essa missão iniciada por Paulo no sentido de orientar os governantes no caminho da verdadeira justiça social. O Papa Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio (1967) escreveu uma frase emblemática sobre a situação econômica na metade do século XX: o desenvolvimento é o novo nome da paz. A situação das nações em relação ao desenvolvimento de cada uma é o mecanismo de equilíbrio para a manutenção da paz mundial. De um modo indireto, isso quer dizer que a consciência dos administradores públicos, sobretudo dos países mais ricos, será determinante para que todas as nações vivam em paz. E podemos ver diariamente isso, na prática, e constatar o quanto o Papa estava com a razão. As guerras que eclodem em diversas partes do mundo são o contraponto para comprovar a validade dessa doutrina.

No evangelho de Lucas, lemos hoje a conhecida parábola do administrador infiel. Esta parábola contém um forte paradoxo, destacando a pedagogia do contraditório, pois ao mesmo tempo em que Cristo elogia o comportamento do administrador inescrupuloso, Ele está querendo nos dizer: não façam assim. No tempo de Cristo, a parábola se dirigia, como na maioria das vezes, aos fariseus e aos chefes do povo, que agiam de forma perdulária e opressora, transformando a religião judaica num emaranhado de regras e proibições, em que a prática exterior da religião era mais valorizada do que a intencionalidade do crente. No evangelho de Mateus (cap 23), Cristo faz essa mesma advertência com outras palavras, dizendo que os fariseus atam pesadas cargas e as colocam nos ombros do povo, enquanto eles mesmos não ajudam nem com o dedo para aliviar o peso. Noutro contexto, vemos repetida aí a mesma reprovação feita pelo Profeta Amós contra os administradores do tempo dele. E podemos encontrar semelhante atitude de reprovação no episódio em que Jesus expulsa do templo aqueles que vendiam rolinhas e carneiros para o sacrifício, chicoteando-os e quebrando suas bancas. “Ninguém pode servir a dois senhores. Porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”, diz o evangelista Lucas (16, 13).

Apesar dessa atitude de reprovação, Jesus utiliza o argumento do raciocínio inverso para elogiar o mau administrador, destacando a sua criatividade e inteligência: os filhos das trevas são mais hábeis nos seus negócios do que os filhos da luz (Lc 16, 8). E diz mais: usai o dinheiro injusto para fazer o bem... pois se não fordes fiéis no uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? (Lc 16, 9-11). Jesus está contrapondo as coisas da terra (dinheiro injusto) com as coisas do céu (verdadeiro bem). Aquele que possui bens materiais e/ou desfruta de poder social tem em mãos um 'dinheiro injusto', porque toda acumulação de bens nas mãos de alguém é resultado da falta daqueles bens nas mãos de outrem. Contudo, isso não é de todo mau, desde que a administração desses bens “injustos” esteja voltada para a satisfação das necessidades dos irmãos carentes. Este é o grande desafio que se põe para o cristão que administra bens particulares ou públicos. Jesus sabia que a sociedade sempre seria desigual, quando ele disse em João (12, 8): “pobres sempre tereis entre vós”. Ele sabia que mesmo a divulgação da sua doutrina não acabaria com as desigualdades sociais, mas, por outro lado, isso não seria empecilho para que os cristãos tivessem em suas mãos a responsabilidade de administrar bens materiais. Daí Ele dizer em Lucas (16, 8) que o dono do negócio elogiou a esperteza do seu administrador. Deus quer que nós tenhamos essa mesma “esperteza” com os bens injustos para que saibamos utilizá-los com sabedoria e disponibilizá-los em benefício dos pobres da comunidade.

A advertência de que “ninguém pode servir a dois senhores” não significa que existe uma incompatibilidade absoluta entre amar a Deus e administrar bens materiais, mas sim que o amor a Deus não pode competir com o amor desses bens, pois o amor a Deus não pode ter concorrência. A propriedade e a administração de bens materiais não deve nos desviar do amor a Deus, mas sim fazer-nos amá-lo ainda mais e isso ocorre quando os bens possuídos são postos a serviço da caridade e do amor ao próximo. Aquele cujo Deus é a riqueza ou o poder, este sim estará desvirtuando os bens recebidos e colocando-os a serviço do próprio egoísmo, tal como fez o mau administrador. Podemos dizer, em resumo, que a diferença entre o bom e o mau administrador está sintetizada naquele critério que Jesus já ensinara aos apóstolos e a todos nós, através da palavra do evangelista Mateus (6, 21): “porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”. Se o nosso tesouro estiver em Deus, o nosso coração não se apegará ao dinheiro injusto, mas nós saberemos administrá-lo para fazer amigos que nos receberão, depois, na morada eterna.

Que assim saibamos compreender a esperteza dos filhos deste mundo para conseguirmos colocá-la em prática no exercício da nossa fé.

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